BIOGRAFIA DO APOSTOLO PAULO N.2
Esboço:
I. Vida
1. Fontes de
Informação
2. Passado
3. Primeira Viagem
Missionária
4. O Concilio
Apostólico
5. Segunda Viagem
Missionária
6. Terceira Viagem
Missionária
7. Aprisionamento e
Encarceramento em Roma
8. Paulo, de Novo
Livre, Vai à Espanha
9. Segundo
Encarceramento e Morte
10. Cronologia da Vida
de Paulo
II. Significação
de Paulo
1. As Escolas
Críticas e Paulo
2. As Epístolas
Paulinas
3. O Servo de Cristo
4. O Apóstolo dos Gentios
5. A Doutrina de
Paulo
6. Paulo e Jesus
7. Como Paulo
Comprovou seu Apostolado
I. Vida
A Conversão de Saulo At 9:1 -19ª
No que concerne a Lucas, a conversão de Paulo foi a consequência
singular mais importante do "caso Estevão". A importância desse
evento se comprova pela tríplice repetição dessa história, primeiro aqui,
depois em 22:5-16, e finalmente em 26:12-18. A autoridade de Lucas deve ter
sido a do próprio Paulo. Os três relatos diferem nos pormenores, e não é fácil
determinar até que ponto isso se deve a Paulo — ou a Lucas — embora possamos
ter razoável grau de certeza de que pelo menos alguns pontos de variação se
devem a Paulo, que adaptava os relatos aos diferentes auditórios a quem falava e
o site ebdareiabranca continuara assim. Seja como for, o fato central de uma
experiência culminante se estabelece acima de qualquer sombra de dúvida nos
escritos do próprio Paulo (1Coríntios 9:1; 15:8s; 2 Coríntios 4:6; Gálatas
1:12-17; Filipenses 3:4-10; 1 Timóteo 1:12-16).
Lucas conta a história como se o que acontecera tivesse uma
realidade objetiva. Certos eruditos modernos têm questionado esse ponto.
Surgem, então, às vezes, ideias sobre uma razão psicológica. Diz Weiss: foi
"o resultado final de uma crise íntima" causada pelo senso de
fracasso de Paulo ao querer guardar a lei (J. Weiss, vol. 1, p. 190). Se
Romanos 7:14-25 reflete esta experiência anterior à conversão do apóstolo, essa
teoria tem algum mérito, embora fique longe de explicar adequadamente o que
aconteceu. Outros atribuem a experiência de Paulo a um acesso de epilepsia, ou
ao fato de ele cair num transe de êxtase. Outros ainda têm argumentado que essa
trama toda foi engendrada a partir de uma lenda. A explicação do próprio Paulo,
no entanto, foi que ele havia tido um encontro com o próprio Cristo vivo, o
qual de certa maneira diferiu de suas subsequentes "visões e
revelações" (2 Coríntios 12:1), de modo que o apóstolo só conseguia
explicá-lo como a última aparição de Cristo,após sua ressurreição (1 Coríntios
15:8). A experiência de Cristo como poder dentro do crente não era estranha a
Paulo (Romanos 8:10; Gálatas 2:20), "mas na estrada de Damasco ele não só
experimentou o poderinternamente, mas acima de tudo, percebeu uma pessoa externamente
— não recebeu apenas a dádiva da graça, mas também a vinda do Senhor
ressurreto. Portanto, Paulo declara ter visto a Jesus, o que é algo singular e
marcante, não podendo ser menosprezado, nem deixado de lado como
insignificante" (Dunn, Jesus, p. 109). Somente sua inabalável convicção da
realidade do que havia acontecido explica suficientemente o resultado atingido:
"a mudança radical de uma vida centralizada em si mesmo, para uma vida
centralizada em Cristo, uma completa submissão a Jesus Cristo, pela qual ele se
torna discípulo do Mestre e servo do Senhor, sua admissão no reino de Deus na
terra, e no ministério apostólico, que era a tarefa da comunidade cristã (T. W.
Manson, pp. 13s.).
9:1-2 Prosseguiu a perseguição à igreja de Jerusalém, com Paulo
respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor (v. 1) —
ameaças que talvez não fossem de todo vazias. Não contente com isso, Paulo
desejava estender seus esforços além da cidade. De 26:10 fica evidente que
Paulo já estava agindo sob uma comissão nomeada pelo sumo sacerdote, mas agora
dirigiu-se ao sumo sacerdote (talvez Caifás) e pediu-lhe que seu mandato se
estendesse de modo que lhe permitisse procurar alguns daquela seita, quer
homens quer mulheres... de Damasco para que os conduzisse presos a Jerusalém. A
expressão "o Caminho" (que ECA traduz aqui diferentemente, por
"seita") é peculiar a Atos (cp. 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22) e talvez
se originasse entre os judeus que viam os cristãos como os que haviam adotado
um "Caminho" (ou modo de vida) distintivo. Todavia, logo a palavra
"Caminho" seria usada pelos cristãos como meio adequado de
descrevê-los como seguidores daquele que é "o Caminho" (João 14:6s.;
os sectários de Qumran também se referiam a si mesmos como "o
caminho", p.e., 1 QS 9.17s.; CD 1.13). Havia seguidores do
"Caminho" em Damasco, de cuja presença nãotomamos conhecimento senão
mediante Lucas, o que nos lembra de como Lucas é seletivo ao narrar sua
história. A expressão se encontrasse (v. 2) não significa que haveria dúvida
quanto à presença deles ali; a dúvida estaria na legalidade da ação de Paulo em
prendê-los, visto não se tratar de meros refugiados recentes (8:1), mas de
cristãos que residiam em Damasco e evidentemente haviam sido capazes de
combinar a fé cristã com a prática judaica, de maneira aceitável perante seus
correligionários judeus. A questão, portanto, era se as numerosas sinagogas
existentes em Damasco cooperariam com Paulo na ação contra seus próprios
companheiros que haviam optado por reconhecer que Jesus era o Cristo. As cartas
para as sinagogas (v. 2)seriam uma ajuda, visto que embora o Sinédrio não
tivesse autoridade legal fora da Judéia, sua reputação representaria autoridade
moral sobre os judeus da diáspora (veja Sherwin-White, p. 100). Paulo também
procuraria a ajuda dos magistrados locais, mas o nome do Sinédrio judaico teria
tido peso suficiente até mesmo sobre tais magistrados, de modo que Paulo se
sentiria confiante quanto à aquiescência deles, senão quanto à sua total
cooperação. Fosse como fosse, parece que Paulo lançou-se com ímpeto, cheio de
esperanças de grande sucesso. Estava acompanhado por inúmeros capangas, talvez
designados dentre os guardas do templo, a fim de ajudá-lo a efetuar as
prisões.
9:3-5 Damasco, se não for a cidade mais antiga do mundo, pelo
menos merece o título de a cidade que mais persiste. Fica a noroeste da
planície de Ghuta, a oeste do deserto sírio-árabe e a leste dos montes
Anti-Líbano. A região era um oásis, banhado por um sistema de rios e canais,
famosa pelos seus pomares e jardins. Desde tempos imemoriais, Damasco tem
desempenhado papel importante como centro religioso e comercial. Era também
centro natural de comunicações, ligando os países do Mediterrâneo ao leste.
Partindo de Damasco, as estradas seguiam pelo deserto rumo à Assíria e
Babilônia; pelo sul à Arábia, e pelo norte a Alepo. Partindo de Jerusalém,
havia duas estradas que conduziriam Paulo a Damasco. Uma delas era a estrada
que saía do Egito e se projetava sempre perto do litoral, avançando depois pelo
interior, ao longo do Jordão, até o norte do mar da Galiléia. Para apanhar essa
estrada, Paulo teria primeiro que viajar para o oeste, na direção do mar. A
outra estrada atravessa Neápolis e Siquém, do outro lado do Jordão, ao sul do
mar da Galiléia, e a noroeste até Damasco. Sendo de ambos os caminhos o mais
curto, teria sido a rota mais provável de Paulo.
Quando Paulo se aproximava de Damasco, subitamente o cercou um
resplendor de luz do céu (v. 3). A palavra grega é muito empregada com o
sentido de relâmpago, de modo que é assim que Lucas pretende dar-nos uma ideia
da intensidade da luz, embora as circunstâncias sejam de tal ordem que
obviamente a descrição não pretendia referir-se a um fenômeno natural. Em 22:6
a hora é determinada como sendo "quase ao meio-dia", e em 26:13 se
diz que a luz "excedia o resplendor do sol", e envolveu o grupo todo,
inclusive Paulo. A luz se associa com muita frequência, nas Escrituras, à
revelação de Deus (cp. 12:7), sendo esse o caso aqui, com toda a clareza. Era a
glória de que Estevão havia falado (7:2) que aparecia a Paulo, de acordo com o
tema de Estevão, em terraque não era a sua, mas estranha. Mais precisamente,
era a glória de Deus que brilhava "na face de Jesus Cristo"
(2Coríntios 4:6), visto que embora a narrativa não o diga nestas exatas
palavras, noutras passagens somos informados de que Paulo viu a Jesus (cp. vv.
17, 27; 22:14; 26:16): não o viu como os outros o viram, mas viu o Filho que
ascendera aos céus, resplendente na glória do Pai, cegando o olho humano, pois
ninguém pode ver a face de Deus (cp. Êxodo 33:20).
Paulo e quantos o acompanhavam caíram ao chão. Veio a Paulo um
som, como a voz de Cristo: Saulo, Saulo, por que me persegues? (v. 4). A forma
semítica de seu nome (Shaul) é usada em todos os três relatos — certamente como
reminiscência deste acontecimento notável. Quanto à solene repetição do nome,
compare com Gênesis22:11, Mateus 23:37, e Lucas 10:41; 22:31. De início, é
possível que Paulo tivesse ficado todo confuso, sentindo apenas que estava na
presença de Deus. É por isso que ele usa o nome do Senhor ao fazer-lhe uma
pergunta. E recebe a resposta: Eu sou Jesus, a quem tu persegues (v. 5; cp.
22:8, "Eu sou Jesus de Nazaré"), e com essas palavras vem também a
primeira lição que Paulo precisava aprender, a saber, que Cristo tinha "um
corpo", uma presença tangível na terra, a igreja (cp. Romanos 12:4, 5; 1
Coríntios 6:15; 8:12; 10:16s.; 12:12ss.; Efésios 1:23; 4:4, 12, 16; 5:23; Colossenses
1:18, 24; 2:19), de modo que era a ele, ao próprio Cristo, que Paulo vinha
ferindo ao perseguir seu povo (cp. Mateus 25:40, 45; Lucas 10:16). E Paulo fez
mais duas descobertas. Primeira, que oscristãos estavam certos ao proclamar a
ressurreição de Jesus. O emprego do nome do Senhor aqui expressa apercepção de
Paulo de que o Jesus histórico era o Cristo que lhe aparecera. Segunda
descoberta: Gamaliel tinha razão, visto que Paulo fora na verdade apanhado
lutando contra Deus (cp. 5:39).
9:6-8 No devido tempo, Paulo receberia instruções sobre o que
deveria fazer, mas nesse momento ele já era um novo homem (cp. 2 Coríntios
5:17; Filipenses 3:4ss.). Paulo não poderia jamais esquecer de modo completo
seu passado, mas tudo lhe fora perdoado, e Deus lhe havia preparado uma nova
tarefa. Deve-se notar que em 26:16-18 há um breve resumo, como se o Senhor, por
ocasião dessa experiência de Damasco, tivesse explicado a respeito de qual
viria a ser sua nova tarefa. Entretanto, a narrativa naquele capítulo foi
bastante condensada, com omissão de todas as referências a Ananias, com quem
Paulo aprenderia mais tarde qual seria o propósito para o qual Cristo o tinha
convocado. Note-se que os companheiros de Paulo foram muito menos influenciados
do que ele mesmo pelo que acontecera. Haviam visto a luz, haviam ouvido o som
(v. 7; cp. 22:9; 26:14), e à semelhança de Paulo haviam sido atirados ao chão
(26:14 liga de modo explícito sua cegueira à luz). Certa vez Jesus havia-se
referido a esse tipo de cego, ao falar de "um cego guiar outro cego"
(Mateus 15:14; 23:16); estando cego agora,Paulo foi conduzido por outros a
Damasco (v. 8), onde se hospedou na casa de um Judas, na rua Direita (cp. v.
11). Tais pormenores, como o nome do anfitrião e da rua onde este morava indicam
a existência de uma fonte bem perto do local dos acontecimentos (cp. 16:15;
17:6s.; 18:2s.; 21:8, 16; também 10:6).
9:9-12 Paulo permaneceu nesta casa durante três dias, sem comer
nem beber — sinal, talvez, de profunda contrição, ou quem sabe em antecipação
de outras revelações (cp. v. 6), ou talvez como consequência de seu estado de
choque. Paulo orava e jejuava. Sendo um fariseu devoto, deveria orar com muita
frequência. Entretanto, quem sabe pela primeira vez Paulo estava aprendendo a
diferença entre "rezar, ou pronunciar palavras perante Deus" e orar
(a reação do verdadeiro crente perante a graça de Deus que lhe foi dada por
Cristo). O orgulhoso fariseu da parábola de Jesus havia tomado o lugar do outro
homem (Lucas 18:9-14). Esta passagem ensina a importância da oração tanto para
Paulo como para a igreja no desempenho de sua missão. Em todas as situações
críticas desta história encontramos o povo orando (10:2, 9; 13:2, 3; 14:23;
16:13, 16, 25; 20:36; 21:5; 22:17-21; 27:35; 28:8. É também a primeira de
várias passagens em que as visões estão ligadas à oração (cp. 10:2-6; 9:17;
22:17-21; 23:11; cp. também 16:9, 10; 18:9, 10; 26:13-19). Seja o que for que
entendermos em relação a esses fenômenos, devemos concordar em que expressam a
convicção de que em todos os casos asorações foram respondidas. Neste caso
particular, uma visão enquadra-se noutra (cp. 10:1-23). Numa, Paulo viu um
homem vindo a ele; na outra, o tal homem, o próprio Ananias, recebe orientação
no sentido de ir a Paulo e impor-lhe as mãos para que ficasse curado (cp. 1
Samuel 3:4ss). O v. 11 é a primeira referência, numa série de cinco, em Atos, à
cidade em que Paulo nasceu. Sendo talvez tão antiga quanto Damasco, Tarso foi a
principal cidade de Cilícia Pedeias. A julgar pela extensão de suas ruínas, a
população de Tarso na época dos romanos deve ter chegado perto de meio milhão
de pessoas. Era uma cidade que possuía todos os elementos necessários para
torná-la o grande centro comercial que de fato veio a ser: excelente porto, uma
região interiorana rica, e uma posição de comando na extremidade sul da rota
comercial através dos montes do Touro, dos portõesCilicianos, até à Capadócia,
Licaônia e interior da Ásia Menor em geral. Tarso passou para as mãos romanas
ao sair do império desmoronado dos Selêucidas, antes de 100 a.C, embora o
domínio integral não fosse conseguido senão depois de 60 a.C. Sob os
selêucidas, Tarso se tornara uma das três grandes cidades universitárias do
mundo mediterrâneo. Strabo refere-se à universidade de Tarso como sendo
superior, em alguns aspectos, às de Atenas e de Alexandria (Geografia 14.5.13).
Era especialmente importante como centro da filosofia estoica. Portanto, Paulo
deve ter ficado em débito para com aquela escola de pensamento em Tarso, pela
sua familiaridade com seus princípios filosóficos, não todavia pelos anos de
sua mocidade ali passados, mas pelo período que ali viveu mais tarde. O ofício
de Paulo de fazer tendas constituía importante ramo comercial ciliciano (cp.
18:3).
9:13-14 Surge Ananias nesta narrativa apenas como um
"discípulo". Era um judeu cristão muito ligado à lei, um homem
bastante respeitado entre os judeus de Damasco. É possível que fosse um líder
entre os cristãos. Haviam chegado a ele notícias acerca de quantos males tem
feito aos teus santos em Jerusalém esse homem, Paulo, que Ananias não tinha
desejo de encontrar agora, em Damasco (v. 26). Lucas apresenta o tormento de
Ananias de forma dramática, mediante um diálogo com o Senhor (Jesus), e aqui
encontramos outros dois nomes para os cristãos (cp. "o Caminho", [ECA
traz "seita"] v. 2). São chamados de santos (v. 13, lit.,
"sagrados ou separados", cp. vv. 32, 41; 26:10, e quanto ao verbo,
20:32; 26:18). O Antigo Testamento empregava esse termo tanto para indivíduos
como para Israel como um povo, mas Ananias não hesitou em aplicá-lo agora aos
cristãos, o novo "Israel de Deus" (Gálatas 6:16). Note-se que em
26:10 o próprio Paulo usa esse termo, talvez numa repetição consciente de
Ananias, a menos que, é claro, a linguagem fosse inteiramente de Paulo. Pelo
menos seis de suas cartas são dirigidas "aos santos", ou
"chamados para ser santos". Em segundo lugar, os cristãos são também
os que "invocam o teu nome [de Jesus]". Esta expressão é um eco de
2:21 (citação de Joel 2:32) sendousada novamente no v. 21 e em 22:16. Esta
descrição significa que eles creem em Cristo e, muito significativamente,
relaciona-se de modo íntimo em 1 Coríntios 1:2 com o título de
"santos" dado aos crentes.Outra característica distintiva desta
passagem é o uso frequente do título Senhor para Jesus. Era termo comum na
época em que Paulo estava escrevendo suas cartas e pode refletir, repitamos,
sua própria expressão verbal ao recontar a história a Lucas.
9:15-16 Repete-se a ordem do Senhor a Ananias para que vá ao
encontro de Paulo, e declara-se ao mesmo tempo qual haveria de ser o destino de
Paulo. Paulo era um "vaso escolhido [de Deus]", metáfora tirada do
trabalho do oleiro. Assim como o oleiro fazia vasos para diversos fins, Deus
também fez os seres humanos para seus próprios e variados propósitos (cp.
Jeremias 18:1-11; 22:28; Oséias 8:8; 2 Coríntios 4:7; 2 Timóteo 2:20, 21). No
caso de Paulo, ele haveria de tomar sobre si o manto do Servo sofredor (cp.
Colossenses 1:24), porquanto elehaveria de ser "uma luz para as
nações", para que Paulo pudesse "levar o nome de Deus"
(continuando a metáfora do vaso) perante os gentios, os reis e os filhos de
Israel (v. 15; cp. 26:22; Isaías 49:6). Observe que esta missão incluía os
judeus, mas a ordem das palavras enfatiza os gentios. Eis uma extraordinária
reviravolta navida de Paulo, o fariseu. O desempenho fiel dessa missão traria
muito sofrimento a Paulo, como trouxera ao próprio Servo (não, todavia, como
punição pelo seu passado, mas simplesmente "por amor do Senhor").
Quanto Paulo deveria sofrer lhe seria revelado de tempos em tempos (p.e.,
20:23), e podemos ver um pouco disso nas cartas do apóstolo (p.e., 1 Coríntios
4:9ss.; 2 Coríntios 6:4, 5; 11:23-28; Filipenses 3:4ss.; Colossenses 1:24; 2
Timóteo 4:6). Tudo isto Ananias comunicou a Paulo quando ambos se encontraram
(22:14s.).
9:17-19a /Ananias finalmente venceu sua relutância, senão seu
medo, e acabou indo à casa da rua Direita. Ali, impôs as mãos sobre Paulo,
anunciando-lhe que havia sido enviado por Jesus, a fim de que tornes a ver, e
sejas cheio do Espírito Santo (v. 17). Nenhuma palavra de recriminação, mas uma
recepção calorosa à comunhão da igreja (cp. v. 27). A imposição de mãos deve
ser vista como um sinal da cura dos olhos, não do enchimento de Paulo com o
Espírito Santo—e menos ainda como método mediante o qual esse dom é concedido.
O enchimento de Paulo com o Espírito Santo relaciona-se melhor com seu batismo,
mas repitamos, não como o método ou meio, mas simplesmente como um sinal
externo de uma graça espiritual interna. A vista de Paulo foi restaurada (Lucas
descreve a cura empregando termos de medicina); Paulo foi batizado (teria sido
pelas mãos de Ananias?),alimentou-se e "sentiu-se fortalecido". É
possível que este seja outro termo médico, e assim Paulo estava pronto para o
que o aguardava.
Notas Adicionais
9:4 Por que me persegues?: A resposta a esta pergunta tem sido
encontrada em Gálatas 3:13. Antes de sua conversão, Paulo considerava Jesus
como maldito, de acordo com Deuteronômio 21:22s. Por esta razão, Paulo havia
blasfemado contra o nome do Senhor (1 Timóteo 1:13) e tentou levar outros a
blasfemar também (Atos 26:11), isto é, dizer: "Jesus é anátema" (1
Coríntios 12:3). Após sua conversão, Paulo prosseguiu afirmando,"Cristo
nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição", mas agora
acrescenta duas palavras, "por nós", ou "por mim" (cp.
também Gálatas 2:20). Veja J. Jeremias, The Central Message of
the New Testament (Londres: SCM Press, 1965), p.35s.
9:17 O Senhor Jesus... me enviou, para que... sejas cheio do
Espírito Santo (cp. 22:12ss.): à vista da insistência posterior de Paulo, em
Gálatas 1:1, 11s., em que havia recebido comissão apostólica não de mãos
humanas, mas diretamente de Cristo, é importante que notemos, como Bruce, que
em primeiro lugar Paulo se defende, em Gálatas, da acusação de que havia
recebido comissão dos apóstolos originais. O papel desempenhado por Ananias não
teria prejudicado sua argumentação, ainda que esse discípulo fosse um líder em
Damasco. Em segundo lugar, seja como for, Ananias desempenhou a função de um
profeta, de modo que suas palavras foram as do Cristo ressurreto (Book [Livro],
pp. 200s.).
Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda05.ht
Saulo, um vaso escolhido
A conversão de Saulo foi o maior acontecimento da historia da
Igreja, depois do Pentecoste.
Na ultima aula vimos que a perseguição atua enquanto Deus
permite, sempre com o sublime propósito de atrair os cristãos à santidade. No
momento em que o Todo-poderoso acha conveniente suspendê-la, ela cessa e vem o
tempo de refrigério para a Igreja. Na atualidade, nós, brasileiros, gozamos da
total liberdade de se pregar o Evangelho.
Saulo, antes de ser transformado pelo poder de Deus, por causa
de seu zelo religioso, pois pertencia ao farisaísmo, a principal seita dentro
do Judaísmo, tornou-se um dos principais perseguidores dos cristãos. Mas,
naquele encontro que teve com o Filho de Deus, converteu-se ao Evangelho e
tornou-se o grande apóstolo dos gentios.
O apóstolo Paulo já havia sido escolhido por Deus desde o ventre
de sua mãe. No entanto, Jesus esperou o tempo certo, depois que ele perseguiu
tanto os cristãos, para mostra-lhe o seu poder e o quanto era necessário
padecer pelo seu nome. Transformado, tornou-se missionário entre os gentios.
Cerca de um ano após a morte de Estêvão, acontece a conversão de
Saulo de Tarso. Chama-nos a atenção o grande poder de Jesus e a sua imensa
graça. O nosso general precisava de um capitão em seu exército, e foi
buscá-lo nas fileiras do Inimigo, transformando-o pelo poder sobrenatural do Espírito
Santo, lapidando-o e preparando-o para ser o apóstolo dos gentios.
QUEM ERA SAULO DE TARSO?
1. Antes de sua conversão. Tudo que sabemos dele encontramos em
Atos, nas suas epístolas e em 2 Pedro 3.15. No entanto, possuímos mais dados
sobre a vida de Paulo do que acerca de qualquer um dos outros apóstolos. Seu
nome hebraico é Shaul, o mesmo nome do primeiro rei de Israel, que significa
"pedido". Seu nome romano é Paulus, que significa
"pequeno". Nasceu em Tarso, grande centro cultural da Cilícia, mas
foi criado em Jerusalém, aos pés de Gamaliel (At 22.3; 26.4) e herdou de seu
pai a cidadania romana (At 16.37; 21.39; 22.25).
2. Sua aparência física. Muito se tem discutido sobre a sua
aparência física, mas a Bíblia nada fala a respeito. O que se costuma dizer em
nosso meio é proveniente da tradição que, seguindo a obra apócrifa Atos de
Paulo,escrita na segunda metade do segundo século, diz: "E viu Paulo se
aproximando, um homem pequeno de estatura, com cabelos ralos na cabeça, torto
de pernas, o corpo em bom estado, com sobrancelhas ligadas, e nariz um tanto
convexo, cheio de graça, pois algumas vezes ele se assemelha a um homem e
algumas vezes tem o rosto de um anjo".
3. O inimigo implacável do Cristianismo (v. 1). Como membro do
Sinédrio, tinha direito a voto (At 26.10). Por isso, votou a favor da morte de
Estêvão. Antes de sua conversão, é mencionado três vezes (At 7.58; 8.1,3) como
inimigo implacável da Igreja. A sua perseguição era tão feroz que procurava os
discípulos até em suas casas, arrastando impiedosamente até as mulheres,
encerrando-os no cárcere. Diz o versículo 1: "E Saulo, respirando ainda
ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor". Isso o revela como um
animal devastador, feroz e indomável. Ele mesmo declarou: "encerrei
muitos dos santos nas prisões, e quando os matavam, eu dava meu voto contra
eles" (At 26.10).
A CONVERSÃO DE SAULO DE TARSO
1. "Cartas para Damasco" (v. 2). Roma havia concedido
aos judeus o direito de extradição dos criminosos fugitivos de Jerusalém. Até
onde podemos ver em Atos, ser cristão naqueles dias era não só um crime
religioso, mas também civil. Saulo considerava os seguidores de Cristo
subversivos. Por isso, conseguiu cartas dos "principais dos
sacerdotes" (26.10) e do "sumo sacerdote" (22.5), as quais o
investiu de autoridade para prender os discípulos do Senhor Jesus.
2. Na Estrada de Damasco (v. 3). Damasco, a 240 km de
Jerusalém, levava cerca de uma semana de viagem. Paulo ia com uma comitiva,
na tentativa de esmagar o Cristianismo, que, até então, já havia ultrapassado
os limites da Judéia, Samaria e Galiléia.
Perto de Damasco, ele foi subitamente envolvido por uma luz que
o derrubou por terra, e a voz de Jesus o chamou nominalmente. Ele reconheceu,
imediatamente, que se tratava de algo divino, pois disse: "Quem és
Senhor?" (v. 5).
3. Suposta contradição. A aparente discrepância entre Atos 9.7:
"ouvindo a voz, mas não vendo ninguém" e Atos 22.9: "mas não
ouviram a voz daquele que falava comigo" é meramente uma questão de
tradução. O verbo grego usado para "ouvir", empregado nestas duas
passagens, é akouo e significa também "entender, prestar atenção".
4. Experiência com o Cristo vivo. Esta mudança súbita de Saulo
de Tarso tem deixado os judeus estarrecidos, até a atualidade. Muitos ficam
sem entender como um homem, o qual agia ferozmente contra os cristãos, de
repente passa a ser um deles, defendendo e anunciando com fervor o
Cristianismo. Isso é a graça de Deus. Jesus disse: "O vento assopra onde
quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é
todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8).
O APOSTOLADO DE PAULO
1. A visão de Ananias (vv. 10, 11). Vencido e alvejado pela
graça de Deus, Saulo foi conduzido cego para Damasco, para a rua chamada
Direita, que existe ainda hoje nesta cidade. Deus, em sua infinita sabedoria,
não permitiu que a prova dessa conversão ficasse limitada apenas aos
companheiros de Paulo. Por isso, revelou esse acontecimento a Ananias.
2. Temor de Ananias (13,14). Era uma reação perfeitamente
normal a qualquer ser humano. Tendo conhecimento da devastação que Saulo
fizera em Jerusalém, após o martírio de Estêvão, e sabedor que ele estava
investido da autoridade, concedida. Pelo Sinédrio, para açoitar e aprisionar os
discípulos, era mesmo para ficar temeroso. Ananias, porém, ainda não sabia que
a graça de Deus havia alvejado o indomável perseguidor, e o tal seria uma vaso
escolhido para os propósitos divinos.
3. Requisito para o apostolado (v. 15). À luz de Atos 1.21,22,
era necessário que Paulo tivesse uma chamada específica para o apostolado, a
fim de que pudesse ser testemunha da ressurreição de Cristo.
Essa exigência foi satisfeita na conversão de Saulo de Tarso, em
sua experiência com o nosso Redentor. Quatro vezes Paulo declara ter visto a
Jesus. Isso torna legítimo o seu apostolado (1 Co 9.1; 15.8; 2 Co 4.6; Gl
1.15,16).
4. Questões da crítica textual (vv. 5 e 6). O texto: "duro
é para ti recalcitrar contra os aguilhões. E ele, tremendo e atônito, disse:
Senhor, que queres que faça?" não aparece nas versões Atualizada e
Revisada de Almeida, na Brasileira e na Nova Versão Internacional, por não se
encontrarmos manuscritos gregos. Está na versão Corrigida, via Vulgata Latina.
Erasmo de Roterdã usou, quando preparava a primeira edição de
seu Novo Testamento (em grego), lançado em 1516, pois substituiu o grego pelo
latim em certas passagens (ele não dispunha de todo o texto grego).
Esse texto de Erasmo serviu de base para a versão espanhola de
Reina, a inglesa do rei Tiago, e a portuguesa de João Ferreira de Almeida. A
parte do versículo 6 aparece em Atos 22.10.
Isso em nada desabona a inspiração e autenticidade da Bíblia. Os
próprios críticos reconhecem essa autoridade. São variações oriundas de falhas
de copistas durante catorze séculos copiando manualmente essas passagens. São
coisas que não comprometem a mensagem do Evangelho, como diz a Enciclopédia de
Bíblia, Teologia e Filosofia: "O acúmulo inteiro de variantes não
conseguiu modificar a mensagem, nem mesmo nas minúcias".
O QUE PAULO REPRESENTA PARA O CRISTIANISMO?
1. O apostolado entre os gentios. A visão de Paulo, no
ministério entre os gentios, compartilhada com Barnabé, o tornava
"progressista" para a sua época, no mundo judaico, e da mesma forma,
as suas doutrinas para os padrões sociais do mundo greco-romano. Ele se
tornara o principal representante da nova religião revelada. O seu conceito da
divindade contrariava frontalmente as religiões politeístas de seus dias. A
nova compreensão sobre o Messias mudou radicalmente sua vida e contrariava,
não o Antigo Testamento, mas o que o Judaísmo pensava a respeito do
Libertador.
Paulo considerava os judeus e gentios na mesma situação. Em
Romanos, capítulo primeiro, ele descreve a depravação dos gentios. No
segundo, a incredulidade e desobediência dos judeus. No terceiro, põe os dois
povos no mesmo bojo: "Todos pecaram" (Rm 3.23). Diante disso, levou
avante a ordem de Jesus: "Por que hei de enviar-te aos gentios de
longe" (At 22.21).
2. As missões. Com resultado das quatro viagens missionárias de
Paulo, surgiram as igrejas da Ásia e Europa.A ele deve-se a expansão do
Cristianismo. Suas estratégias missionárias são ainda hoje o modelo para
nós.Nenhum homem fez pelo Evangelho o que ele realizou, exceto o próprio
Salvador Jesus Cristo.
3. As epístolas. São o maior tesouro que Paulo deixou para a
Igreja. São frutos de suas experiências e trabalhos, na direção do Espírito
Santo. Seus escritos ocupam um terço do Novo Testamento. Sem as suas cartas, o
Cristianismo poderia ser uma mera seita do Judaísmo.
CONCLUINDO
O ministério de Paulo entre os gentios, suas viagens
missionárias e as epístolas escritas, o tornam o maior herói do Cristianismo.
Seus exemplos devem ser seguidos pelos obreiros (1 Co 11.1) e seus ensinos
obedecidos por todos os cristãos. Suas ideias continuam vivas e atuais,
porque foram inspiradas pelo Espírito Santo para a Igreja em todas as épocas.
Os perseguidores dos cristãos sempre agiram movidos pela
ignorância, pois julgavam que prestavam um excelente serviço a Deus ou ao
regime político de seu país. No entanto, muitos deles, quando perceberam o
erro que cometeram, converteram-se a Cristo e tornaram-se uma bênção ao
Evangelho.
Se Saulo tivesse a certeza, antes de iniciar a perseguição aos
cristãos, que Jesus havia ressuscitado, jamais teria se levantado contra o
povo de Deus. Portanto, agiu por ignorância e pelo seu sentimento religioso.
Por isso, Jesus o perdoou e transformou-o no grande apóstolo dos gentios.
Nenhum cristão, até o momento, submeteu-se ao sofrimento experimentado
pelo apóstolo Paulo, após se converter ao Evangelho. Por isso, jamais
murmuremos, quando vier a perseguição, pois, com certeza, o motivo de sua
manifestação é o de gerar a paciência, virtude tão necessária aos filhos de
Deus.
Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda03.htm
1. Fontes de Informação
A origem do evangelho de Paulo Gl 1.11-24
Vimos em Gálatas 1:6-10 que há um só evangelho, e que este
evangelho é o critério pelo qual todas as opiniões humanas devem ser
testadas. É o evangelho que Paulo apresentou.
A questão agora é: qual é a origem do evangelho de Paulo para
que seja normativo, e para que as outras mensagens e opiniões sejam avaliadas e
julgadas por ele? Sem dúvida é um evangelho maravilhoso. Lembremos a Epístola
aos Romanos, as Epístolas aos Coríntios e as poderosas epístolas da prisão,
como Efésios, Filipenses e Colossenses. Ficamos impressionados com o majestoso
ímpeto, profundidade e a consistência com que Paulo expõe o propósito de Deus
de eternidade a eternidade. Mas de onde ele tirou essas idéias? Seriam
produto de sua própria mente fértil? Ele as inventou? Ou será que eram
material antigo, de segunda mão, sem autoridade original? Será que as plagiou
dos outros apóstolos em Jerusalém, que os judaizantes evidentemente defendiam,
uma vez que tentavam subordinar a autoridade de Paulo à dos apóstolos?
A resposta dele a estas perguntas pode ser encontrada nos
versículos 11 e 12: Faço-vos, porém, saber, irmãos(uma fórmula favorita sua de
introduzir uma declaração importante), que o evangelho por mim anunciado não é
segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas
mediante revelação de Jesus Cristo. Eis aí a razão por que o evangelho de Paulo
era o padrão pelo qual os outros evangelhos deviam ser medidos. O seu evangelho
era (literalmente, versículo 11) "não... segundo o homem"; não era "invenção
humana" (BLH). "Eu o preguei'', Paulo poderia dizer, "mas não o
inventei. Também não o recebi de um homem,como se fosse uma tradição já aceita,
passada de uma geração a outra. Também não me foi ensinado, como seo precisasse
aprender de mestres humanos." Pelo contrário, ele veio "mediante
revelação de Jesus Cristo". Isto provavelmente significa que ele lhe foi
revelado por Jesus Cristo. Alternativamente, o genitivo poderia serobjetivo,
caso em que Cristo é a substância da revelação, como no versículo 16, e não o
seu autor. Seja qual for o caso, O sentido geral é explícito. Assim como no
versículo 1 ele afirmou ser divina a origem de sua comissão apostólica, agora
ele afirma ser de origem divina o seu evangelho apostólico. Nem a sua missão
nem a sua mensagem derivaram de homem algum; ambas lhe vieram diretamente de
Deus e de Jesus Cristo.
A reivindicação de Paulo, portanto, é a seguinte. O seu
evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e abandonado
pelos Gálatas, não era uma invenção (como se a sua própria mente o tivesse
fabricado), nem uma tradição (como se a igreja lho tivesse transmitido), mas
uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele). Como John Brown diz:
"Jesus cristo o tomou sob sua própria e imediata tutela." Por isso é
que Paulo se atrevia a chamar o evangelho que pregava de "meu
evangelho" (cf. Rm 16:25). Era "seu", não porque ele o criara,
mas porque lhe fora revelado de maneira especial. A magnitude de sua
reivindicação é notável. Ele está afirmando que a sua mensagem não é sua, mas
de Deus; que o seu evangelho não é seu, mas de Deus; que as suas palavras não
são suas, mas de Deus.
Após fazer esta surpreendente declaração de uma revelação direta
de Deus, sem canais humanos, Paulo prossegue comprovando-a historicamente, isto
é, com fatos de sua própria autobiografia. As situações ocorridas antes,
durante e após sua conversão foram tais que ele sem dúvida recebeu o seu
evangelho diretamente de Deus e não de algum homem. Examinemos essas três situações
separadamente.
1. O que Aconteceu Antes de Sua Conversão (vs. 13, 14)
Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo,
como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha
nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos na minha idade, sendo
extremamente zeloso das tradições de meus pais. Aqui o apóstolo descreve a sua
situação antes da conversão, quando ele estava "no judaísmo", isto é,
quando ainda era um "judeu praticante". O que ele fora naquele tempo
todossabiam. "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora", diz
ele, pois já lhes falara sobre isto antes. Paulo menciona dois aspectos da sua
vida antes da regeneração: a perseguição à igreja, que ele agora reconhece ser
"a igreja de Deus" (versículo 13), e o seu entusiasmo pelas tradições
dos seus pais (versículo 14). Em ambos, diz ele, era fanático.
Consideremos a perseguição à igreja. Paulo perseguia a igreja de
Deus "sobremaneira" (ERC)(edição revista e corrigida) ou "com
violência" (BLH)(a bíblia na linguagem de hoje). A frase parece indicar a
violência, até mesmo selvageria, com que ele se empenhava na sua atividade
sinistra. O que ele nos conta aqui podemos suplementar com o livro de Atos.
Ele ia de casa em casa em Jerusalém, prendendo todos os cristãos que
encontrasse, homens e mulheres, e arrastando-os para a cadeia (At 8:3). Quando
esses cristãos eram condenados à morte, ele votava contra eles (At 26:10).
Ainda não satisfeito em perseguir a igreja, ele se sentia realmente inclinado
a devastá-la (versículo 13). Estava determinado a acabar com ela.
Ele fora igualmente fanático em seu entusiasmo pelas tradições
judaicas. "Fui um dos judeus mais religiosos do meu tempo e procurava
seguir com todo o cuidado as tradições dos meus antepassados", descreve
(versículo 14, BLH). Ele fora criado de acordo com "a seita mais severa"
da religião judaica (At 26:5), ou seja, era um fariseu e vivia como tal.
Esta era a condição de Saulo de Tarso antes de sua conversão: um
fanático inveterado, completamente dedicado ao Judaísmo e à perseguição de
Cristo e da igreja.
Um homem nessa condição mental e emocional de maneira alguma
mudaria de opinião, nem se deixaria influenciar por outras pessoas. Nenhum
reflexo condicionado ou qualquer outro artifício psicológico poderia converter
um homem assim. Apenas Deus poderia alcançá-lo - e foi o que Deus fez!
2. O que Aconteceu na sua Conversão (vs. 15, 16a)
Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou
pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre
os gentios... O contraste entre os versículos 13 e 14, de um lado, e os
versículos 15 e 16, do outro, é dramaticamente abrupto. Vemo-lo claramente nos
sujeitos dos verbos. Nos versículos 13 e 14 Paulo está falando de si mesmo:
"perseguia eu a igreja de Deus... e a devastava... quanto ao judaísmo avantajava-me...
sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais." Mas nos versículos
15 e 16 ele começa a falar de Deus. Foi Deus, escreve, "que me separou
antes de eu nascer", Deus "me chamou pela sua graça", e a Deus
"aprouve revelar seu Filho em mim". Em outras palavras, "no meu
fanatismo eu meinclinava a perseguir e destruir, mas Deus (que eu havia deixado
fora de minhas cogitações) me prendeu ealterou meu impetuoso curso. Todo o meu
violento fanatismo nada era diante da boa vontade de Deus."
Observe como a iniciativa e a graça de Deus são enfatizadas a
cada estágio. Primeiro, Deus me separou antes de eu nascer. Assim como Jacó foi
escolhido antes de nascer, em preferência ao seu irmão gêmeo Esaú (cf.
Rm9:10-13), e como Jeremias, designado para ser profeta antes de nascer (Jr
1:5), Paulo, antes de nascer, foi separado para ser apóstolo. Desta forma, se
ele foi consagrado apóstolo antes mesmo do nascimento, então é evidente que ele
nada tem a ver com isso.
Em segundo lugar, essa escolha antes do seu nascimento levou à
sua vocação histórica. Deus me chamou pela sua graça, isto é, por seu amor
totalmente imerecido. Paulo estivera lutando contra Deus, contra Cristo,
contra os homens. Ele não merecia misericórdia, nem a pedira. Mas a
misericórdia fora ao seu encontro e a graça o chamara.
Terceiro, aprouve (a Deus) revelar seu Filho em mim. Quer Paulo
esteja se referindo à sua experiência na estrada de Damasco, ou aos dias
imediatamente subseqüentes, o que lhe foi revelado foi Jesus Cristo, o Filho de
Deus. Paulo perseguia a Cristo porque cria que este era um impostor. Agora os
seus olhos estavam abertos para ver Jesus não como um charlatão, mas como o
Messias dos judeus, Filho de Deus e o Salvador do mundo. Ele já conhecia alguns
dos fatos acerca de Jesus (ele não declara que estes lhe foram revelados
sobrenaturalmente,naquele ocasião ou mais tarde, cf. 1 Co 11:23), mas agora
percebia o seu significado. Era uma revelação de Cristo para os gentios, pois a
Deus "aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os
gentios". Fora uma revelação particular a Paulo, mas para uma comunicação
pública aos gentios. (Cf. At 9:15.) E o que Paulo foi encarregado de pregar aos
gentios não foi a lei de Moisés, como os judaizantes estavam ensinando, mas as
boas novas (o significado do verbo "pregar" no versículo 16), as boas
novas de Cristo. Este Cristo fora revelado, diz Paulo, "em mim"
(literalmente). Nós sabemos que foi uma revelação externa, pois Paulo declara
ter visto Cristo ressuscitado (p. ex., 1 Co 9:1; 15:8, 9). Essencialmente,
porém, foi uma iluminação interior de sua alma, Deus resplandecendo em seu
coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de
Cristo" (2 Co 4:6). E esta revelação foi tão íntima, tornando-se de tal
forma parte dele mesmo, que lhe possibilitou torná-la conhecida aos outros.
A força destes versículos é muito grande. Saulo de Tarso fora um
oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um pregador
desse mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua escolha
antes de nascer, sua vocação histórica e a revelação de Cristo nele, tudo isso
foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem a sua mensagem
vinham dos homens.
Contudo, o argumento do apóstolo ainda não está completo.
Considerando que a sua conversão foi uma obra de Deus, o que se tornou claro na
maneira como aconteceu e pelos seus precedentes, não teria ele recebido
instruções depois de sua conversão, de modo que a sua mensagem fosse
proveniente de homens? Não. Isto também Paulo nega.
3. O que Aconteceu Depois de sua Conversão (vs. 16b-24)
...não consultei carne e sangue, 17 nem subi a Jerusalém para os
que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia, e
voltei outra vez para Damasco.
18 Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me
com Cefas, e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apóstolos,
senão a Tiago, o irmão do Senhor. 20 Ora, acerca do que vos escrevo, eis que
diante de Deus testifico que não minto. 21Depois fui para as regiões da Síria
e da Cilícia. 22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judéia, que
estavam em Cristo. 23 Ouviam somente dizer: Aquele que antes nos perseguia,
agora prega a fé que outrora procurava destruir. 24 E glorificavam a Deus a
meu respeito.
Neste parágrafo um tanto longo a ênfase está na primeira
declaração, no final do versículo 16: "não consultei carne e
sangue". Isto é, Paulo diz que não consultou nenhum ser humano. Sabemos
que Ananias foi ao seu encontro, mas evidentemente Paulo não discutiu o
evangelho com ele, nem com qualquer dos apóstolos em Jerusalém. Agora ele faz
esta declaração historicamente. Ele apresenta três álibis para provar que não
gastou tempo em Jerusalém e que seu evangelho não foi moldado pelos outros
apóstolos.
Álibi 1. Ele foi à Arábia (v. 17)
De acordo com Atos 9:20, Paulo ficou algum tempo em Damasco,
pregando, o que dá a idéia de que o seu evangelho já estava bastante definido
para que pudesse anunciá-lo. Mas deve ter ido logo depois para a Arábia. O
Bispo Lightfoot comenta: "Um véu muito espesso cobre a visita de S. Paulo
à Arábia." Não sabemos aonde ele foi nem por que foi para lá.
Possivelmente não foi muito longe de Damasco, porque todo o seu distrito
naquele tempo era governado pelo rei Aretas da Arábia. Há quem diga que ele foi
à Arábia como missionário para pregar o evangelho. Crisóstomo descreve "um
povo bárbaro e selvagem" que vivia ali, o qual Paulo foi evangelizar. Mas
é muito mais provável que ele tenha ido à Arábia em busca de quietude e
solidão, pois este é o ponto alto dos versículos 16 e 17: "...não
consultei carne e sangue... mas parti para as regiões da Arábia." Parece
que ele ficou por lá durante três anos (versículo 18). Cremos que neste período
de afastamento, ao meditar sobre as Escrituras do Antigo Testamento, sobre os fatos
da vida e morte de Jesus, os quais ele já conhecia, e a experiência de sua
conversão, o evangelho da graça de Deus lhe foi revelado em toda a plenitude.
Alguém até já sugeriu que aqueles três anos na Arábia foram uma deliberada
compensação pelos três anos de instrução que Jesus dera aos outros apóstolos,
mas que Paulo não recebera. Agora era como se ele tivesse Jesus ao seu lado
durante três anos de solidão no deserto.
Álibi 2. Ele foi a Jerusalém mais tarde para uma rápida visita
(vs. 18-20)
A ocasião provavelmente é a que se menciona em At 9:26, depois
que ele foi tirado às escondidas de Damasco, sendo descido pelo muro da cidade
em um cesto. Paulo é totalmente franco acerca desta visita a Jerusalém, mas lhe
dá pouca importância. Nada havia nela de tão significativo como os falsos
mestres estavam obviamente sugerindo. Diversos aspectos dela são mencionados.
Primeiro, ela aconteceu "decorridos três anos"
(versículos 18). Isto significa quase certamente três anos depois de sua conversão,
tempo em que o seu evangelho já fora plenamente formulado.
Depois, quando ele chegou a Jerusalém, avistou-se apenas com
dois apóstolos, Pedro e Tiago. Ele foi para "avistar-se"
(ERAB)(edição revista e atualizada no Brasil) ou "conhecer" (BLH)
Pedro. O verbo grego (historesai) era usado no sentido de fazer turismo e
significa "visitar com o propósito de conhecer uma pessoa"
(Arndt-Gingrich). Lutero comenta que Paulo foi visitar esses apóstolos
"não porque recebeu tal ordem, mas de sua própria vontade; não para
aprender alguma coisa com eles, mas apenas para conhecer Pedro". Paulo
também conheceu Tiago, que parece estar aqui relacionado entre os apóstolos
(versículo 19). Não viu, porém, nenhum dos outros apóstolos. Pode ser que eles
estivessem ausentes, ou ocupados demais, ou até mesmo com medo de Paulo (cf.
At 9:26).
Terceiro, ele passou apenas "quinze dias" em
Jerusalém. Naturalmente em quinze dias os apóstolos teriam tido tempo par
falar acerca de Cristo. Mas o que Paulo está destacando é que, quinze dias não
era tempo suficiente para ele absorver de Pedro todo o conselho de Deus. Além
disso, não fora este o propósito da visita. Lemos em At (9:28,29) que grande
parte daquelas duas semanas em Jerusalém foi ocupada em pregações.
Resumindo, a primeira visita de Paulo a Jerusalém deu-se apenas
depois de três anos, durou duas semanas, e ele viu apenas dois apóstolos.
Portanto, é ridículo sugerir que tenha recebido o seu evangelho dos apóstolos
em Jerusalém.
Álibi 3. Ele foi para a Síria e a Cilícia (vs. 20-24)
Esta visita ao extremo norte corresponde a At 9:30, onde lemos
que Paulo, estando em perigo de vida, foi levado pelos irmãos à Cesaréia, de
onde o enviaram para Tarso, que fica na Cilícia. Uma vez que ele diz que também
foi "para as regiões da Síria", ele deve ter visitado novamente
Damasco e Antioquia a caminho de Tarso. De qualquer maneira, o que Paulo está
destacando é que estava lá no extremo norte, e não em Jerusalém.
Um resultado disso é que ele "não era conhecido de vista
das igrejas da Judéia" (versículo 22). Estas o conheciam apenas de ouvir
falar, e o rumor que ouviam era que o seu perseguidor de outrora se tornara
pregador (versículo 23). Na verdade, ele se tornara pregador "da fé"
que havia aceitado e que anteriormente "procurava destruir". Sabendo
disto, "glorificavam a Deus a meu respeito". Eles não glorificavam a
Paulo, mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário
da graça de Deus.
Só catorze anos mais tarde (2:1), presumivelmente anos esses
após a sua conversão, Paulo tornou a visitar Jerusalém e teve um contato mais
demorado com os outros apóstolos. A essa altura dos acontecimentos, o seu
evangelho já estava totalmente desenvolvido. Mas durante o período de catorze
anos entre a sua conversão e esta entrevista ele fez apenas uma rápida e
insignificante visita a Jerusalém. O restante desse tempo ele passou na
distante Arábia, na Síria e na Cilícia. Seus álibis provam a independência do
seu evangelho.
O que Paulo diz nos versículos 13 a 24 pode ser resumido da
seguinte forma: o fanatismo de sua carreira antes da conversão, a iniciativa
divina na sua conversão e depois, o seu isolamento quase total dos líderes da
igreja de Jerusalém, tudo contribuía para provar que sua mensagem não era
humana, mas divina. Além disso, estas evidências históricas e circunstanciais
não poderiam ser contestadas. O apóstolo pode confirmar e garantir isso com
uma solene afirmação: "Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de
Deus testifico que não minto!" (versículo 20).
Concluindo, retornamos à afirmação que estes detalhes
autobiográficos procuraram estabelecer. Os versículos 11 e 12 dizem: Faço-vos,
porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o
homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante
revelação de Jesus Cristo. Tendo considerado a falta de contato de Paulo com os
apóstolos de Jerusalém durante os primeiros quatorze anos do seu apostolado,
podemos aceitar a origem divina de sua mensagem? Muitos não aceitam.
Há pessoas que, embora admirem o intelecto sólido de Paulo,
acham que seus ensinamentos são severos, áridos e complicados; por isso os
rejeitam.
Outros dizem que Paulo foi responsável pela corrupção do
Cristianismo simples de Jesus Cristo. Estava na moda, cerca de um século
atrás, estabelecer uma brecha entre Jesus e Paulo. Contudo, de um modo geral
reconhece-se atualmente que não se pode fazer isto, pois todas as sementes da
teologia de Paulo se encontram nos ensinamentos de Jesus. Não obstante, a
"teoria da brecha" ainda tem os seus advogados. Por exemplo,Lord
Beaverbrook escreveu uma pequena vida de Cristo que ele intitulou The Divine
Propagandist (O Propagandista Divino). Ele nos informa que a escreveu
"como um homem de negócios", e que estava "tentando entender
Jesus à luz trêmula de uma inteligência limitada e uma pesquisa certamente
restrita". "Eu vasculhei os evangelhos e ignorei a teologia",
ele diz. Seu tema é que a igreja tem entendido mal e representado mal a Jesus
Cristo. Quanto ao apóstolo Paulo, a opinião de Lord Beaverbrook é que ele foi
"incapaz, por natureza, de entender o espírito do Mestre". Ele
"prejudicou o Cristianismo e deixou suas marcas, eliminando muitos dos
traços das pegadas do seu Mestre". Mas Paulo não pode ter representado
mal a Cristo se estava transmitindo uma revelação especial de Cristo, que é o
que ele declara em Gálatas 1.
Outras pessoas acham que Paulo era um homem comum, que
participava de nossas paixões e nossa falibilidade, de modo que a sua opinião
não é melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas Paulo diz que a sua
mensagem não é segundo os homens, mas vem de Jesus Cristo.
Outros, ainda, dizem que Paulo simplesmente refletiu a opinião
da comunidade cristã do primeiro século. Nesta passagem, porém, Paulo se
esforça para mostrar que a sua autoridade não era eclesiástica. Ele foi
totalmente independente dos líderes da igreja, e recebeu seus pontos de vista
de Cristo, e não da igreja.
Este, portanto, é o nosso dilema. Vamos aceitar as palavras de
Paulo quanto à origem de sua mensagem, apoiadas como estão por sólidas
evidências históricas? Ou será que vamos preferir nossa própria teoria, embora
não tenha o apoio de qualquer evidência histórica? Se Paulo está certo ao dizer
que o seu evangelho não veio de homens, mas de Deus (cf. Rm 1:1), então
rejeitar Paulo é rejeitar a Deus.
Fonte http://www.ebdareiabranca.com/EpistolaGalatas/EGalatasLicao04Ajuda1.htm
Sabe-se muito mais acerca de Paulo do que acerca de qualquer
outro personagem apostólico. Nosso conhecimento sobre esse apóstolo e a sua
carreira é praticamente tudo quanto se sabe acerca do desenvolvimento do
cristianismo, durante aqueles dias. Fora de suas próprias epístolas e do livro
de Atos dos Apóstolos, no N.T., temos apenas uma referência adicional a ele, a
saber, em II Pe 3:15, onde se lê: «...o nosso amado irmão Paulo...» A fonte
primária de informação, portanto, é o livro de Atos; a fonte secundária de
informação são as suas epístolas e as alusões incidentais que ele faz a si
mesmo e às suas viagens. Entretanto, alguns têm ensinado que apesar de
fornecerem menos informações sobre ele, as epístolas são mais valiosas para o
estabelecimento da cronologia — pelo menos uma cronologia que é mais extensa e
que inclui os últimos poucos anos de sua vida, acerca dos quais o livro de Atos
nada nos diz. Isso incluiria o seu período de liberdade entre os dois
encarceramentos a que foi sujeito em Roma, e seu martírio final.
Fora do N.T. há algum material informativo, mas normalmente esse
não é reputado como digno de muita confiança. Por exemplo, temos o livro
apócrifo «Atos de Paulo», que só foi escrito na segunda metade do século II
D.C. Essa obra contém alguns incidentes e viagens de Paulo que não se encontram
nas páginas do N.T., mas parecem ser quase totalmente lendários. A arqueologia
em nada tem podido contribuir para comprovar esse material e atualmente não há
modo como afirmarmos a validade de qualquer informação adicional, sobre a vida
de Paulo, contida nesse livro apócrifo. Há muitas declarações sobre Paulo nos
escritos dos pais da igreja, mas quase todos esses se derivam, de algum modo,
do livro de Atos ou das epístolas de Paulo, e outra parte se deve,
provavelmente, ao material legendário que foi se avolumando em torno da pessoa
de Paulo. A comunidade cristã, em sua maior parte, compunha-se de pessoas
vindas das classes humildes, pelo que também os historiadores antigos ignoraram-na
quase completamente; e é por esse motivo que temos tão escassa informação
acerca do desenvolvimento inicial do cristianismo, nos escritos desses autores
seculares. A arqueologia nos fornece alguma informação sobre os muitos lugares
que foram visitados por Paulo, bem como acerca de sua cidade natal, Tarso;
porém, excetuando-se as influências culturais que tais localidades devem ter
exercido sobre Paulo, não se pode extrair, dessas informações, qualquer
elemento adicional sobre a pessoa do próprio Paulo. Por conseguinte, resta-nos
analisar o livro de Atos dos Apóstolos e as epístolas paulinas; e toda outra
informação deve ser aceita apenas experimentalmente.
2. Passado
Neste ponto, estamos mais limitados do que acerca dos anos
posteriores de Paulo. Do nascimento de Paulo até o seu aparecimento em
Jerusalém, como perseguidor dos crentes, temos apenas informações muito
esparsas.Sabemos que ele nasceu em Tarso, «cidade não insignificante» (ver At
21:39), descrição essa que tem sido confirmada pelas escavações arqueológicas
de Sir William Ramsay. Naquele tempo Tarso (na Cilícia) foi incorporada à
província da Síria. Tarso, por essa época, já tinha história antiga, e fora cidade
importante por muitos séculos antes da era cristã. Tarso chegou a ser a cidade
mais importante da Cilícia. Essa cidade se tornou uma região de síntese entre o
Oriente e o Ocidente, entre a cultura grega, a cultura oriental e, finalmente,
a cultura romana. Também se sabe que era um centro cultural, e que ali era
muito forte a variedade do estoicismo romano.
Paulo nasceu como cidadão romano, provavelmente porque o seu
pai também já era cidadão romano. Ao nascer, o menino recebeu o nome de Saulo,
provavelmente devido ao rei Saul, mas é provável que também fosse chamado Paulo
como cognome latino. Paulo significa pequeno e isso pode ter-se dado devido ao
fato de que seus pais o chamavam de «pequerrucho»; mas também é possível que
ele tenha recebido o nome de Paulo, simplesmente por ter som semelhante ao nome
de «Saulo». Também é possível que o apóstolo tivesse um nome romano; mas, nesse
caso, não deve tê-lo usado com frequência, porquanto não temos nenhuma
informação sobre qual seria esse nome. A alteração posterior de seu nome, de
Saulo para Paulo, mui provavelmente foi apenas a adoção de seu apelido como
nome próprio. Não se sabe qual o ano de seu nascimento; porém, quando do
apedrejamento de Estêvão (que ocorreu em cerca de 32 D.C), lemos que Saulo era
um jovem. É razoável supor, por conseguinte, que ele tenha nascido na primeira
década do século I D.C., sendo, assim, um contemporâneo mais jovem de Jesus,
embora não haja qualquer evidência de que ele tenha visto alguma vez ao Senhor.
E não é mesmo provável que o tenha visto, pois Paulo jamais se refere ao fato.
As passagens de I Co 2:3 e II Co 10:10 indicam que a aparência
física de Paulo não era impressionante, e a descrição que há sobre ele, no
livro apócrifo Atos de Paulo e Tecla, concorda com esse ponto de vista: «E ele
viu Paulo que se aproximava, um homem de baixa estatura, quase calvo, pernas
tortas, de corpo volumoso, sobrancelhas unidas, um nariz um tanto adunco, cheio
de graça: pois algumas vezes parecia um homem, e outras vezes tinha a fisionomia
de um anjo».
Os genitores de Paulo eram judeus muito religiosos, pertencentes
à seita dos fariseus, ou, pelo menos, fortemente influenciados por esse grupo;
e pertenciam à tribo de Benjamim. Nada se sabe acerca da ocupação do pai de
Paulo, e nem mesmo sabemos —qual era o seu nome. Jerônimo cita uma tradição que
assevera que a família de Paulo viera originalmente da Galiléia, e que dali
migrara para Tarso. Se essa tradição expressa averdade, então o fato de que
eram cidadãos romanos mostra que essa imigração tivera lugar em tempo
considerável antes do nascimento de Paulo. De conformidade com o livro de Atos,
Paulo tinha uma irmã que vivia em Jerusalém (ver At 23:16), mas não há menção
de qualquer irmão. O próprio Paulo aprendera uma profissão, provavelmente em
Tarso, a de fabricante de tendas (ver At 18:3), posto que era costume entre os
judeus ensinar aos filhos alguma profissão. Não é improvável, pois, que o seu
pai também tivesse sido fabricante de tendas, o qual teria ensinado essa arte
ao seu filho. Paulo foi instruído no judaísmo estrito, e os seus principais
interesses se centralizaram nas questões religiosas, éticas e metafísicas.
Alguns acreditam que ele era bem instruído na cultura, na estética e na
filosofia grega e romana (à base de textos como At 17). Mas outros,
alicerçando-se em At 22:3 e 26:4, procuram mostrar que a permanência de Paulo
em Tarso, quando menino, deve ter sido muito breve, porquanto ele mesmo diz que
se criara em Jerusalém. Quanto a esses detalhes não podemos ter certeza, mas o
exame detido das epístolas de Paulo mostra que ele deve ter estudado a
filosofia estóica (por causa da grande similaridade aos escritos de Sêneca, o
estóico romano); e o seu grego é uma excelente variedade do grego helenista,
não dando evidências de ter sido uma linguagem «adquirida». Em Jerusalém, Paulo
estudou sob orientação do grande Rabban Gamaliel, o Velho, que era altamente
respeitado como mestre.
As Palavras de Paulo, em Gl 1:14, mostram-nos que ele era
indivíduo intensamente religioso desde a juventude, tendo-se destacado nessas
questões acima dos outros jovens de sua idade. Frequentava regularmente a
sinagoga, e é muito provável que geralmente tomasse parte na adoração. Mais
tarde seguiu sua tradição farisaica, tornando-se membro dessa seita. Sendo
indivíduo religioso tão intenso, tinha alta consideração pelas Escrituras, e a
sua conversão não alterou a sua atitude, embora talvez ele tenha compreendido
que algumas passagens eram alegóricas e outras literais, conforme se vê em I Co
10:1-11 e Gl 4:22-31. Apesar dele reconhecer esse fato, as suas epístolas
demonstram a influência de outros treinamentos. Os filósofos estóicos e cínicos
de Tarso eram, geralmente, evangélicos em suas abordagens, porquanto, —
pregavam nas esquinas das ruas, nos mercados e em outros lugares públicos. Por
essa causa, Paulo deve tê-los conhecido; e mui provavelmente também estudou em
suas escolas.
Sabemos mais acerca do apóstolo Paulo do que sobre qualquer
outra das personagens apostólicas. No N.T., as nossas fontes informativas a seu
respeito são o livro de Atos e as suas próprias epístolas. Fora disso só há
mais uma alusão a ele, em II Pe 3:15, onde ele é chamado de nosso amado irmão.
A arqueologia nos fornece muitas informações quanto aos locais
visitados por Paulo, embora não sobre a sua pessoa. Nossos conhecimentos sobre
os primeiros anos de sua vida são escassos. Desde o seu nascimento até o seu
aparecimento, em Jerusalém, como perseguidor dos cristãos, possuímos
informações meramente esparsas, parte das quais não passa de conjectura.
Sabemos, contudo, que ele nasceu em Tarso, «...cidade não insignificante da
Cilícia...» (At 21:39), descrição essa que as escavações arqueológicas de Sir
William Ramsayconfirmaram amplamente. Tarso da Cilícia foi incorporada à
província da Síria e tivera história importante durante um período de muitos
séculos. Era a principal cidade da Cilícia e como que sua região sintetizava o
Oriente e o Ocidente, isto é, as culturas grega e oriental, incluindo, por
igual modo, por fim, a cultura romana que representava o verdadeiro helenismo.
Era centro da filosofia estóica da variedade romana, onde os filósofos pregavam
as suas doutrinas nos mercados e nas praças públicas, mais ou menos como os
missionários de Cristo têm feito tradicionalmente. As epístolas de Paulo, em
suas ilustrações e em algumas de suas ideias básicas, por isso mesmo, refletem
o que há de melhor no estoicismo. É ponto muito bem conhecido e amplamente
discutido que Paulo deixa transparecer muito da mesma erudição refletida por Sêneca,
o importante filósofo estóico romano, que foi igualmente martirizado por Nero,
à semelhança de Paulo.
O Treinamento de Saulo, quanto à sabedoria profana, mui
provavelmente incluiu a educação filosófica normal, a retórica e a matemática,
sem falarmos em seus estudos sobre a religião judaica (ver At 22:3; 26:4 e
diversas referências, em suas epístolas, a questões como coroas, jogos
atléticos, lutas, etc, o que também servia de principais ilustrações entre os
filósofos estóicos para ilustrar os princípios éticos). O fato é que o grego
utilizado por Paulo, em suas epístolas, é uma excelente variedade do grego
literário «koiné», o que nos mostra quão bem alicerçada fora a sua educação na
linguagem, além de ficar demonstrado o fato de que ele falava o grego como seu
idioma nativo, provavelmente do mesmo modo que o hebraico (isto é, o aramaico).
Não se há de duvidar que esse apóstolo também conhecia o latim, e, antes do fim
de suas viagens missionárias, já teria aprendido mais um idioma ou dois.
O Testemunho Pessoal de Paulo, em Gl 1:14, mostra que ele era
indivíduo intensamente religioso, desde a juventude. Costumava frequentar
regularmente as sinagogas judaicas, antes de sua conversão e quando já atingira
idade suficiente, tornou-se seguidor fiel do farisaísmo. Esse versículo também
indica que, mui provavelmente, ele era o jovem que mais se destacava em
Jerusalém, sendo grande a sua fama como homem de grande zelo religioso. Sabemos
também que ele estudou com o famosíssimo rabino fariseu, Gamaliel (ver At5:34 e
22:3). A erudição maior de Paulo fora adquirida em Jerusalém, naquela escola de
fariseus, o que também contribui com algo para explicar o caráter geral de sua
vida e de suas crenças, alicerçadas firmemente no judaísmo tradicional.
Conversão de Saulo. Intensa discussão se tem centralizado em
redor das razões psicológicas por detrás de sua conversão a Cristo. Saulo se
tornara um intenso perseguidor de cristãos, tendo chegado ao assassínio, não
poupando nem as mulheres. — E, no entanto, repentinamente, tornou-se igualmente
zeloso defensor e propagador do evangelho de Cristo. Que ocorrência teria sido
suficientemente drástica e decisiva para produzir tão notável modificação em
suas atitudes? As respostas dadas por certos indivíduos são repugnantes para a fé
e a sensibilidade cristãs. Porquanto alguns querem fazer-nos crer que Paulo era
um esquizofrênico, ou que de outra maneira sofrerá um desequilíbrio mental
qualquer, e que teriam sido essas aberrações mentais que criaram as condições
necessárias para suas experiências místicas. No entanto, não nos devemos
admirar ante essa opinião adversa sobre Paulo, porque até mesmo pessoas
moderadamente dotadas de dons psíquicos são consideradas um tanto estranhas.
Quanto mais poderosos são esses dons e quanto mais elas reivindicam possuir
experiências místicas, mais são consideradas fracas da cabeça. Todavia, a
verdade é que tais pessoas geralmente não são subnormais, e sim, supranormais.
Por isso mesmo é que santos e homens piedosos, bem como os operadores de milagres,
geralmente servem de escândalo para o mundo. Isso continuará nesse pé, até que
o mundo seja suficientemente espiritualizado para compreender (se é que isso
algum dia se tornará realidade) que assim deve ser a «normalidade» para a
humanidade, embora, normalmente, os homens não passem de feras um pouco mais
inteligentes do que os animais irracionais.
Outros críticos supõem que o senso de culpa, reprimido durante
anos, em face de suas perseguições e assassínios contra os cristãos, teria
subitamente explodido em experiências pseudomísticas, o que resultou em vir a
ser ele justamente o contrário do que vinha sendo, ou seja, a sua conversão.
Assim sendo, ainda segundo esse ponto de vista, a experiência de Saulo poderia
ter sido meramente «psicológica», e não verdadeiramente mística. Ora, nesse
caso, Lucas, o autor do livro de Atos, teria exagerado em suas narrativas,
adornando com um colorido mais vivo a realidade da vida de Paulo.
É perfeitamente possível, entretanto, que o próprio Paulo
soubesse muito bem que aquilo que lhe ocorrera era uma experiência mística da
mais elevada ordem, ou seja, um encontro pessoal com o próprio Senhor Jesus.
Nada existe no campo do bom senso ou da experiência religiosa sã que contradiga
tal coisa. De fato, a maioria das doutrinas e das práticas religiosas,
originalmente, se alicerçam em alguma forma de experiência mística. Os modernos
estudos da parapsicologia tendem a confirmar a realidade das experiências
místicas válidas, embora algumas dessas experiências, como é normal, não passem
de ilusões psicológicas. O fato de que a personalidade de Paulo foi
transformada tão radical e permanentemente é um ponto positivo em favor da
validade de sua experiência e em prol da realidade de sua origem, porquanto o
Senhor Jesus está vivo, e não se há de duvidar que teve contatos pessoais, após
a sua morte, ressurreição e ascensão aos céus, com Paulo, desde o momento de
sua conversão, na estrada de Damasco.
A história da conversão de Saulo de Tarso é narrada em três
lugares do livro de Atos (ver At 9:3-19; 22:6-21 e26:12-18), havendo algumas
variações quanto às minúcias, o que nenhuma pessoa sensata pode negar, ante a
simples leitura dessas passagens. É possível que o próprio Paulo, ao narrar a
história, inconscientemente tenha variado um tanto o seu conteúdo. No entanto,
muitos eruditos, até mesmo da escola liberal, concordam que há uma harmonia
essencial entre essas várias narrativas bíblicas, além de certas coincidências
verbais que confirmam o fato de que há uma fonte informativa única para todas
elas. Dessa maneira, essas narrativas são interdependentes entre si, e não
narrativas independentes umas das outras. As histórias narradas por Lucas, mui
provavelmente, — se basearam em narrativas pessoais, apresentadas pelo próprio
Paulo. A história nos mostra que Lucas foi quase constante companheiro de
viagens daquele apóstolo, em suas jornadas missionárias. Os sentimentos de
temor, a luz brilhante, a purificação psicológica, a sua renovação, a sua
conversão, são todos sinais de uma experiência mística genuína; e são
exatamente esses os elementos que reaparecem em todas as narrativas sobre o
evento da conversão de Saulo. Em sua vida posterior, Paulo recebeu outras
grandes e importantes visões, e a sua doutrina repousa essencialmente sobre
essas diversas revelações. Por que pensarmos ser estranho que Deus se revele a,
alguém? De fato, o cristianismo, como revelação distintiva de Deus, se alicerça
em tais revelações, sobretudo sobre as revelações outorgadas ao apóstolo Paulo,
porquanto nelas é que encontramos as grandes distinções que separam o
cristianismo do judaísmo.
A condição original para alguém entrar no apostolado, entre
outras, era que o candidato tivesse visto ao Senhor (ver At 1:21). Ora, essa
exigência teve cumprimento na experiência de Saulo. Quando já apóstolo,
refere-se Paulo por quatro vezes, em suas epístolas, à sua experiência de
conversão; essas passagens mostram que ele estava convicto da realidade
objetiva da mesma, considerando-a como equivalente a «ver» a Cristo, o que o
qualificava ao ofício apostólico (ver Gl 1:15,16; I Co 9:1; 15:8 e II Co 4:6).
Paulo não estabeleceu distinção alguma entre essa forma de ver e aquelas que os
demais apóstolos experimentaram, antes da ascensão de Cristo, porquanto todas
essas aparições foram do «Senhor ressurrecto».
As duas grandes pedras fundamentais, que servem de
características distintivas do cristianismo, são a ressurreição do Senhor Jesus
e a conversão de Saulo, bem como as proposições que se seguem, coerentemente,
desses dois fatos históricos.
Naturalmente, essa não foi a única experiência mística de Paulo,
pois ele também menciona algumas outras (tal como a visita ao terceiro céu, em
II Co 12). Parece que ele recebeu nada menos que sete grandes visões e a sua
doutrina repousa sobre a informação transmitida por meio delas. O cristianismo
repousa sobre o aparecimento do Cristo ressurrecto aos vários apóstolos e sobre
a mensagem que ele lhes trouxe quando voltou dentre os mortos. Se esse
fundamento for removido, restar-nos-á um judaísmo reformado (que também repousa
em experiências místicas, como as de Moisés). Removendo-se essas formas de
experiência, quando muito, nos restará uma forma de filosofia religiosa, e não
a religião revelada que certamente o cristianismo é. Mas, por que se pensaria
ser impossível que Deus se revelasse aos homens? E por que se pensaria ser
impossível, neste mundo admirável, que Jesus, o Cristo, um personagem
metafísico altamente exaltado não pudesse revelar-se aos homens?
A conversão de Paulo talvez tenha ocorrido por volta de 35 D.C.
Após sua conversão, Paulo passou algunspoucos dias com os discípulos de
Damasco. Pregou ali, por algumas vezes, ensinando, particularmente, que Jesus
era o Messias. Depois disso, retirou-se para a Arábia, possivelmente para a
região de Haurã, uma bacia fértil, que fica cerca de oitenta quilômetros ao sul
da cidade de Damasco, diretamente a leste do extremo sul do mar da Galiléia.
Outros creem que a área aludida era o país dos nabateus e a península do Sinai.
Aquele era mais acessível para quem partisse de Damasco, mas este último lugar
revestia-se de grande significação religiosa, por causa de sua conexão com a
transmissão da lei, sendo possível que Paulo tivesse preferido essa atmosfera.
Passou algum tempo em seu retiro, e dali, como é provável, esteve por diversas
vezes em Damasco e voltou. A sua mensagem era essencialmente a mesma — desde o
princípio — mas por essa altura, Paulo«...mais e mais se fortalecia e confundia
os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo» (At 9:22).
Pouco depois disso, Paulo visitou Jerusalém pela primeira vez,
após a sua conversão, tendo ficado com Pedro por quinze dias, para consulta e
consolo mútuo (ver Gl 1:18). Dali partiu para as regiões da Síria e da Cilícia
(ver Gl1:21). É provável que teria visitado sua cidade natal — Tarso, tendo
permanecido naquela região por algum tempo, embora não tenhamos qualquer
informação acerca disso. Enquanto Paulo pregava em Tarso, Barnabé e outros
líderes cristãos se encontravam em Antioquia, onde se ia desenvolvendo uma
poderosa comunidade cristã. A passagem de At 11:25 nos diz que Barnabé foi a
Tarso, à procura de Paulo, sem dúvida para obter a sua ajuda na igreja em
Antioquia, que precisava de uma liderança maior e mais forte. Isso foi um
movimento provocado pela providência divina, pois armou o palco para a longa
carreira de Paulo como apóstolo-missionário.
3. Primeira Viagem Missionária
Em cerca de 46 D.C., Paulo e Barnabé foram comissionados pela
igreja em Antioquia a se atirarem numa excursão evangelística. Essa viagem
fê-los atravessar a ilha de Chipre (onde Barnabé nascera), tendo passado pelo
«sul da Galácia» (ver At 13 e 14). Na companhia de Paulo e Barnabé ia também
João Marcos, autor do chamado evangelho de Marcos. Este era primo de Barnabé.
Ao chegarem a Perge, capital da Panfília, por razões para nós desconhecidas,
Marcos preferiu interromper a expedição e regressou a Jerusalém, sua terra.
Talvez Marcos não estivesse disposto a dar prosseguimento a uma viagem tão
difícil. — Paulo ressentiu a sua partida, julgando-a como ato de deserção, e
mais tarde não consentiu que ele o acompanhasse em outra excursão missionária
(ver At 15:38). Isso tornou-se motivo de acirrado debate entre Paulo e Barnabé,
pois também eram humanos e também estavam sujeitos a errar. De Perge viajaram a
Pisídia, um distrito em uma ilha, onde realmente teve começo a evangelização da
Ásia Menor. Em Antioquia da Pisídia, em um dia de sábado, os dois missionários
expuseram a sua importante mensagem messiânica, e foram bem acolhidos. No
sábado seguinte, entretanto, já fora criada uma amarga oposição por parte de
alguns judeus radicais. E os missionários cristãos foram obrigados a abandonar
a cidade.
Dali partiram para Icônio, importante cidade Comercial da
Licaônia. Seguindo seu costume original, pregaram na sinagoga dos judeus, e
obviamente tiveram êxito, pois ficaram ali por tempo considerável. Mas eis que
os radicais novamente provocaram um levante, que forçou Paulo e Barnabé a
fugirem, finalmente. Dali forampara Listra e Derbe, nenhuma das quais era
considerada cidade de grande importância. Essas cidades ficavam localizadas na
parte oriental da Licaônia. As superstições locais levaram as multidões a
identificarem os missionários com Zeus (Barnabé) e com Hermes (Paulo). Um culto
improvisado na hora, por alguns sacerdotes locais, em honra aos dois «deuses»,
teve de ser interrompido pelos missionários, porque sabiam que tal título não
era merecido. Mas não demorou que os judeus radicais atacassem novamente, e em
Listra (At 14) Paulo foi apedrejado.
Alguns intérpretes acreditam que foi nessa ocasião que Paulo
teve a sua visão do terceiro céu (II Co 12), e que ele realmente esteve morto,
mas reviveu. É possível que sua alma tenha sido momentaneamente liberta de seu
corpo dormente e à beira da morte, o que algumas vezes ocorre, conforme também
se tem aprendido em estudos parapsicológicos. O certo é que os enviados, tendo
partido de Listra, foram pregar em Derbe. Começaram a voltar desse ponto, a fim
de confirmarem na fé os novos convertidos, e assim passaram sucessivamente por
Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia. Oficiais foram eleitos para as
congregações. — Dali, eles partiram para Perge, e, finalmente, para Atalia, —
importante porto marítimo da Panfília. Ali chegando, embarcaram em um navio a
fim de irem para Antioquia da Síria, de onde tinham partido dois anos antes.
Essa primeira viagem os levara às áreas de Chipre, Panfília, Pisídia e Licaônia
e nesses lugares novas igrejas cristãs foram estabelecidas.
4. O Concilio Apostólico
O grande influxo de gentios na Igreja cristã que se ia formando,
criava grandes problemas entre os elementos judaicos, especialmente no tocante
às experiências da lei mosaica, e particularmente no que dizia respeito à lei
cerimonial e à questão da circuncisão. A fim de dar solução a esses problemas e
com o fito de fornecer uma resposta universal e autoritária às mesmas, Paulo e
Barnabé subiram a Jerusalém, a fim de conferenciarem ali com os apóstolos (ver
At 15). Corria o ano de 49 D.C., calculadamente. O concilio determinou que os
gentios não eram obrigados a cumprir as exigências da lei, e que não deveria
haver maior «carga» do que se absterem de alimentos oferecidos a ídolos, do
sangue, da carne de animais sufocados e da falta de castidade, isto é, de todas
as formas de pecados sexuais. As restrições visavam uma aplicação
essencialmente local, e não como padrão universal para todos os gentios, embora
talvez tenham servido de precedentes para a solução de problemas que surgissem
posteriormente. Tudo foi feito (isto é, as decisões de proibir certas coisas,
esboçadas na lei cerimonial) a fim de ajudar os membros judeus e gentios da
igreja a se darem bem uns com os outros com mais facilidade.
5. Segunda Viagem Missionária
Paulo, então já dono de maior experiência em viagens
missionárias, ansiava por partir novamente. Mas, devido às divergências com
Barnabé, por causa de João Marcos, dessa vez Paulo preferiu levar a Silas (ver
At 15:40 — 18:22). Partindo de Antioquia, seguiram por terra para as igrejas do
«sul da Galácia», e em Listra o grupo foi engrossado com a adesão do jovem
Timóteo. Ali chegando, o Espírito Santo desviou-os da direção ocidental, e
passaram a viajar na direção norte, atravessando o norte da Galácia. Em Trôade,
uma visão indicou que a Macedônia (no continente europeu) era um dos alvos
dessa viagem. Assim sendo, começou a evangelização da Grécia. Foram visitadas
as cidades de Filipos, Tessalônica e Beréia. Na Acaia (sul da Grécia), foram
visitadas as cidades de Atenas e Corinto. Paulo demorou-se em Corinto por quase
dois anos. Em Trôade, Lucas se reunira ao grupo missionário, e parece certo que
nesse tempo começou ele a escrever a sua importantíssima narrativa da igreja
primitiva, chamada de Atos dos Apóstolos, obra da qual se obtém quase todo o
conhecimento de que dispomos acerca de Paulo e suas viagens, bem como do
desenvolvimento da igreja primitiva em geral.
Durante as suas viagens, Paulo se mantinha em contato com as
congregações cristãs anteriormente organizadas por meio de epístolas, certo
número das quais têm chegado até nós, tendo-se tornado parte de nosso N.T. As
epístolas de I e II Tessalonicenses devem ter sido escritas nesse tempo. De
Corinto, Paulo partiu para Éfeso, onde ficou durante pouco tempo. Dali, em
viagem apressada, passou por Jerusalém e chegou a Antioquia da Síria. Dessa
maneira se encerrou a sua segunda viagem missionária. Essa segunda viagem
missionária evidentemente ocupou de ano e meio a dois anos, e provavelmente
terminou em cerca de 51 D.C. Depois disso Paulo passou mais algum tempo
(quanto, exatamente, não sabemos), em Antioquia da Síria.
6. Terceira Viagem Missionária
Foi a época do ministério em volta do mar Egeu (ver At 18:23 —
20:38). Sob diversos aspectos, esse foi o período mais importante da vida de
Paulo. A província da Ásia foi evangelizada, e postos avançados do cristianismo
foram lançados na Grécia. Durante esses anos, Paulo escreveu I e II Coríntios,
Romanos, e talvez (ainda que não todas) algumas das chamadas epístolas da
prisão — I e II Timóteo e Tito. De Antioquia, Paulo partiu para Éfeso. Ali
passou cerca de três anos, tendo estabelecido um dos centros mais importantes
do cristianismo, a despeito da feroz oposição, movida tanto pelos judeus como
pelos aderentes da adoração à deusa Ártemisa (Diana). Desse ponto,
provavelmente, Paulo visitou diversas outras áreas ao redor, mas seu trabalho
principal se concentrou em Éfeso. Também tornou a visitar as congregações
cristãs ao redor do mar Egeu, que haviam sido anteriormente fundadas.
Atravessando Trôade, Paulo chegou à Macedônia, onde escreveu a epístola chamada
II Coríntios, e dali partiu para Corinto. Nessa cidade ele passou o inverno e
escreveu a epístola aos Romanos, antes de continuar viagem até Mileto, um porto
próximo de Éfeso.
Por essa altura, Paulo desejou subir a Jerusalém, a fim de levar
auxílios aos crentes pobres dali (empobrecidos pela perseguição e pela fome),
enviados pelos crentes gentílicos. A princípio ele queria ir à Síria por via
marítima, mas, devido a uma armadilha que lhe fizeram para tirar-lhe a vida,
preferiu viajar por terra, tendo atravessado a Macedônia. Dali, ele e seus
companheiros de viagem tomaram um navio e velejaram ao longo das costas
ocidentais da Ásia Menor. Breves paradas foram efetuadas em diversos lugares,
incluindo Mileto, cidade portuária de Éfeso, o que forneceu a Paulo a
oportunidade de se despedir finalmente, dos crentes que ali habitavam.
Finalmente, desembarcaram em Tiro, na costa da Síria. A despeito das várias
advertências sobre os perigos que ele teria de enfrentar em Jerusalém, Paulo
prosseguiu viagem. Paulo chegou em Jerusalém no Pentecoste, provavelmente em cerca
de 56 D.C. Sua terceira viagem missionária, por conseguinte, terminou após um
pouco mais de três anos de atividades.
7. Aprisionamento e Encarceramento em Roma
Paulo se movimentara com admirável liberdade, embora nunca o
tivesse feito sem teste, tribulação e perseguição. Jerusalém rejeitara muitos
homens piedosos, muitos profetas, e o próprio Jesus; e Paulo não estava
destinado a conseguir maior êxito ali. O trecho de At 21:17 — 28:16 conta a
história. Os judeus radicais, nessa ocasião, não tiveram de perseguir a Paulo,
mas ele caiu direto na armadilha que lhe armaram. — O mais estranho é que a
confusão foi provocada por alguns judeus que vinham da província da Ásia, que
por acaso estavam no templo e reconheceram Paulo; foram eles que agitaram as multidões
e fizeram-nas atacar o apóstolo. As autoridades romanas aprisionaram Paulo por
estar perturbando a ordem. A essa altura, Paulo fez um discurso na escadaria do
templo, contando com pormenores como ele fora perseguidor dos crentes, como ele
se convertera, e como pregara a Jesus como Messias de Israel. Paulo foi
ameaçado de açoites pelas autoridades romanas, mas, informando-as de que era
cidadão romano, o tribuno militar o soltou. Mas essa ação causou tal protesto,
por parte dos judeus que, para sua própria proteção, Paulo foi levado de volta
às barracas militares. Os judeus, ato contínuo, conspiraram em matá-lo, e por
isso Paulo foi removido para Cesaréia, com um grupo armado. Ali Paulo foi
conduzido à residência de Félix, procurador romano. Paulo foi guardado sob
sentinela, no palácio de Herodes. Aparentemente, esteve em Cesaréia pelo espaço
de dois anos, e alguns creem que ali ele escreveu a sua epístola aos
Colossenses, aos Efésios e a Filemom; mas uma data posterior para essas
epístolas é mais provável.
Após dois anos de administração malsucedida, Félix foi chamado
de volta a Roma, e Pórcio Festo tomou o seu lugar. Este era homem de caráter
amargo. (Isso aconteceu em cerca de 58 D.C.). Quando o novo procurador se
recusou a ouvir o caso de Paulo, em Jerusalém, os judeus desceram a Cesaréia, a
fim de acusarem a Paulo ali. Assacaram graves acusações contra ele, mas que
Paulo negou categoricamente. Foi então que Paulo apelou para César, que era
direito de todos os cidadãos romanos, e dessa maneira se criou o motivo de sua
viagem a Roma. Antes de partir para Roma, Paulo falou perante o rei Agripa II e
sua irmã, Berenice. Esse Herodes era o bisneto de Herodes, o Grande. Nessa
oportunidade, Paulo repetiu a história de sua conversão, e é óbvio
queimpressionou favoravelmente os que o ouviram.
Dali, viajando pelo mar, Paulo partiu para Roma, juntamente com
muitos outros prisioneiros. Fez diversas paradas ao longo do caminho, incluindo
uma permanência de três meses em Malta. Paulo chegou a Roma em 59 D.C, não como
homem livre, mas, não obstante, como poderosa testemunha do cristianismo.
Chegando a Roma, Paulo não foi tratado como prisioneiro no sentido ordinário, e
nem como criminoso. Ali ele desfrutou do que se denominava «libera custodia»,
isto é, podia viver em sua própria casa, desfrutando de muitos privilégios de
liberdade de ação, mas sempre acompanhado de um guarda. Paulo pregava àqueles
que o visitavam, explicando-lhes as razões de seu aprisionamento; e também
enviava epístolas a lugares distantes. Foi nesse período que, provavelmente,
foram escritas as epístolas aos Colossenses, a Filemom, aos Filipenses (e,
provavelmente, aos Efésios).
O livro de Atos dos Apóstolos encerra-se bruscamente, não como
um livro inacabado, e, sim, dando a ideia de que o autor tencionava escrever
outra seção ou livro a fim de suplementá-lo. Lucas escrevera um evangelho, e
então essa história, e não é de modo algum impossível que ele tivesse planejado
ainda um outro volume. De conformidade com a tradição cristã primitiva, Lucas
continuou sendo fiel auxiliar de Paulo até o martírio deste, e então deu
continuação ao seu ministério, no evangelho, por mais vinte anos (até 84 D.C),
até que, finalmente, faleceu em Beócia, na Grécia, com a idade de oitenta e
quatro anos. Se podemos confiar nessa tradição, ficamos completamente
atônitos, por não sabermos por que não foi completada a história de Paulo, em
um escrito subsequente, juntamente com outros importantes acontecimentos que
estariam ocorrendo na igreja, após o falecimento de Paulo.
8. Paulo, de Novo Livre, Vai à Espanha
Nenhum relato bíblico nos diz que Paulo foi libertado novamente
a fim de ministrar outra vez; mas existemalgumas evidências que dão essa
indicação. É possível que Paulo tenha sido libertado em cerca de 63 D.C, e que
tenha visitado tanto a Espanha como a área do mar Egeu, uma vez mais. A
epístola de Clemente (em vss. 5-7, 95 D.C), — o cânon muratoriano (170 D.C) e o
livro apócrifo Atos de Pedro (1:3 — 200 D.C.) falam de uma visita de Paulo à
Espanha. As epístolas pastorais, ou pelo menos II Timóteo, parecem envolver um
ministério posterior à história narrada no livro de Atos, desenvolvido no
Oriente, pelo que também parece que Paulo pôde cumprir o seu desejo de visitar
a Espanha, conforme expressou em Rm 15:24.
9. Segundo Encarceramento e Morte
Não se sabe quais as circunstâncias do segundo encarceramento de
Paulo, embora a tradição indique que ele foi aprisionado pela segunda vez,
levado de volta a Roma e lançado na prisão. Sabe-se que Nero odiava os cristãos
e que chegou mesmo a usar os seus jardins pessoais como local de torturas
cruéis, nos quais os cristãos eram obrigados a enfrentar animais ferozes. Essa
perseguição rebentou em cerca de 64 D.C. Provavelmente, Paulo foi aprisionado,
com muitos outros cristãos, em cerca de 64 D.C. Na qualidade de cidadão romano,
é provável que tenha sido julgado por um tribunal, mas, quais tenham sido as
acusações contra ele ou quais as condições do julgamento, não temos meios de
saber. Paulo sofreu o martírio em Roma, provavelmente no ano de 65 D.C. De
acordo com certa tradição, foi decapitado. É possível que nesse período final
de sua vidatenha sido escritas as chamadas epístolas pastorais — I e II
Timóteo, e Tito — e, igualmente, a epístola aos Efésios. Assim terminou a carreira
do maior e mais influente exponente do cristianismo em toda a sua história,
após ter combatido o bom combate, ter terminado a carreira e ter conservado a
fé. Não há que duvidar que oesperam as coroas prometidas (ver II Tm 4:7).
10. Cronologia da Vida de Paulo
I. Vida de Paulo antes do contato com os seguidores de Jesus
1. Provável nascimento e infância em Tarso
(judeu da dispersão) (At 22:3; Gl 1:21) 5 D.C.
2. Vida como judeu zeloso, da seita dos fariseus
(Gl 1:13,14; Fp 3:3-6; At 26:4,5) 20-26 D.C.
II. Vida como perseguidor dos seguidores de Jesus
(Gl 1:13; I Co 15:9; At 8:3; 9:1) 32 D.C.
III. Conversão de Paulo
(Gl 1:15; I Co 9:1; talvez II Co 12:1-4; At 9:1-19; 22:4-16;
26:9-18). Cerca de 35 D.C?
IV. Carreira de Paulo como apóstolo
1. Três anos na Arábia e em Damasco (e outras áreas)
(Gl 1:17) 32-39 D.C. Problema: Sobre o que ele meditava, ou
quais suas
atividades?
2. Quinze dias de visita a Jerusalém — Paulo viu a Pedro e a
Tiago, irmão de Jesus
(Gl 1:27).
3. Sua obra na Síria, Cilícia e Galácia, e talvez nas regiões
ocidentais — Macedônia e Grécia (14 anos)
(Gl 1:21) 35—93 D.C.
A. Escreveu a maioria de suas epístolas:
I e II Tessalonicenses (II Co 6:14 — 7:1)
B. Possível aprisionamento em Éfeso
Colossenses, Filipenses e Filemom
C. Visita a Jerusalém — Visita de conferência
(Gl 2:1; At 15) 49 D.C.
D. Volta à Ásia (província romana)
I e II Co 10 – 13
Período de crise com os cristãos judaizantes —
(Gálatas inteiro; II Co 10—13; Fp 3:2 - 4:7)
4. Solução da Crise
A. Termina a coleta para os pobres de Jerusalém 55 D.C.
(II Co 1—9 exceto 6:14-7:1 - I Co 16:1-4; II Co 9:1-15; Rm
15:14-32)
B. Planos de visitar a Espanha e Roma
(Rm 15:24,28) 56 D.C.
II Co 1-9; Romanos 16 (Pedro e Febe)
5. Viagem a Jerusalém, levando a oferta — Não há referências
diretas, exceto as que antecipam o evento. 57 D.C.
6. Aprisionamento em Roma — Conforme a tradição cristã (At 20).
59 D.C.
7. Novamente livre, talvez com um ministério na Espanha — cerca
de um ano. (Só tradição cristã, sem qualquer alusão bíblica).
8. Segundo aprisionamento e morte. (Só tradição cristã, sem
qualquer alusão bíblica). 65 D.C.
II. Significação de Paulo
1. As Escolas Criticas e Paulo
Albert Schweitzer (Paul and His Interpretefs, 1912) salientou o
fato de que com frequência as Escrituras têm sido usadas por pessoas comuns e
por intérpretes tão somente como uma mina de textos de prova, sem qualquer
consideração histórica ou exegética. Esses dizem que qualquer argumento pode
ser solucionado simplesmente abrindo-se a Bíblia em certa passagem que,
alegadamente, traz a resposta. Os opositores, em qualquer debate, pareciam
igualmente habilidosos em apelar para «textos de prova», empregando esse
método. O século XVIII testemunhou uma revolta contra tais princípios, pelos
pietistas e racionalistas, os quais, por razões diferentes entre si, procuravam
distinguir a exegese das conclusões providas pelas considerações dos credos e
pelo simples exame de «textos de prova»:
a. O trabalho de J.S. Semler (1725-91) e J.D. Michaelis. Esses
homens tentaram aplicar métodos de criticahistórica-literária às Escrituras,
tendo esboçado normas hermenêuticas, na esperança de mostrarem que o N.T. não
se desenvolveu em um vácuo, mas que se devem aplicar indagações históricas e
literárias, se quisermos entender apropriadamente a sua mensagem. A filologia
foi introduzida como parte da abordagem histórica na interpretação e na solução
dos problemas. À base desses estudos, mostrou-se que em I e II Coríntios temosuma
correspondência do apóstolo com os crentes em Corinto, e não meramente duas
epístolas, incluindo, talvez, um grupo de quatro epístolas, que, finalmente,
foram reunidas em duas divisões principais. E outras sugestões semelhantes
foram feitas, no tocante às epístolas de Paulo.
b. A escola de Tubingen. No século XIX, na Alemanha, surgiram
formas mais radicais de escolas críticas daBíbia. Obras de autores tais como
G.W. Bramiley (Biblical Criticism) e J.E. Schmidt, Schleiermacher e F.C.
Baur(de Tubingen), levantaram dúvidas sobre a autenticidade de I e II Timóteo e
de II Tessalonicenses, à base de considerações literárias, linguísticas e de
vocabulário. Baur só deixou intactos cinco dos vinte e sete livros do N.T.,
como testemunhos incontestáveis do período apostólico e escritos pelos próprios
apóstolos. — Ele tentou distinguir a verdadeira literatura apostólica mediante
o princípio interpretativo da «tendência». As duas grandes tendências que
teriam dado colorido à literatura apostólica eram o conflito entre Paulo (e o
cristianismo gentílico), de um lado, e o cristianismo judaico estrito e a
ameaça do gnosticismo, do outro; tendência, sob a qual teriam sido escritas as
chamadas epístolas gerais. De conformidade com essa teoria da «tendência», toda
literatura que tentasse reconciliar a controvérsia judaico-paulina, ou tentasse
reconciliar em parte o gnosticismo, foi classificada como não-apostólica, e
isso extirpava a maior parte dos livros existentes do N.T., tornando-os não
apostólicos. Baur também ensinava que Paulo foi o helenizador do cristianismo.
Em resultado disso, essa escola convenceu a bem poucos, além de
a si mesma. Não é lógico supormos que um homem só, e em tão pouco tempo,
pudesse ter helenizado o cristianismo (e assim tivesse alterado seu caráter
original). Também é verdade que esse elemento helenístico, apesar de presente,
tem sido altamente exagerado; e Paulo, sendo judeu criado em Jerusalém e ali
criado como fariseu, certamente não foi quem helenizara a si mesmo. A citação
de Paulo, feita em I Clemente (95 D.C.) e nos escritos de Inácio (110 D.C),
onde não se vê qualquer reflexo de um suposto conflito entre Paulo e uma
tendência judaizante, nesse período, são argumentos fatais às teorias da Escola
de Tubingen. Baur ficou na mira de vários conservadores, principalmente
J.C.K.Hofman e os seguidores de Schleiermacher. Mas o golpe mais devastador foi
dado por um ex-discípulo de Baur, A. Ritschl, o qual abandonou a ideia da
alegada hostilidade entre Paulo e os discípulos originais de Cristo. Ele salientou
a unidade dos discípulos e a unidade essencial da mensagem cristã. Os
discípulos posteriores dessa escola de Tubingen começaram a aceitar como
paulinas quase todas as epístolas atribuídas a Paulo (exceto II
Tessalonicenses, as epístolas pastorais e Efésios, cuja aceitação, em muitos
lugares, não era mais considerada essencial à ortodoxia).
As controvérsias sobre a autoria revolvem em torno de Efésios,
Colossenses e as epístolas pastorais, sobretudo essas últimas; e as discussões
podem ser vistas in loc. Os «clássicos paulinos» (que poucos duvidam ser de
autoria paulina) são Romanos, Gálatas, I e II Coríntios. A essas quatro, outras
cinco são adicionadas pela maioria dos estudiosos, com pouca hesitação, a
saber, I e II Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses eFilemom.
Somos forçados a reconhecer, entretanto, que algum bem surgiu
dessa controvérsia, pois os intérpretes foram alertados para a necessidade de
levar-se em conta as considerações históricas e literárias, para que se faça
bom juízo do N.T. Baur trouxe à luz uma abordagem indutiva histórica ao
cristianismo primitivo, e libertou as pesquisas da ideia de que nada havia a
ser aprendido, posto que todas as conclusões já haviam sido formadas.
c. Os eruditos britânicos e norte-americanos examinaram a
reconstrução apresentada por Baur, mas, namaioria dos casos, não se deixaram
persuadir. O conjunto de escritos paulinos (com exceção de Hebreus, que poucos
eruditos têm atribuído a Paulo, porquanto o próprio livro não reivindica tal
autoria) permaneceu de pé. Sólida exegese histórica saiu da pena de Lightfoot e
de Ramsay. Este último só escreveu após intensa pesquisa arqueológica. Tais
autores confirmaram a autoria lucana do livro de Atos; e isso aumentou a
credibilidade e esclareceu a cronologia desse livro, no que se relaciona a
Paulo.
d. Outros eruditos têm produzido teorias sobre o conjunto
paulino de escritos. E. J. Goodspeed conjecturou que em cerca de 90 D.C, algum
admirador de Paulo (talvez Onésimo, conforme J. Knox sugeriu mais tarde) tenha
publicado as epístolas de Paulo, tendo escrito pessoalmente a epístola aos
Efésios como epístola generalizadora ou como tratado introdutório.
De conformidade com a tradição, Onésimo, ex-escravo, finalmente,
veio a tornar-se superintendente da igreja de Éfeso, pelo que estaria em
posição de fazer isso. Toda essa ideia, todavia, se esvai em fumaça, quando
consideramos que nada há, na própria epístola aos Efésios, que indique que ela
tenha encabeçado ou terminado um conjunto de epístolas paulinas; e nem se pode
provar que essa epístola contenha um sumário não escrito por Paulo acerca do
pensamento desse apóstolo.
e. A crítica literária do século atual tem procurado discutir e
desenvolver os seguintes temas:
a. Esforço contínuo para obter uma construção histórica geral
das epístolas de Paulo e de seu pensamento,
b. Determinação exata de quais epístolas Paulo teria escrito ou
não.
c. Determinação da origem e das datas das epístolas pastorais,
que alguns supõem terem sido escritas por algum discípulo de Paulo, que
procurava expressar as atitudes desse apóstolo,
d. Determinação das epístolas paulinas e não-paulinas.
e. Solução para várias questões relativas a unidade, a autoria e
a interpretação das epístolas paulinas individuais.
Outras implicações dessas pesquisas se encontram no parágrafo
abaixo acerca das epístolas paulinas.
2. As Epístolas Paulinas
Embora, ao longo dos séculos, toda correspondência que tem
chegado até nós com o epíteto de paulina, isto é, escrita por Paulo, tenha sido
posta em dúvida, por alguns, como autêntica. Existem quatro escritos paulinos
clássicos que nem mesmo os eruditos modernos põem em dúvida, mesmo entre os
mais liberais. Trata-se das epístolas aos Romanos, aos Gálatas e I e II
Coríntios. Lutero dizia que se pudéssemos ao menos preservar o evangelho de
João e a epístola aos Romanos, o cristianismo não poderia ser extinto.
Entretanto, mais geralmente aceitam-se os nove livros seguintes como saídos
realmente da pena de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses,
Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filemom. Para muitos, as epístolas de I e
II Timóteo e Tito (as epístolas pastorais), além de Efésios, são consideradas
obras dos discípulos de Paulo (escritas em seu nome). E a epístola aos Hebreus
(apesar de não ter sido rejeitada do cânon do N.T.) é quase universalmente
rejeitada como epístola escrita por Paulo. De modo geral, nas pesquisas mais
recentes, a atenção se tem desviado da autoria das epístolas para outras questões.
Por exemplo, costuma-se discutir sobre a forma original das epístolas ou a sua
unidade essencial. Teria sido escrita realmente aos crentes de Roma a chamada
epístola aos Romanos? Nesse caso, por que alguns manuscritos omitem as palavras
«A todos... queestais em Roma», em 1:7, e «...em Roma», em 1:15? Qual teria
sido a forma original dessa epístola, porque alguns mss contêm mais de uma
doxologia finalizadora. Por exemplo, a doxologia em Rm 16:25-27 se encontra em
L, 1175 e no Sy(n), em 14:23, ao passo que os mss A, P, 5 e 33, além de algumas
traduções armênias, têm-na em ambos os lugares. O antigo ms P(46) tem-na
somente após o cap. 15. Teriam sido escritas duas epístolas — uma mais longa e
outra mais breve, que finalmente foram combinadas para formar uma só, deixando
incerto o local exato da doxologia?. Nas epístolas aos Coríntios, alguns
eruditos distinguem nada menos de quatro epístolas diversas, que finalmente
foram combinadas para formar somente duas. Os melhores mss de Efésios não
trazem as palavras «em Éfeso», em 1:1 dessa epístola. Foi essa epístola
realmente escrita aos crentes de Éfeso, ou teria ela sido, originalmente uma
circular enviada às igrejas da Ásia Menor, sem qualquer designação específica
quanto ao destino? Como as palavras em Éfeso vieram a fazer parte do texto?.
Essas questões são expostas aqui a fim de dar exemplos, ao leitor, sobre os
tipos de problemas que são discutidos nos artigos sobre as epístolas, bem como
na exposição geral.
3. O Servo de Cristo
As epístolas de Paulo frequentemente apresentam-no como servo
«escravo» de Cristo. No original o termo usado é doulos, e geralmente, tem sido
mal traduzido por «servo», e não pela sua tradução mais exata, «escravo». Paulo
usou um termo forte a fim de indicar que ele fora comprado por bom preço,
porquanto, tendo sido antes um homem indigno, por ter perseguido e morto aos
cristãos, a sua dívida era imensa e insolúvel. Sua vida toda, da conversão por
diante, foi um esforço por contrabalançar suas más ações, e disso se originou
uma dedicação que tem inspirado o mundo inteiro durante séculos, e que tem sido
eternamente usada, em sermões, como ilustração do discipulado cristão. Todo
aquele que é chamado para perto do Senhor, o Mestre, torna-se um — escravo —
como Paulo (conforme é indicado em I Co 3:23 e 7:22,23), e isso forma a ideia
básica do discipulado totalmente dedicado que Paulo requer dos seguidores de
Cristo. O Senhor (tal como os senhores de escravos) exerce direitos absolutos
sobre todo pensamento, ambição, palavra, ação e alvo das vidas de seus
escravos. Outro tanto se aplica à liberdade de ação dos escravos; mas, segundo
a concepção paulina, estar verdadeiramente livre é ser escravo completo de
Jesus, pois é então que o crente encontra a verdadeira liberdade de alma, além
de completo livramento do pecado e de seus efeitos, sem falar na completa
transformação segundo a imagem de Cristo. Paulo descreve o pecado como uma
carência da glória de Deus (Rm3:23), e com isso ele revela a sua correta
atitude para com o pecado. O pecado é a degradação da personalidade humana. Os
homens foram criados para coisas exaltadas, para serem exaltados acima dos
próprios anjos, porque, ao serem transformados segundo a imagem de Cristo (ver
Ef 1 e Rm 8), tornam-se, realmente, superiores aos anjos. O pecado é a marca da
humanidade envilecida, não transformada segundo o modelo divino. O verdadeiro
escravo de Jesus progride muito mais rapidamente no caminho da absoluta
transformação segundo a imagem de Cristo, e isso contribui para a verdadeira
glória de Deus. Aqueles que persistem no pecado, portanto, «carecem» dessa
glória. O verdadeiro escravo do Senhor, por conseguinte, é, realmente, um
homem liberto, pois somente no cumprimento de seu destino é que o homem é
libertado de seu estado inferiorizado pelo pecado.
Aos seus escravos é que Cristo ensina o seu amor, e é então que
aprendemos a mansidão, a graça e a gentileza de Cristo (ver II Co 10:1; Rm 12:1
e I Co 1:10). Aos seus escravos é que Cristo transmite os pensamentos de sua
mente (Fp 2:1-18), e isso fala de certa comunhão mística com o Senhor
ressurreto e assento ao céu. Para Paulo, esse companheirismo era muito real, e
ele procurou transmitir o sentido dessa experiência aos discípulos de Jesus.
Com grande frequência, expressões tais como «em Cristo» e «mente de Cristo»,
são termos vazios para a igreja moderna, porque temos perdido de vista o
sentido dessas coisas. E temo-lo perdido não nos nossos estudos de teologia, ou
nos livros impressos, ou nos sermões falados, e, sim, na experiência e na
realidade diárias.
Paulo ensinava a obediência da fé, porquanto a fé em Cristo era
vista pelo apóstolo como uma realidade vital, como uma transmissão da própria
vida de Deus, através da pessoa real, viva, ativa e comunicadora chamada
Espírito Santo. O apóstolo Paulo comparava-se a uma ama que cuidava ternamente
de infantes, ajustando a dieta dos mesmos às suas necessidades e capacidades
(ver I Co 3:1-3 e I Ts 2:7). Também comparou-se àquele que apresenta uma noiva
ao seu noivo (ver II Co 11:2,3). Paulo, igualmente — comparou a igreja — ao
campo de Deus, onde ele trabalhava a fim de produzir frutos. Dessas e de outras
maneiras, Paulo demonstrou quanta dedicação se exige desse serviço absoluto a
Cristo. Acima de tudo, o apóstolo esclareceu que o amor de Deus exige tais
sacrifícios (ver Rm 5:5; II Co 5:14). Mostrou, ainda, que antes de sua
conversão traçara uma trilha de violência, ódio e homicídio, e justamente
contra aqueles que menos mereciam tal tratamento, isto é, os cristãos. Mas eis
que o amor de Deus, através de Cristo, modificara tudo isso, e foi justamente
esse amor que o tornara escravo de Cristo, posição na qual Paulo se sentia
verdadeiramente livre. Desde que fora conquistado por esse amor, ele é que
passara a receber os golpes violentos da parte de homens ímpios e
desarrazoados. Por conseguinte, quando contemplamos ainda que superficialmente
a vida desse homem, compreendemos por que motivo os tradutores não têm sido
capazes de traduzir o termo doulos por «escravo», preferindo um vocábulo mais
suave, como «servo». Infelizmente, nossas vidas também refletem essa
substituição. Nesse exemplo de total consagração à causa do Senhor, encontramos
uma das significações da vida de Paulo.
4. O Apóstolo aos Gentios
Outra das grandes significações da vida de Paulo é o fato de que
ele representava aquele princípio dá nova religião revelada que não somente
aceitava os pecadores, os publicanos e os desprezados, mas que também lhes
prometia um destino mais elevado do que qualquer coisa exposta pelo judaísmo.
Em seu caráter essencial (pelo menos até os tempos helenistas) o judaísmo tem
sido uma religião terrena, com alvos e promessas terrenos. O cristianismo,
porém, volta-se para as coisas da outra vida, e é essa atitude, em seu ensino
acerca da total transformação do crente segundo a imagem de Jesus, o Messias, o
Senhor eterno, que, aos olhos dos judeus, inspirava aos gentios «pretensões» e
«ambições» jamais ouvidas. Paulo tornou-se o porta-voz mais proeminente dessa
nova mensagem, sendo bem reconhecido o fato de que somente Paulo expõe, com
clareza e pormenores, a mensagem central da posição e do destino da «igreja»,
que declaradamente, e na realidade, viria a ser essencialmente uma igreja
gentílica.
Paulo se opusera amargamente a essa mensagem, até mesmo quando
ela ainda estava em sua forma primitiva, nas mãos dos outros apóstolos, antes
das grandes revelações que encontramos em Romanos, em Efésios e em Colossenses,
as quais, verdadeiramente, deram à igreja cristã a sua definição final. Paulo
não podia aceitar antes da sua conversão, e até mesmo abominava, uma mensagem
que falava de um Messias que fora crucificado e que ressuscitara. Aquele filho
de Benjamim, o fariseu, era por demais astuto para não ser capaz de discriminar
o possível impacto que esse Messias crucificado e ressurreto haveria de impor à
comunidade judaica. Outrossim, certos porta-vozes da nova religião tinham
anunciado publicamente, que Deus ab-rogara as exigências da lei antiga, tais
como a circuncisão, a justiça mediante a observância da lei, e os sacrifícios
no templo, porque tudo isso eram símbolos que haviam sido cumpridos pelo
Messias, o antítipo de todos esses tipos simbólicos. Além disso, também haviam
anunciado que esse mesmo Messias era Senhor de todos, e que em breve
estabeleceria o longamente esperado Reino de Deus, e que a nação judaica, como
um todo, corria o perigo de perder a participação nesse reino. Sendo fariseu,
Paulo sentia repugnância por tais ensinos, e, emseu zelo pela justiça que lhe
parecia autêntica, que ele reputava estar exclusivamente na lei e nos ritos que
saturavam o judaísmo, tornou-se o mais temível opositor do cristianismo. Não
haveria de descansar enquanto não desaparecesse da face da terra o último
vestígio dessa nova heresia. Sabia ao que fazia oposição, e por quais motivos.
Mas eis que, repentinamente, o próprio Jesus resolveu interferir
na loucura do jovem, apanhando-o no ato deintensificar os seus violentos
esforços de derrubar a igreja. A experiência mística de Paulo, pois,
«purificou-o» e «modificou-o», mas deixou perfeitamente intacta a sua natureza
ardente e zelosa. A princípio, Paulo podia pregar apenas a mensagem messiânica,
pois até aquele ponto ainda não recebera maiores luzes sobre o sentido da morte
de Cristo, as vastas implicações de sua ressurreição e ascensão. Por isso é
que, em Damasco, ele pregou que Jesus era o Messias. É provável que em sua
retirada para a «Arábia» tenha recebido as visões preliminares e as revelações
que o equiparam para a tarefa de quarenta anos que tinha a sua frente. O trecho
de Gl 1:14,15 indica que um dos ingredientes essenciais das revelações
recebidas por Paulo é que o seu ministério seria entre os «gentios».
Posteriormente, no concilio efetuado em Jerusalém (sobre o qual lemos no
segundo capítulo da epístola aos Gálatas), vemos que a sua missão especial foi
reconhecida e aprovada pelos demais apóstolos. Dessa forma, Paulo lançou-se ao
cumprimento do grandioso desígnio de Deus, como nem mesmo os profetas da
antiguidade haviam imaginado. Alguns deles tinham previsto a salvação dos
gentios, mas as indicações acerca da igreja — a noiva de Cristo — são escassas
no V.T., e mesmo assim foram expostas de forma velada, em tipos e sombras. O
grande propósito do oitavo capítulo de Romanos e do primeiro capítulo de
Efésios jamais havia sido exposto por lábios judeus antes de Paulo.
Paulo aprendeu qual o propósito da cruz, conforme ele explica no
décimo quinto capitulo de I Coríntios, onde se vê que a expiação ali efetuada
faz parte integral do plano geral do evangelho. Ele percebeu que o esforço
humano jamais poderia realizar o que foi realizado na cruz do Calvário. E assim
também os seus esforços anteriores, como fariseu, assumiram um novo
significado, pois em seus frenéticos esforços para obter a justiça própria,
mediante a observância da lei, Paulo recebeu uma lição perfeitamente objetiva
da total necessidade da justiça que vem por meio de Cristo. Posteriormente, ele
usou sua própria experiência como lição objetiva (Fp cap. 3), pois ninguém
podia vangloriar-se de mais obras na carne do que o jovem Paulo. «Mas foi
exatamente esse jovem» que chegou a compreender que o destino do homem está nas
mãos de Cristo. Viver corretamente não é o alvo principal do destino humano.
Isso deve ser feito e será feito por todos os verdadeiros discípulos de Cristo,
mas essa vida resulta da transformação do crente à imagem mesma de Jesus
Cristo. Paulo passou da noção de que a vida é aquilo que um homem faz para a
ideia muito mais elevada de que a vida é aquilo em que tornamos metafísica e
moralmente transformados segundo a imagem do Caminho, que é ao mesmo tempo o
pioneiro do caminho, e o próprio caminho que devemos palmilhar. Paulo começou a
perceber que o destino humano é uma longa e grande busca, que finalmente conduz
à própria presença de Deus, e aqueles que ali chegam são transformados em seres
que serão a própria imagem de Deus impressa neles, e que, de fato, não serão
menos santos do que o próprio Deus. Essa grandiosa e elevada mensagem tornou-se
o grande poder impulsionador por detrás do zelo de Paulo, e ele foi por toda
parte do mundo gentílico com o intuito de proclamá-la. Os capítulos 9 a 11 da
epístola aos Romanos consistem de revelações concernentes ao destino de Israel
e à base dessas revelações Paulo sabia que a nação de Israel seria posta de
lado por algum tempo, que a época dos gentios deveria chegar ao término de seu
curso, até que toda a igreja tivesse sido chamada. Por essa razão, passou a
buscar ainda com maior determinação a salvação dos gentios, a fim de
estabelecer a igreja, permitindo, assim, que Deus tornasse a chamar a nação de Israel,
a qual, no fim, teria um destino um tanto diferente do da igreja.
A cruz também se revestia de significação simbólica na missão de
Paulo como apóstolo aos gentios. Significava sacrifício, conformidade com a
morte de Cristo (ver Rm 6), o que, por outro lado, significa não-conformação
com o mundo. A cruz fala de dor, de sofrimento e de angústia em sua forma mais
intensa, e Paulo aceitava essas coisas como sinais de seu ministério. Por toda
parte era assediado pelos radicais, e sua longa lista de sofrimentos, em II Co
11:23-28, menciona espancamentos, muitos aprisionamentos (dos quais temos o
registro de apenas alguns, talvez em número de três), apedrejamentos, açoites
com flagelos e com varas, naufrágios, perigos de assaltantes e inundações,
fome, exaustão física devido a trabalhos contínuos e árduos, frio e falta de
vestes apropriadas. Acima de tudo, pesava-lhe nas costas o fardo psicológico do
cuidado por todas as igrejas locais. Trazia em seu próprio corpo as marcas do
Senhor Jesus, tal como Jesus levava, em suas mãos e em seus pés, os sinais dos
cravos da cruz. Isso fazia parte da significação de Paulo como apóstolo dos
gentios. Era um autêntico soldado da cruz, e exibia um discipulado de
consagração sem-par, que o mundo jamais pôde esquecer, e que ficou para sempre
gravado nas páginas das Santas Escrituras, para escrutínio de todos. Paulo
anunciou uma mensagem distintiva, que falava do exaltado destino da humanidade,
e foi um mensageiro distinto dessa mensagem, e é desses dois fatores que
aprendemos um outro significado da vida de Paulo.
5. A Doutrina de Paulo
A descrição mais completa da doutrina de Paulo pode ser
encontrada nas diversas centenas de páginas sobre suas epístolas nesta
enciclopédia. Aqui temos apenas uma tentativa de salientar o caráter central
dessa mensagem, em torno da qual tudo o mais é subserviente.
A Reforma protestante salientava a justiça ou justificação
mediante a fé e nos séculos seguintes, esse continuou sendo o fator controlador
de toda interpretação dos escritos de Paulo. Mui infelizmente, os intérpretes
não sondaram ainda com mais profundidade o pensamento do apóstolo, pois apesar
dele ter salientado a justiça e a justificação, essas ideias tão-somente são
parte de uma mensagem maior, porções necessárias, para dizer a verdade, mas
apenas partes componentes de um grande plano. É possível que se os reformadores
e aqueles que os seguiram tivessem tido mais compreensão, a igreja atual talvez
compreendesse melhor a descrição dogrande evangelho de Paulo.
Desafortunadamente, porém, a igreja tem estacado mais ou menos onde a reforma a
deixou, e mui raramente o evangelho completo de Paulo é pregado na igreja
comum. Não será isso um dos motivos para a intranquilidade? Muitos não se
sentem desassossegados e, algumas vezes, até mesmo famintos de informações
pertinentes à inquirição espiritual? Sim, parece que o povo evangélico anela
por uma mensagem mais profunda, por uma tentativa mais profunda de compreender
por que estamos aqui e para onde nos dirigimos. Paulo, nos dá essa informação,
mas esta dificilmente é pregada. Certamente a salvação é mais do que o perdão
dos pecados e a mudança de endereço para o «céu». Porém, com que frequência
ouvimos prédicas que vão além disso? Seria declaração por demais ousada dizer
que o evangelho de Paulo, na sua forma completa, raramente é pregado na igreja
moderna?
Homens como L. Usteri (1824) e A.F. Daehne (1835) explicaram
Paulo em termos da justiça imputada, segundo é ensinado na epístola aos
Romanos. Em contraste com isso, H.E.G. Paulus salientou a «nova criação» e a
«santificação» (conforme se vê em passagens como II Co 5:17 e Rm 6). Grande
discernimento foi exposto porPaulus, o qual declarou que a fé em Jesus,
significa, na análise final, a fé de Jesus. E que coisa admirável seria se
pudéssemos aprender esse conceito, pois nos conduziria a uma compreensão mais
profunda do apóstolo Paulo. Imaginemo-nos, por um momento, a exercer realmente
a fé de Jesus, a mesma fé que ele exercia. Porém, isso é impossível, a menos
que sejamos pessoas «como Jesus», moralmente transformadas para sermos como
ele era. Não obstante, avançar da fé em Jesus para a fé de Jesus, foi um
discernimento que a reforma não doou à igreja, e que a igreja atual só pode
explicar e compreender da maneira mais nebulosa.
F. C. Baur, que interpretava à base do arcabouço do idealismo de
Hegel (1845), procurou primeiramente compreender a Paulo em termos do Espírito,
dado mediante a união com Cristo, através da fé — e talvez, um tanto
inconscientemente, ele conseguiu notável avanço na interpretação, pois não
resta a menor dúvida de que o Espírito é a grande chave para o cumprimento do
tema central de Paulo. Por semelhante modo, a ideia da união com Cristo é
importante, embora esse conceito místico tenha geralmente desaparecido dos sermões
da igreja e da literatura da Escola Dominical. A despeito de Paulo ter sido um
místico, parece que o misticismo tem caído no esquecimento, ou mesmo tenha sido
geralmente rejeitado. Entretanto, Baur mais tarde retrocedeu e voltou ao padrão
estabelecido pela reforma, dividindo as diversas doutrinas paulinas em
compartimentos, sem qualquer tentativa de vê-las como um conceito unificado.
Muitos outros escritores seguiram esse padrão, e ingenuamente pensaram que, ao
descreverem individualmente as diversas doutrinas, ao mesmo tempo, expunham o
pensamento de Paulo.
R.A. Lipsius (1853) deu um grande passo à frente quando
reconheceu a «redenção» como o grande princípio unificador na doutrina de
Paulo, e definiu também dois pontos de vista: o jurídico (a justificação) e o
ético (a nova criação). Seguindo essa orientação, Hermann Luedemann, em seu
livro «The Anthropology of the Apostole Paul» (1872), concluiu que os dois
lados da redenção realmente repousam sobre esses dois aspectos da natureza
humana. Do ponto de vista «judaico» anterior de Paulo (Gálatas e Romanos 1—4),
a redenção aparece como um veredicto judicial de inocência; mas, para o Paulo
mais maduro (Rm 5—8 e Ef 1), a redenção surge como uma transformação
ético-física da «carne» para o «espírito», mediante a comunhão com o Espírito
Santo. A fonte da primeira ideia é a morte de Cristo e a nossa participação
nessa morte. A fonte da segunda ideia é a ressurreição de Cristo e a nossa
participação nessa ressurreição, com sua implicação de um tipo de vida nova e
transformada. Richard Kabisch recuou ao supor que essa redenção visa unicamente
a livrar a alma do julgamento vindouro. Pois o destino humano envolve muito
mais do que isso, embora, ouvindo alguém os sermões que geralmente se pregam
nas igrejas, talvez não chegue a conclusão mais elevada do que essa. Albert
Schweitzer, seguindo as indicações de Luedemann e Kabisch, desenvolveu uma
síntese com a qual ensinava que Paulo tencionava que sua «redenção» fosse
principalmente escatológica, isto é, um fim dos acontecimentos mundiais. Mas o
fato é que o segundo capítulo da epístola aos Filipenses contradiz essa
posição, como também o quinto capítulo da segunda epístola aos Coríntios. E
também errou ao pensar que posto que o mundo nãoterminou imediatamente, conforme
Paulo pensava, passou o apóstolo a expor um «misticismo físico», no qual os
sacramentos, através da mediação do Espírito Santo, servem de mediador da
ressurreição de Cristo e de seus efeitos sobre o crente. «Misticismo», sim;
mas misticismo físico, através dos elementos físicos dos sacramentos, jamais.
Nada poderia estar mais distante do pensamento de Paulo, porque ele sempre
destacou o puramente espiritual em detrimento do físico. Tinha razão, todavia,
ao supor que Paulo ensinou que a união com Cristo, nesta vida, através do
Espírito, assegura ao crente a participação na ressurreição espiritual de
Cristo, quando de sua «parousia».
O grande tema central de Paulo — qual é ele? É a salvação. Mas
um ponto de vista muito especial da salvação. O grande tema de Paulo é
soteriológico, e, se o quisermos, bem podemos usar o termo «redenção», pois
isso diz exatamente a mesma coisa. Que espécie de salvação Paulo ensinava?
Permitamos que os versículos seguintes falem por si mesmos: «Assim como nos
escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por
meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade... e qual a suprema
grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia do seu poder;
o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o
sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e
potestade, e poder, e domínio e de todo nome que se possa referir, não só no
presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as cousas debaixo dos seus
pés, e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu à igreja, a qual é o seu
corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas» (Ef 1:4,5,
19-23). «Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de
Deus... o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de
Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e
co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos
glorificados... a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos
de Deus... gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção
do nosso corpo... Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos
que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conforme a imagem de
seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou;
e aos que justificou, a esses também glorificou... nem altura, nem
profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8:14,16,19,28,30,39).
A participação na Imagem metafísica de Cristo indica a
participação na natureza divina, segundo Cl 2:9,10 mostra claramente (ver
também Ef 3:19). Participamos da «natureza divina» quando participamos da
«imagem de Cristo». Naturalmente, disso participamos de modo finito, pois Deus
é «infinito». Todavia, trata-se do mesmo «tipo» de «forma de vida», da mesma
«essência de ser» que o próprio Cristo tem, o que é infinitamente exemplificado
em Deus Pai. Diferimos da natureza de Deus Pai na «extensão» da participação na
essência divina, mas não quanto ao «tipo», ver Jo 5:25,26 e 6:57 sobre a vida
«necessária» e «independente» de Deus, e como os homens, mediante a
participação na ressurreição de Cristo, chegam a participar desse tipo de vida.
Já que Deus é infinito, e será sempre o alvo da existência humana, terrena ou
celestial, mortal ou imortal, sempre haverá um progresso infinito na direção
desse alvo. Não pode haver estagnação na inquirição espiritual, pois seus
horizontes são infinitos. Já que há uma infinitude com a qual seremos cheios,
também haverá um preenchimento infinito. (Ver II Pe 1:4.
O plano é imenso e sua realização é além das capacidades
humanas. Portanto, a salvação se realiza pela graça de Deus. Abaixo estão os pontos
mais destacados desse evangelho:
a. Plano divino da redenção e transformação dos homens segundo a
própria imagem de Cristo, a imagem absolutamente moral e metafísica de Cristo,
que é um plano eterno, e que, em realidade, é a razão mesma da existência da
criação. (Essa é, igualmente, a mensagem do primeiro capítulo do evangelho de
João, porquanto a vida — a criação física — existe para prover material para a
«luz» ou criação espiritual. — O primeiro capítulo da epístola aos Colossenses
ensina a mesma verdade).
b. O alvo de Deus é a adoção de muitos filhos, que ainda serão
iguais (sempre em potencial) e totalmente semelhantes (em essência de ser) a
seu Filho, Jesus Cristo.
c. Deus enviou Jesus, não só para ser o Caminho, mas também para
mostrá-lo. Em sua vida humana, Jesus viveu o tipo de experiência que devemos
ter. Sua vida não foi somente um espetáculo para ser admirado, mas é um padrão
que precisa ser duplicado em nós. Jesus, em sua vida humana, «...aprendeu a
obediência pelas cousas que sofreu...», e, como homem, em sua existência
humana, «...tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para
todos os que lhe obedecem» (Hb 5:8,9). Os que lhe obedecem são aqueles que agem
como ele agiu e são o que ele foi, mediante uma obediência verdadeiramente
completa e perfeita. Não obstante, esse é o alvo, e a transformação moral
provoca a transformação metafísica, exatamente como ocorreu no caso de Jesus, o
qual, devido à sua comunhão íntima com o Pai, mediante o Espírito (que é o
agente transformador. II Co 3:18), foi capaz de multiplicar pães, andar sobre a
água e até mesmo ressuscitar a mortos, incluindo a si mesmo, após a sua morte.
Ele vivificou o seu próprio corpo, tão grande foi o seu poder espiritual.
Lembremo-nos da lição da encarnação: Jesus, manifestação do
Verbo Eterno, veio participar literalmente da natureza humana. Ele não era um
anjo que fazia um papel teatral. E assim como ele participou literalmente da
natureza humana, fundindo a natureza humana com a divina, assim também abriu tal
caminho para todos os homens. Pois todos os remidos haverão de participar de
sua «natureza glorificada», de sua divindade de modo real, tal como sua
participação da natureza humana foi real. Essa é a grande lição mística da
encarnação. Ele é divino a fim de ser «admirado»; mas também é divino a fim de
ser «duplicado» em «outros filhos», pois os remidos são filhos do mesmo Pai.
Naturalmente, o Filho participou infinitamente da divindade, mas nossa
participação será sempre finita. Contudo, a essência dessa participação é
real; não é uma imitação. A eternidade inteira será passada enchendo o finito
com o infinito, enchendo o que é secundário com o que é primário, havendo uma
gradual e prodigiosa transformação da alma humana segundo a imagem e a natureza
de Cristo (ver II Pe 1:4 e Cl 2:9-10).
Lembremo-nos das outras lições: a lição de sua vida, a lição de
sua morte, a lição de sua ressurreição e ascensão, a lição de sua infinita e
interminável glorificação. Em tudo isso temos símbolos místicos do progresso e
da redenção humanos. Pois em todos os pontos seremos assemelhados a ele, tal
como em todos os pontos ele se fez como nós.
«E todos nós com o rosto desvendado, contemplando como por
espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na sua
própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito» (II Co 3:18).
d. Jesus cumpriu a sua missão, tendo vivido a admirável vida que
teve, tendo morrido como expiação pelo pecado, tendo sido ressuscitado dentre
os mortos, e, nesse processo, foi transformado de homem mortal em homem
imortal, assento ao céu e glorificado — e tudo isso como homem — pois ele foi o
primeiro homem imortalde Deus, o padrão para o resto da humanidade. Nessa
glorificação ele foi ainda mais profundamente transformado, e continua
esperando sua glorificação maior, quando receber a sua Noiva, a igreja. A
última porção do primeiro capítulo de Efésios demonstra que foi o infinito
poder de Deus que realizou tudo isso, o poder de Deus através do Espírito. Eis
que esse mesmo Espírito está em nós, e tenciona realizar em nós a mesma obra.
Morremos a morte de Cristo, compartilhamos, de sua ressurreição e de sua ascensão
e participamos de sua glorificação. Ele é quem preenche tudo em todos, e que
está acima de todos; a despeito do que, o completamos, pois somos a sua
plenitude, e nada tão elevado tem sido jamais dito acerca dos anjos. (Ef1:23).
O próprio espírito sussurra aos nossos ouvidos qual é nosso
elevadíssimo destino, pois o destino de Cristo é o nosso e sabemos quão grande
ele é, e quão vasto é o seu destino, como cabeça do universo inteiro. A criação
física inteira se impacienta, esperando essa poderosíssima manifestação dos
filhos de Deus, como homens imortais, transformados e espantosamente
glorificados — pois eles serão — verdadeiramente filhos e irmãos de Cristo, e
não menos perfeitos (potencialmente sempre) e exaltados, embora cabeça e corpo
tenham ofícios distintos. Outro tanto se dá com Cristo e a igreja. E assim como
a cabeça de um corpo tem certa ascendência sobre esse corpo, assim também
Cristo tem proeminência sobre a igreja. Não seremos sub-herdeiros dele, e, sim,
co-herdeiros. Não estamos seguindo uma estrada diferente da dele, nem um alvo
diferente do seu — seguimos exatamente a mesma estrada que Cristo, e visamos ao
mesmo alvo. A predestinação de Deus assegura a obtenção desse alvo, e é nas
provisões dessa predestinação que seremos totalmente «transformados», e não
apenas perdoados de nossos pecados, nem apenas nos aproximando do «céu»,
conforme há muito tempo, o «evangelho» vem sendo pregado por partes da igreja.
e. Por conseguinte, no que consiste a justificação? Consiste em
um passo na direção do alvo, e que envolve o pecado que precisa ser eliminado,
porque os filhos devem ser tão santos quanto o próprio Deus. E o que será
asantificação? É apenas a estrada pela qual estamos caminhando, enquanto vamos
sendo transformadosmoralmente à imagem de Cristo, o que também produz uma
transformação metafísica, isto é, a transformação literal da natureza de nossos
próprios seres. O nosso alvo, portanto, é a absoluta perfeição moral, não menos
santa do que a santidade de Deus, que nos torna não (potencialmente) menos
amorosos, não menos compassivos, não menos eficazes (em nossas respectivas
esferas) na realização de sua obra e na expressão de sua natureza. Obteremos a
imagem moral de Deus que os anjos não possuem e talvez jamais possuirão. O
próprio Jesus ordenou que fôssemos perfeitos, tal como o Pai, nos céus, é
perfeito (ver Mt 5:48). Esse é o nosso alvo eterno e a nossa transformação
total tornar-se-á uma realidade. Possuiremos a natureza moral de Deus. Mais do
que isso, possuiremos a imagem metafísica de Cristo, que está acima de todos,
de todos os nomes, de todos os poderes, até mesmo dos poderes angelicais. Nossa
participação nisso será total. Os termos «filhos de Deus» e «irmãos de Cristo»
indicam algo tremendamente elevado e ainda que tivéssemos a perfeita descrição
dessas verdades, do ponto de vista metafísico, não poderíamos compreender suas
implicações. O nosso atual desenvolvimento não permitiria a completa apreensão
dessas verdades profundíssimas. Portanto, que significa estar alguém em
Cristo? Isso fala da atual comunhão mística com ele, por meio do Espírito. Já
conhecemos algo da transformação à sua imagem, porque já estamos começando a
viver a sua vida. A energia de sua vida, em sentido bem real, já transparece em
nós, e o céu já desceu à terra, e ele
nos circunda através de seu Espírito. De maneiras ainda
desconhecidas, ele está conosco, mas esse estar conosco, com toda a
probabilidade, consiste de uma real transferência de alguma espécie de energia
espiritualizada que o Espírito de Deus transmite, e essa energia, mui
provavelmente, é a substância da própria vida. Essa é a «salvação» presente, e
a participação nessa salvação é que produz os atuais padrões de «santificação».
E a santificação presente provoca as transformações metafísicas de nossas
naturezas. E tudo isso está prenhe de autêntica imortalidade. Daí o crente
parte para a ressurreição, então para a ascensão e, finalmente, para a
glorificação, que não se trata de um ato isolado, mas de um processo, o que
continua acontecendo até mesmo com Cristo, nosso irmão mais velho. E o alvo
final é a perfeição e a transformação absolutas. É a tudo isso que se denomina
de salvação, e esse é o evangelho anunciado por Paulo. O leitor poderá julgar,
por si mesmo, quanto dessa verdade é pregada atualmente nas igrejas
evangélicas. A simplificação do evangelho como — se resumisse ao perdão dos
pecados e a uma viagem ao céu — tem prejudicado — a todos nós. E tem deixado os
crentes desassossegados, porque, interna ou externamente, perguntam se não há
mais nada além disso? Os crentes, pois, ficam descontentes, pois o cristianismo
tem perdido o seu fio cortante e desafiador. Precisamos pregar o evangelho de
Paulo. Precisamos aprender o que isso significa na experiência diária.
Precisamos conhecer, na realidade diária, o que significa estar alguém «em
Cristo».
6. Paulo e Jesus
Os estudos sobre o pensamento paulino, neste século XX, se têm
devotado, especialmente, a três perguntas: 1. Qual a relação entre Paulo e
Jesus? 2. Quais as fontes do pensamento de Paulo? e 3. Qual o papel da
escatologia na doutrina de Paulo? Dessas três, a primeira — Qual a relação
entre Paulo e Jesus? é mais vexatória e problemática. A distinção entre os dois
pensamentos básicos de Paulo — justiça jurídica (Rm 1—4) e justiça /ética/ (Rm
5—8), tem-se desenvolvido em um estudo muito importante, e a maioria dos
escritores sobre o assunto se tem pronunciado a favor da ideia «ética» como
mais básica ao pensamento paulino posterior, como mais representativa de Paulo
em seus anos maduros. Pelo menos pode-se dizer que isso certamente se parece
mais com o pensamento expresso nas epístolas de Efésios e Colossenses e com a
mensagem geral da redenção ou «salvação» (conforme se explicou na seção
anterior), e que certamente essa é a mensagem central do apóstolo Paulo. Por
conseguinte, temos um certo tipo de «misticismo de Cristo», a saber, Cristo, o
Deus-homem que do céu desce a este mundo rodeado pelo mal, incluindo uma
espessa nuvem de poder demoníaco. A união com Cristo (isto é, a comunhão
mística com ele) tornou-se o principal conceito acerca do sentido e da direção
da atual experiência humana. E essa união assegura a «ressurreição» juntamente
com ele, que é o passo inicial da glorificação da alma.
Esses pensamentos lançaram os fundamentos para uma série de
estudos, e muitos intérpretes, ao lerem os evangelhos e as palavras de Jesus,
segundo elas estão ali escritas, para em seguida lerem a Paulo, especialmente
seus «escritos posteriores», como as epístolas aos Efésios e aos Colossenses,
começaram a indagar se as duas mensagens ou «evangelhos» seriam realmente uma
só. Alguns negaram isso em termos inequívocos. W. Wrede, em sua obra Paulus
(1905), expôs a questão nos termos mais francos. Ali Paulo é visto não como
verdadeiro discípulo do rabino Jesus, mas realmente um segundo fundador do
cristianismo. A piedade individual e a salvação futura ensinadas por Jesus
(ideias comuns ao judaísmo dos dias de Jesus) haviam sido transformadas, pelo
teólogo Paulo, em uma redenção presente através da morte e da ressurreição do
Cristo-Deus. Quem aceitar esse ponto de vista terá de escolher entre Jesus, e
assim permanecer bem perto do judaísmo, ou terá de preferir a Paulo, entrando
em uma esfera religiosa diferente. A tendência parecia permanecer com Jesus, e
não levar muito a sério as ideias de Paulo.
A controvérsia acerca da suposta diferença entre Paulo e Jesus
conduziu a uma investigação ainda mais detalhada sobre as origens do pensamento
paulino. F. C. Baur explicava o pensamento de Paulo à base dá controvérsia eclesiástica,
isto é, Paulo era contrário ao judaísmo antigo, e, sendo o «helenizador» do
cristianismo, fez declarações diversas que visam a afastar o cristianismo o
mais possível do judaísmo. Schweitzer explicava que a origem do pensamento de
Paulo era o seu problema escatológico peculiar, que era uma adaptação quase
exclusiva das ideias do judaísmo posterior. Mas as pesquisas na história
judaica não têm contribuído para consubstanciar essa ideia.
Outros, como R. Reitzenstein e W. Bousset, pensavam que tinham
encontrado o manancial do pensamento paulino, em uma espécie de mistura das
religiões misteriosas orientais helenistas e de elementos doutrinários do
judaísmo. É verdade que os mistérios falavam de deuses que morriam e tornavam a
viver, de «senhores» e de redenção por meio de sacramentos. Qualquer um que
leia os clássicos, e suas adaptações religiosas posteriores, naturalmente verá
os paralelos. Estudos posteriormente feitos abrandaram o impacto dessa ideia,
mostrando, acima de tudo, que tais ideias não eram totalmente estranhas ao
pensamento judaico, especialmente ao pensamento judaico posterior.
Finalmente, observamos que a ideia da «religião misteriosa» não conquistou
muita aprovação, embora tenha continuado a exercer grande influência sobre os
estudos acerca de Paulo.
Alguns também tentaram ligar o pensamento de Paulo com as ideias
gnósticas, especialmente as ideiasgnósticas acerca da natureza do mundo, seus
muitos níveis de espíritos, autoridades, etc. (conforme alguns creem estar
refletido em Efésios e no primeiro capítulo de Colossenses). Sabemos, todavia,
que essas duas epístolas de fato são livros escritos contra as formas iniciais
da heresia gnóstica, e não é provável que Paulo tivesse apoiado um acordo
justamente com a heresia que atacava. Essas ideias sobre muitos níveis de
espíritos, autoridades, etc, eram comuns ao judaísmo posterior, e Paulo não
teria que tomar de empréstimo dos primitivos gnósticos essas ideias. Alguns têm
argumentado que a menção de Paulo sobre «principados», «poderes», «potestades»,
e «domínios» não significa que ele tivesse aceito como verídicos os muitos
níveis de poderes espirituais nos lugares celestiais, mas que meramente ao usar
esses termos, dizia que, sem importar quais poderes existam, Cristo é o cabeça
desses poderes, sendo Deus sobre todos. Mas isso equivale a subestimar o
pensamento de Paulo, pois parece perfeitamente claro, na análise dessas
passagens, que Paulo aceitava tais níveis de poder, embora não os tivesse
descrito. Bultmann aproximou-se mais da verdade ao mostrar que Paulo estava
alicerçado no judaísmo helenista e no cristianismo helenista, que tem seus
conceitosbásicos de dualismo ético em uma redenção sacramental; porém, dizer,
como Bultmann asseverou, que essas ideias foram tingidas pelo gnosticismo, é
um erro; porque, segundo elas aparecem nas epístolas de Paulo, dificilmente
precisamos atribuí-las a quaisquer ideias gnósticas.
Paulo concordava essencialmente com a declaração gnóstica de que
existem vários níveis de seres espirituais, que existem princípios bons e maus
neste mundo, cada qual investido de sua própria autoridade, tanto no céu como
na terra. Porém, contrariamente aos gnósticos, o apóstolo ensinava que à testa
de todos esses poderes avulta a pessoa de Cristo, que é o Deus e criador de
tudo (ver Cl 2:8-16). Cristo não pode ser classificado em qualquer das
categorias de espíritos. Os manuscritos do Mar Morto foram um embaraço para a
identificação do gnosticismo com o pensamento paulino, segundo dizia Bultmann,
posto que ali já se encontra expresso odualismo ético que Paulo teria
encontrado, supostamente, no gnosticismo, e que, subsequentemente, teria
influenciado a sua doutrina. Portanto, essas ideias são anteriores ao
gnosticismo. Contudo, não havia necessidade de esperar pelo descobrimento dos
manuscritos do Mar Morto para sabermos isso, pois, a simples leitura da
literatura antiga nos fornece essas ideias básicas. Para começar, o estudioso
deve ler Platão, onde se encontram todas as ideias dualistas que alguém poderia
desejar. Outrossim, no gnosticismo primitivo, não há a doutrina da «descida de
um redentor» (esse foi um desenvolvimento posterior, no gnosticismo, sobre o
qual o apóstolo não teve conhecimento), o que mostra que é impossível que a
ideia paulina tivesse sido tomada de empréstimo do gnosticismo. E assim tem
continuado a controvérsia, em que vários autores assumem diversas posições em
torno da questão, como é o caso de Grant, que vê Paulo como homem cujo mundo
espiritual se situa entre as ideias apocalípticas judaicas e o gnosticismo
plenamente desenvolvido do segundo século da era cristã. Ele acha que a
tendência de Paulo, ao interpretar a ressurreição, era, entre outras coisas,
torná-la um triunfo sobre os poderes cósmicos. (De fato, Cl 2:15 diz exatamente
isso). Mas Paulo não tinha de apelar para o gnosticismo para encontrar essa
ideia, porque a necessidade de tal triunfo era comum ao judaísmo posterior e o
próprio Jesus expressou a mesma ideia, ao declarar: «Eu via a Satanás caindo do
céu como um relâmpago», ver Lc 10:18 que contém detalhes sobre este assunto que
concorda com a tese de Paulo que a obra redentora de Cristo, finalmente,
triunfará sobre todos os poderes cósmicos malignos.
Naturalmente, o próprio gnosticismo era sistema altamente
misturado, pois tomava elementos emprestados da mitologia grega, da filosofia,
das religiões misteriosas, de várias formas de misticismo oriental, e,
diretamente, do próprio judaísmo, como também do cristianismo, depois que este
entrou em cena. Portanto, é quase impossível dizer-se, «Isto Paulo tomou por
empréstimo do gnosticismo», até mesmo nos casos que parecem «empréstimos»
feitos daquele sistema. O mais provável é que ideias que Paulo e os gnósticos
tinham em comum, eram simplesmente pontos de concordância, sem que houvesse
qualquer empréstimo direto. A tendência, mais recentemente, tem sido negar,
ignorar ou suavizar a suposta «Influência gnóstica sobre Paulo», à proporção
que se vai entendendo melhor qual era o «meio ambiente de conceitos» do
primeiro século. Não se pode negar, é claro, que muitas das ideias e expressões
desse apóstolo refletem sua própria cultura, pelo que são «empréstimos» tirados
das ideias correntes. Contudo, cremos que as grandes pedras fundamentais de sua
doutrina se derivam de uma fonte superior, repousando sobre alicerce mais firme
que a mera repetição deideias comuns a todos. Levamos a sério sua reivindicação
de haver recebido «muitas» revelações (ver II Co 12:1). Ele recebeu «visões e
revelações», e fala de sua experiência no «terceiro céu», como ilustração desse
fato. Ver Gl1 e Ef 3:3 ss. Paulo era um místico de primeira ordem, e grande
parte dos pontos distintivos do cristianismo repousa sobre suas visões, que se
concretizaram nas Escrituras, preservadas para nós no Novo Testamento.
A discussão acima, sobre as origens do pensamento paulino,
leva-nos à conclusão de que apesar de grande parte da doutrina de Paulo não ser
geralmente ouvida dos lábios de Jesus, isto é, na exposição que os evangelhos
fazem dos ensinos de Jesus, em coisa alguma estava em desacordo com os ensinos
essenciais dele. Paulo não teve, por outro lado, de pedir emprestado as ideias
do gnosticismo. Outrossim, pode-se observar que a discussão inteira sobre as
«origens» conforme ela é apresentada pelos autores mencionados, ignora por
completo a questão da inspiração, dando a entender que Paulo não era inspirado
pelo Espírito Santo, segundo ele declarava que era, ou que ele não aprendeu o
seu evangelho por revelação, conforme ele mesmo declarou (Gl 1:12). A leitura
das epístolas de Paulo não nos pode deixar de convencer que, quer isso expresse
a verdade, quer não, o apóstolo pensava que aquilo que ensinava chegara ao seu
conhecimento por meio de visões e revelações e que ele alicerçava o seu
evangelho sobre esses fundamentos.
Mais especificamente, acerca de Jesus e Paulo, podem-se fazer as
seguintes observações. Os seus ensinamentos, descobre-se que Jesus era bom
representante do judaísmo, em sua forma mais excelente; mas é um erro vê-lo
apenas como tal. Pois ele se reputava divino, igual ao Pai, em uma posição
metafísica altamente exaltada. Por exemplo, consideremos a sua declaração: «Eu
o sou; entretanto, eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem
assentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu» (Mt
26:64). O sumo sacerdote ficou extremamente perturbado ante essa declaração, e
rasgou as próprias vestes, pois para ele tal declaração parecia uma grande
blasfêmia. Outrossim, o capítulo vigésimo quarto de Mateus (o «pequeno
apocalipse» como é chamado), ensina de maneira bem definida um Jesus metafísico
altamente exaltado, e não meramente um rabino judeu que não tinha as
credenciais fornecidas pelas escolas judaicas. Parece claro, pela narrativa dos
dias finais de Jesus e sua crucificação, que a principal acusação contra ele
foi de que blasfemava, ao declarar-se mais do que um mero homem. O ponto de
vista de Jesus sobre sua missão messiânica não se limitava à de um mero homem
que cumpria uma incumbência. Para ele, o Messias era um homem de origem celestial,
dotado de um ministério celestial e terreno. Foi justamente esse o conceito que
o levou à cruz, mas de fato ele não foi apenas um reformador. Sua declaração,
em Mt 20:28, que diz: «...tal como o Filho do homem, que não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos», indica o
conceito de Jesus acerca de sua vida e morte, cuja finalidade era oferecer
expiação e vida espiritual, e não meramente servir de exemplo. A mesma verdade
é destacada nos trechos de Mt 26:26-29; Mc 14:22-26 e Lc 22:14-20, onde Jesus
instituiu a ceia memorial, á qual indica que Jesus contemplava sua missão como
realizadora da expiação e de uma redenção sacramental.
Não se pode dizer, por conseguinte, que Paulo tenha criado essa
ideia, porquanto a sua passagem central sobre a questão — I Co 11:23-26 — é
apenas uma compilação ou sumário do mesmo material de ensino que se reflete nos
evangelhos. Portanto, a doutrina que alguns querem fazer-nos crer que foi
tomada de empréstimo de alguma forma de gnosticismo ou de judaísmo helenizado,
em realidade já estava presente nas palavras mesmas de Jesus.
A expiação subentende a ideia básica da justificação pela fé.
Essa doutrina não é claramente ensinada nos evangelhos; e poucos afirmam tal
coisa. Mas a expiação é o alicerce dessa doutrina, e de fato, todo o sistema
sacrificial dos judeus aponta para esse ensino. A expiação só se torna
necessária quando o indivíduo não é capaz de fazer tudo por si mesmo, ou seja,
quando a salvação, o «livramento» está fora de seus próprios recursos. O
judaísmo inteiro, pois, salientava essa verdade. É verdade que a doutrina
formal da justificação pela fé não é esboçada nos evangelhos, embora existam
ali as condições básicas que requeiram a sua delineação final. É verdade que
Paulo foi além do que se lê nas palavras de Jesus, nos evangelhos, mas isso não
significa, necessariamente, que ele tenha contradito o Senhor. Ninguém procura
ocultar o fato de que o cristianismo é um desenvolvimento dos pontos de vista
preliminares dos evangelhos, e, realmente, esse fato é confiantemente
proclamado, pois o próprio Paulo, ao mencionar as revelações que recebeu,
declara que as doutrinas da igreja lhe tinham sido dadas para serem expostas
por ele. Também ninguém afirma que os evangelhos fornecem uma clara
apresentação da igreja. A Paulo foi dado o privilégio de fazê-lo. Mas Jesus
antecipou e mesmo predisse que a sua igreja seria uma comunidade religiosa
separada do judaísmo. Por conseguinte, dificilmente alguém pode pensar em Jesus
tão-somente como um reformador do judaísmo. Háevidências de que Jesus se
alienou da corrente principal do judaísmo desde quase o princípio de seu
ministério. De fato, já no décimo sexto capítulo do evangelho de Mateus vê-se
que uma nova comunidade estava se formando. No décimo oitavo capítulo do mesmo
livro veem-se as regras básicas que os discípulos deveriam seguir em suas
relações mútuas no seio da igreja. A partir do décimo sexto capítulo do
evangelho de Mateus temos o arcabouço básico da «nova comunidade religiosa».
Portanto, o que Paulo fez foi adicionar estatura a esse arcabouço, e, através
das revelações que recebeu, indicou o destino da igreja, o qual, para sermos
verazes, se encontra só nos escritos paulinos. Paulo nos fornece dimensões
vastamente ampliadas acerca do destino do homem (que é descrito de modo breve
sobre a seção «e» deste mesmo artigo). Ninguém afirma que Jesus, nos
evangelhos, expôs qualquer coisa assim; mas as ideias não são contraditórias,
e, sim, suplementares.
Devemos dar atenção à declaração de Paulo, em Gl 2:2,6-8, onde
ele mostra que propositalmente visou aos demais apóstolos, a fim de verificar
se o seu evangelho não estava de acordo em alguma coisa com o que pregavam.
Assim, descobriu que não havia desacordo algum, e, além disso, que nada podiam
acrescentar ao que ele ensinava. Verificou que o evangelho de Pedro era igual
ao seu, embora as suas esferas de atividade fossem diferentes, pois Pedro fora
enviado aos judeus, ao passo que Paulo fora enviado aos gentios. Pedro confirma
o fato com suas próprias palavras, no segundo capítulo de Atos, ao falar sobre
a expiação. E em At15:10, lemos que Pedro disse: «E não estabeleceu distinção
alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé os corações. Agora, pois, por
que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos
pais puderam suportar, nem nós? Nessa oportunidade, como é claro, Pedro
declarou a necessidade da «justificação mediante a fé». O ponto disso é que
Paulo, quanto aos pontos básicos — sem pensarmos por enquanto sobre os grandes
suplementos com que ele contribuiu para a mensagem cristã total, ou seja, as
revelações especiais que recebeu — em coisa alguma estava em desacordo com os
outros apóstolos quanto a essa doutrina.
Certamente os outros apóstolos, que andaram com Jesus durante
três anos, conheciam perfeitamente a sua doutrina e as suas intenções, e não se
teriam deixado enganar por Paulo, se seus ensinos estivessem equivocados. É
verdade que os ensinamentos de Jesus, conforme os encontramos registrados, eram
principalmente éticos, mas essa ética não é contrária ao cristianismo paulino.
Também é verdade que muitas das ideias de Paulo não se encontram nos registros
sobre as palavras de Jesus, isto é, o silêncio reina nesses particulares; mas o
próprio Paulo foi o primeiro a admitir tal fenômeno, ao dizer que as revelações
lhe confiaram explicações novas quanto ao destino da humanidade. Nada mais se
pode fazer, no sentido de pesquisar o Jesus histórico, do que aceitar o
testemunho daqueles que foram seus íntimos, que o viram e que o imitaram. Os
outros apóstolos também declaram-no Senhor da glória, personagem de
elevadíssima estatura metafísica. O evangelho de João é uma declaração
expandida dessa verdade. E um pequeno fragmento desse evangelho intitulado
P(52), definidamente escrito em cerca de 100 D.C., mostra que esse evangelho
provavelmente foi escrito antes do ano 100 D.C. Assim sendo, temos no evangelho
de João uma das primeiras interpretações apostólicas da pessoa de Jesus. Pedro
declarou, no primeiro capítulo de sua primeira epístola, que aguardamos do céu
o SENHOR, o aparecimento de Jesus Cristo (ver I Pe 1:7), e que, através de sua
morte e ressurreição, chega até nós a redenção e a expiação dos pecados (I Pe
1:18-20). A passagem de II Pe 1:17,18 menciona a glória da transfiguração que
foi contemplada pelos apóstolos originais (conforme é descrita no décimo sétimo
capítulo de Mateus), e isso faz parte da descrição de Jesus como personagem
metafísico altamente exaltado, o Senhor da glória, conforme Paulo o denomina em
I Co 2:8. No trecho de I Pe 4:11 nos é ensinado o domínio eterno de Jesus.
Portanto, concluímos que o «Jesus teológico» se destaca com grande evidência
nos escritos dos apóstolos primitivos de Jesus, como Pedro. Se Pedro não era
capaz de interpretar corretamente a pessoa de Jesus, após tão longa e intensa
associação que teve com ele (e o livro de Atos reflete o alto conceito que os
apóstolos tinham de Jesus como personagem metafísico), então resta-nos
conjecturar para descobrir quem era realmente Jesus. É importante notar que
também nessa particularidade, Pedro e Paulo estavam de pleno acordo. Pode-se
dizer, pois, que não pode ser comprovada qualquer contradição entre Jesus e
Paulo. O que permanece de pé, e ninguém se aventuraria a negá-lo, é que estava
reservado a Paulo revelar, através do Espírito Santo, as doutrinas mais
profundas sobre a natureza do mundo dos espíritos, e o chamamento e o alto
destino da igreja, conforme o judaísmo jamais pudera imaginar, e que Jesus
meramente indicou de passagem.
7. Como Paulo comprovou seu apostolado.
Uma multiplicidade de maneiras:
a. Ele foi diretamente comissionado por Cristo, o Senhor
ressurreto, para esse elevado ofício, o que fica implícito na sua pergunta,
«...não vi a Jesus, nosso Senhor?...» Essa mesma ideia é expandida em Gl 1:11 e
ss.
b. Seu poderoso ministério é salientado como uma prova do
caráter genuíno de seu ministério, prova de sua comissão divina. E isso é
declarado através da seguinte pergunta: «...acaso não sois fruto do meu
trabalho no Senhor?...» Essa ideia é desenvolvida em várias outras passagens,
como no segundo capítulo da epístola aosGálatas, embora o seja mais
particularmente ainda nos capítulos décimo a décimo segundo da segunda
epístola aos Coríntios. Por essa razão é que Paulo pode asseverar:
«...trabalhei muito mais do que todos eles...» (I Co 15:10). E isso não
constitui uma reivindicação de pouca monta, proveniente como foi do contexto do
cristianismo do primeiro século, quando foram realizados labores realmente
extraordinários.
c. O trecho dos capítulos décimo a décimo segundo da segunda
epístola aos Coríntios nos fornece outras provas do apostolado de Paulo,
incluindo suas experiências místicas e visões, que foram dadas a Cristo para
confirmar o seu ministério e autoridade, bem como para aumentar a sua eficácia.
(Ver especialmente o décimo segundo capítulo da citada epístola).
d. Os sofrimentos especiais pelos quais Paulo passou também são
apresentados como provas de seu ofício apostólico. (Ver II Cor. 11:23 e ss).
e. Operações miraculosas, levadas a efeito por meio de dons
especiais do Espírito Santo, também tiveram por propósito servir de prova dos
verdadeiros apóstolos de Cristo. Os trechos de II Co 12:12 e o nono capítulo do
livro de Atos em diante fornecem provas tanto das grandes realizações como dos
extraordinários sinais operados por Paulo, tudo o que fazia parte integrante de
seu ministério apostólico. Grande porção do livro de Atos serve de
demonstração desses fatos, embora esse livro do N.T. não tenha sido escrito
diretamente com essa finalidade, visto que, para Lucas, não havia necessidade
alguma de apresentar defesa do apostolado de Paulo, já que o próprio Espírito de
Deus lhe autenticava o ministério.
f. O elevadíssimo conhecimento espiritual de Paulo, bem como o
fato de que ele atuava como instrumento para revelar à igreja cristã o seu
exaltado destino, no que Paulo se destacou acima de qualquer outro homem da
história, também serve de prova de seu apostolado. Todas as suas epístolas, bem
como os sublimes ensinamentos ali contidos, ilustram esse ponto (ver II Co 11:6
e Gl 2:2 e ss).
g. Paulo foi um instrumento especial no avanço do evangelho de
Cristo, tendo sido escolhido para essa tarefa desde o berço, tendo sido
preservado para a mesma, até mesmo durante seus anos de rebeldia (ver Gl
1:13-24). A leitura dos trechos dos capítulos primeiro e segundo da epístola
aos Gálatas e dos capítulos décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios,
fornece-nos várias outras provas menos decisivas, como aquelas aqui
mencionadas, em defesa do apostolado de Paulo.
Fonte:
http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda10.htm
A Igreja em Antioquia 11:19-30
Atividades de Paulo e Barnabé
Esta seção parece dar prosseguimento ao trecho de Atos 8:4,
porquanto temos aqui a reiteração da declaração que a igreja foi dispersa, em
face das perseguições que começavam a ficar mais severas. O autor sagrado, mui
provavelmente, se alicerçou em alguma fonte informativa da igreja cristã de
Antioquia e ele teria interrompido para falar-nos sobre a conversão de Saulo de
Tarso (baseado em uma fonte informativa paulina), bem como sobre as atividades
de Simão Pedro, que deram inicio, oficialmente, à igreja cristã gentílica,
narrativas essas quase certamente fundamentadas em uma fonte informativa
derivada de Jerusalém-Cesaréia. (Ver At 8:5 - 11:18).
O livro de Atos, a partir deste ponto, começa a expandir a
narrativa sobre as várias atividades que constituíram a missão da igreja cristã
entre os gentios, através das quais o cristianismo se tornou instituição
verdadeiramente universal, para jamais retornar ao provincialismo do judaísmo.
Da mesma forma que as atividades do apóstolo Pedro foram aprovadas pela
igreja-mãe, em Jerusalém, embora houvesse ainda alguma oposição, assim também,
na presente seção, a missão da igreja de Antioquia, entre os gentios, foi
abençoada por Barnabé. Presumivelmente, pois, também foi afirmada pela igreja
de Jerusalém, visto que Barnabé era representante da mesma. O autor sagrado,
por conseguinte, esforça-se aqui por mostrar-nos que a igreja cristã dera um
passo avante em unidade, e não de modo faccioso, dividido.
A história de Cornélio e seus familiares, bem como dos
primórdios da igreja cristã em Cesaréia, foi apresentada de maneira dramática;
mas, neste ponto, os inícios igualmente importantes do cristianismo, em
Antioquia, são expostos como fatos consumados.
Paulo já estava agindo, levantando congregações cristãs na Síria
e na Cilícia (ver Gl 1:21), tendo sido o verdadeiro originador da missão cristã
entre os gentios, embora o livro de Atos não nos dê essa impressão, posto que a
história de Cornélio e Pedro representa o início oficial da missão
evangelizadora entre os povos gentílicos, provavelmente porque foi através
desse incidente que a igreja-mãe, em Jerusalém, deu sanção oficial à mesma. Ou
talvez tenha ocorrido simplesmente que Lucas não estava informado sobre os
muitos anos de labor de Paulo, na Síria e na Cilícia, antes desse incidente em
Cesaréia.
O inicio da igreja cristã de Antioquia não se deveu aos esforços
de Paulo, mas antes, de algum irmão cujo nome não é dado, que fora forçado a
fugir de Jerusalém, o qual, tendo chegado à região de Antioquia mui
naturalmente continuou falando a respeito do Senhor Jesus, não tendo seguido a
norma de falar exclusivamente aos judeus (ver o vs. 19). O vigésimo versículo
não deixa perfeitamente claro se esses discípulos, cujo nome não nos é dado,
eram judeus helenistas, de Jerusalém, que haviam sido forçados a fugir por
causa das perseguições, ou eram nativos de Chipre e Cirene, provavelmente
judeus helenistas que haviam estabelecido ali residência permanente. Esta
última possibilidade parece mais provável.
A passagem de Atos 13:1 parece indicar, de forma bem definida,
que se tratava de judeus cristãos, residentes permanentes em áreas ocupadas por
gentios, aqueles que foram os responsáveis pela evangelização de Antioquia e
redondezas. Por conseguinte, o apóstolo Paulo não foi o único fundador do
cristianismo gentílico; a despeito do que, o grande espaço que Lucas dedica a
ele, nessa história, demonstra, acima de qualquer dúvida, que Paulo era
considerado a força mais poderosa do evangelismo entre os gentios. Não se há de
duvidar que importante parte das atividades do apóstolo Paulo, em alguns
territórios, se alicerçava em igrejas cristãs já fundadas, não sendo um
trabalho inteiramente pioneiro.
11:19 Aqueles, pois, que
foram dispersos pela tributação suscitado por causa de Estêvão, passaram até a
Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente
aos judeus,
Neste ponto tem continuação a narrativa interrompida no trecho
de Atos 8:4, a fim de que fossem feitas as inserções do material concernente à
conversão de Saulo de Tarso e do material concernente ao início oficial da
missão cristã entre os gentios, por parte de Simão Pedro. (Ver a lição 10).
Fenícia. O território que ficava nas costas orientais do mar
Mediterrâneo, e cobria cerca de duzentos e quarenta quilômetros entre os rios
Litani e Arvade (modernamente Líbano Latáquia do Sul). Esse lugar é mencionado
exclusivamente no N.T. como lugar de refúgio para os cristãos perseguidos, os
quais fugiram de Jerusalém por causa da perseguição que rebentou logo após o
assassínio de Estêvão (ver At 11:19). Foi também o território através do qual
passaram Paulo e Silas, em sua jornada de Samaria a Antioquia. (Ver At 15:3).
Posteriormente, o apóstolo Paulo aportou na costa da Fenícia, perto de Tiro, em
sua viagem a Jerusalém. (Ver At 21:2,3). Nos tempos do Senhor Jesus, a Fenícia
era reputada como a região costeira em redor de Tiro e Sidom. (Ver Mt 15:21 e
Lc 6:17). E os habitantes da região, que incluíam gregos, eram considerados
«sírios-fenícios» (ver Mc 7:26).
Nos tempos do A.T., esse território era denominado, pelos
hebreus, «Canaã» (ver Is 23:11). A palavra «cananeu» significa comerciante, e
mui provavelmente esse foi o nome que os habitantes do lugar aplicaram a si mesmos.
(Ver Gn 10:15). A origem dessas populações tão dadas às coisas do mar é
extremamente obscura; mas sabemos, com base nos escritos de Heródoto (1.1.
11.89), que eles ali chegaram provenientes da área do golfo persa, através do
mar Vermelho e primeiramente erigiram a cidade de Sidom. As principais cidades
desse território eram Trípolis, Biblis, Sidom, Tiro e Berito. A área é fértil,
a começar pelas terras altas no sopé do monte Líbano e descendo lentamente para
o mar. Ocupava um lugar muito cobiçado para o comércio, desde os tempos mais
remotos que se conhecem. Diz Plínio (L. 5, cap. 12) que a Fenícia se tornara
famosa pela invenção das letras, das constelações e das artes navais e da
guerra.
O território era conhecido por sua religião idolatra, o que foi
condenado por Elias (ver I Rs 18-19) e por Isaías (ver Is 65:11). A
arqueologia, quando do descobrimento dos textos de Ras Shamra, demonstrou que
ali imperava o politeísmo, bem como uma mitologia natural centralizada ao redor
de Baal, que também era conhecido pelo nome de Moloque (que significa «rei»),
do deus-sol Sapis e deQuesepe, uma divindade pertencente ao submundo. Cultos
surgidos posteriormente misturaram diversas ideias pertencentes a outras
culturas, mas, de maneira geral, a área era estritamente pagã. Foi em um lugar
assim, pois, que agora chegava o cristianismo.
Chipre. Trata-se da terceira maior ilha do mar Mediterrâneo, com
238 quilômetros de comprimento e 24 a 64 quilômetros de largura.Ali nasceu
Barnabé. A história registrada menciona Chipre desde 1500 A.C. Diversos povos,
entre os quais os egípcios, os fenícios, os gregos e os romanos, nela habitaram
em estágios vários de sua história. Os missionários cristãos nela penetraram,
pela primeira vez, através de uma de suas mais excelentes cidades portuárias,
Salamina. Ainda existe um grande aqueduto nesse local, o qual era suficiente
para suprir de água uma cidade com cerca de cem mil habitantes. Ali medrava
grande população judaica, nos dias de Paulo, o que fica demonstrado pelo fato de
haver bom número de sinagogas na cidade. O cristianismo lançou ali raízes
firmes. Acredita-se que Barnabé foi martirizado na ilha de Chipre, em Salamina.
Quando do concilio de Nicéia (325 D.C.), três bispos vieram de Chipre como
representantes das igrejas dali, o que nos mostra até que ponto o cristianismo
já se desenvolvera na ilha. Chipre parece nunca ter sido densamente povoada,
pois Plínio alistou apenas quinze centros populacionais.
Antioquia. Essa cidade, localizada às margens do rio Orontes,
foi o berço das missões cristãs. Era conhecida como Antioquia da Síria, a fim
de ser distinguida de Antioquia da Pisídia. (Ver At 13:14). Antioquia da Síria
foi fundada em cerca de 300 a.C. e cresceu a ponto de contar com numerosa
população nos tempos de Paulo, incluindo muitos judeus, os quais, desde tempos
remotos haviam obtido o direito de cidadania. Durante o período das guerras dos
Macabeus, muitas famílias judaicas se estabeleceram em Antioquia. Na época de
Paulo, era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância
numérica apenas para Roma e Alexandria. Os romanos fizeram-na capital da
província romana da Síria.
Paulo começou e terminou ali a sua segunda viagem missionária.
Não sabemos exatamente quão grande era a cidade nos dias de Paulo, mas, à base
da informação dada por Crisóstomo, deve ter contado com uma população de cerca
de oitocentos mil habitantes, em 300d.C. A atual Antikiyeh assinala o local da
cidade antiga, mas é comparativamente pequena, cobrindo apenas pequena parte da
área original. As escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do
passado, algumas das quais anteriores à era cristã. O circo, um dos maiores dos
tempos romanos, a acrópole, numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos, têm
sido descobertos. Belos pisos de mosaico, que datam do período apostólico até o
século VI D.C., também têm sido descobertos. O Caronion (busto de Caron, deus
grego mitológico, que transportava as almas para o outro lado do rio Estige),
de cerca de 170 A.C, com cinco metros e pouco de altura, entalhado em uma
penedia de pedra calcária, a nordeste da cidade, continua visível, embora
bastante estragada pelas intempéries. Nos dias de Paulo certamente ainda era um
marco notável. Mais de uma vintena de edifícios cristãos tem sido ali
descoberta, embora nenhuma dessas construções date dos dias apostólicos. O
famoso Cálice de Antioquia foi descoberto ali por alguns trabalhadores que
cavavam um poço, em 1910. No início foi declarado pertencente à última parte do
século I D.C, e alguns chegaram a imaginar que fosse o cálice original em que
Cristo serviu a Ceia. Há nele gravadas efígies que representam Cristo e os
apóstolos. A maioria das autoridades concorda que se trata de um produto da
primitiva arte cristã, datando entre os séculos II e VI de nossa era.
Antioquia sobre o Orontes era sede do legado imperial da
província romana da Síria e Cilícia, e aparecia como a capital do oriente.
Josefo, o historiador judeu do tempo dos apóstolos, diz-nos que era a terceira
maior cidade do império romano, perdendo em importância somente para Roma e
Alexandria. A grande maioria da população era síria, embora houvesse numerosa
colônia judaica. Sua cultura era tipicamente greco-helenista. Seu porto era
Selêucia (At l3:4), a qual era reputada cidade comercial e centro marítimo. Não
muito distante dali ficava Dafné, quartel-general do culto de Apolo e Artêmisa,
culto esse que se tornou famoso por sua degradação. Isso era tanto verdade que
Juvenal, ao queixar-se da degradação moral que invadia Roma, disse que «...o
Orontes sírio desaguou no Tibre» (Sátiras III. 62). O centro da igreja cristã
passou de Jerusalém, seu berço original, para Antioquia da Síria, seu centro
gentílico, pois a igreja cristã, cada vez mais, se foi tornando uma instituição
gentílica. A tradição associa o apóstolo Pedro a essa cidade, considerando-o
primeiro de seus bispos. Nomes ilustres posteriores, associados a essa cidade,
foram Inácio e João Crisóstomo,ambos chamados bispos de Antioquia. Crisóstomo
foi grande escritor de comentários bíblicos e exerceu notável influência sobre
o desenvolvimento doutrinário da igreja cristã.
A cidade de Antioquia foi fundada por Seleuco Nicator, um dos
generais de Alexandre, em 300 A.C, que lhe deu nome em honra a seu pai,
Antíoco. Antíoco havia devastado e poluído a cidade de Jerusalém, mas os seus
sucessores, de conformidade com o que diz Josefo («Guerras dos Judeus» 1.7,
cap. 3, seção 3), foram mais liberais, tendo criado uma boa atmosfera para o
desenvolvimento do judaísmo naquele lugar; e isso teria atraído a muitos
judeus, até que, finalmente, Antioquia se tornou grande centro da erudição
judaica, bem como cidade onde havia numerosa colônia judaica. (Ver Talmude Hieros.
Kiddishin, foi. 64.4). Com base nessa circunstância, o caminho ficou preparado
para a entrada e o crescimento do cristianismo em Antioquia.
«...não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos
judeus...» «...tão pouco compreendida foi a comissão de Cristo, para que se
pregasse o evangelho a todas as nações, embora ela fosse tão clara; ou então
assim foi ordenado pela providência divina, que embora devesse primeiramente
ser pregado o evangelho a eles, isso perdurasse por pouco tempo apenas...» (John
Gill, in loc). Tal tipo de atividade era apenas de esperar-se da parte de quem
abandonara Jerusalém, porquanto o incidente de Cesaréia, que envolveu o
apóstolo Pedro e a família de Cornélio, que assinalou o início da missão cristã
entre os gentios, ainda não se tornara suficientemente conhecido ao redor.
11:20 Havia, porém, entre
eles alguns cíprios e cirenenses, os quais, entrando em Antioquia, falaram
também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus.
«...Cirene...» Trata-se de um porto no norte da África, fundado
pelos dórios, rico em várias mercadorias, como trigo, lã e tâmaras. Tornou-se
parte integrante do império ptolemaico no século III A.C. Em cerca de 96 A.C.
foi doado a Roma, tendo-se tornado província romana em 74 A.C. Josefo, tomando
por empréstimo uma informação de Estrabão, diz-nos que a colônia judaica era
ali encorajada e que a população judaica foi crescendo até constituir um dos
quatro principais grupos étnicos da cidade. (Ver Antiq. xiv. 7.2). Simão, que
levou a cruz do Senhor Jesus, era nativo desse lugar, segundo lemos em Mc 15:21
e seus paralelos, nos demais evangelhos. Houvesse representantes dessa cidade
na multidão no dia de Pentecoste (ver At 2:10), e, evidentemente, em Jerusalém,
antigos habitantes deCirene tinham a sua própria sinagoga (ver At 6:9).
«...falavam também aos gregos...» Talvez não tenham sabido
acerca da obra de Paulo na Síria e na Cilícia e nem acerca das atividades de
Pedro em Cesaréia, mas sentiam o mesmo impulso evangelístico, que os proibia
falar exclusivamente aos judeus. O entendimento que possuíam sobre o caráter
universal da mensagem de Cristo, sobre o fato de que não havia mais distinções
entre judeus e gentios, e sobre a verdade de que as leis cerimoniais haviam
sido abolidas na igreja cristã, talvez ainda fosse muito fraco; mas o amor de
Cristo os compelia a não limitarem a sua mensagem. Pode-se observar o trecho de
At 13:1, onde Lúcio de Cirene é mencionado juntamente com Barnabé, que era de
Chipre, como um dos líderes da igreja cristã de Antioquia. Lúcio, pois, mui
provavelmente, foi um dos homens que assim pregou, conforme está registrado
aqui. Barnabé, conhecendo pessoalmente o lugar, foi posteriormente comissionado
para investigar os acontecimentos dali e confirmar os resultados. (Ver os vss.
22 e ss.).
11:21 E a mão do Senhor
era com eles, e grande número creu e se converteu ao Senhor.
Pregavam ao Senhor Jesus, ou talvez «Jesus como Senhor» (ver o
vs. 20), conforme a frase pode ser interpretada; pois o evangelho, que
pregavam, na realidade anuncia a todos os homens o senhorio de Cristo, sendo
ele o alvo de toda a existência, o ponto central em torno do qual gira o plano
do evangelho (ver Ef 1:10), e a imagem em que os remidos estão sendo
transformados, sempre crescendo na obediência a ele, ou seja, participando de
sua natureza moral, que os transforma em seres que compartilham de sua própria
essência.
Por causa dessa mensagem, «...a mão do Senhor estava com
eles...», o que quer dizer que o poder e a presença de Deus se manifestavam
entre eles. Ora, isso é «teísmo», em contraste com o «deísmo». O teísmo ensina
que Deus não somente criou todas as coisas, mas igualmente se faz presente em
sua criação, recompensando e punindo aos homens, tendo ou não comunhão com
eles. O deísmo, por sua vez, ensina que apesar de talvez existir uma força
superior, esse poder, que pode ser pessoal ou não, abandonou de vez a sua
criação, e nada acontece, de positivo ou de negativo, por motivo da ação de sua
vontade. Esse «deus» deísta nem pune e nem galardoa aos homens.
A expressão «...mão do Senhor...» é uma expressão hebraica comum
para dar a ideia da assistência de Deus aos homens, fortalecendo-os em sua
vida. (Ver Êx 9:3 e Is 59:1). Podem-se ver outros usos dessa expressão nos
trechos de Lc 1:66; At 4:28,30 e 13:11. Deve-se observar que a palavra
«...Senhor...» torna-se aqui, uma alusão ao Senhor, pois ele é quem é o
«Senhor» dos crentes, para quem todos eles se voltam. Voltar-se para Deus ou
para o Senhor, pois, significa expressar arrependimento e propósito de vida,
centralizados na mensagem do evangelho, o que, naturalmente, conduz os homens a
Deus. Essa expressão também é empregada em outros trechos bíblicos. (Ver At
14:15; 15:3,19; 26:18,20 e I Ts 1:9).
«Sem essa influência acompanhadora, nem mesmo um apóstolo
poderia fazer grande bem; e poderiam homens inferiores esperar serem capazes de
convencer e de converter os pecadores, sem a mesma?» (Adam Clarke, in loc.),
«A 'mão', conforme se sabe bem, significa poder e força.
Portanto, o que Lucas queria dizer é que Deus testificava com a sua ajuda
presente, sobre o fato de que os gentios estavam sendo chamados juntamente com
os judeus, através de sua orientação, para que se tornassem participantes da
graça de Cristo». (Calvino, in loc).
«Através de manifestações visíveis que não podiam ser postas em
dúvida, o Senhor mostrou que era com sua aprovação que deveriam prosseguir
nessa predica...aos gentios». (Alford, in loc).
11:22 Chegou a noticia
destas coisas aos ouvidos da igreja em Jerusalém; e enviaram Barnabé a
Antioquia;
A igreja-mãe, em Jerusalém, atuava como uma espécie de diretora
do movimento cristão inteiro, até esse ponto da narrativa, embora assim não
tenha continuado a ser, após a destruição de Jerusalém, em 70 D.C., quando
parece que Antioquia da Síria e Éfeso se tornaram os novos centros
eclesiásticos principais, apesar de não terem jamais exercido aquela autoridade
moral que evidentemente residira em Jerusalém. Lembremo-nos que os apóstolos
habitavam em Jerusalém, tendo sido comissionados a coordenar a expansão do
ministério cristão. Os apóstolos, pois, sentiam-se responsáveis por todo o
avanço e o desenvolvimento da igreja, e ansiavam para que isso fosse feito
conforme era mister, de maneira aprovada pelo Senhor.
O problema legalista havia causado consternação na igreja-mãe; e
essa quiçá tenha sido uma das razões pelas quais os apóstolos viram ser
necessário enviar Barnabé a Antioquia, a fim de que inspecionasse o trabalho
que ali vinha sendo feito. Essa inspeção e o relatório subsequente seriam então
considerados pelos oficiais da igreja de Jerusalém, e o selo resultante de
aprovação da obra então a «oficializaria». Lembremo-nos que Pedro esteve em
Samaria (oitavo capítulo do livro de Atos) a fim de realizar missão semelhante.
Parece que todas as variegadas expressões da igreja cristã estavam sujeitas a
uma aprovação apostólica direta ou indireta. Essa foi anatureza da missão de
Barnabé, que lhe foi dada pelos apóstolos. Barnabé não figurava entre os doze
apóstolos, mas, quanto à atividade e ao poder, parece ter excedido a maioria
deles; e, a despeito da falta de designação oficial de um deles, parece ter
funcionado na igreja primitiva como apóstolo. Foi a ele, pois, que se confiou
essa missão. E foi uma escolha apropriada, de qualquer maneira, posto ter sido um
judeu helenista, que compreendia o tipo de ministério levado a efeito fora de
Jerusalém e em territórios gentílicos, melhor do que um apóstolo típico. O
poder da influência de Barnabé, e a importância da obra em Antioquia, embora
apresentados de forma um tanto casual aqui, eram evidentes pelo fato de que,
através de sua liderança e labores em Antioquia é que resultará a transferência
do centro da igreja de Jerusalém para Antioquia.
Barnabé parece ter exercido considerável influência sobre Paulo,
e desde o princípio tiveram várias associações, tendo viajado juntos em
jornadas missionárias. Paulo não demorou, entretanto, a ultrapassar a Barnabé
em poder e autoridade, pois ele era, verdadeiramente, o apóstolo dos gentios.
No entanto, Barnabé participou da formação de Paulo, pois é com frequência que
um personagem de menor envergadura se mostra importantíssimo na formação de um
homem verdadeiramente grande. Barnabé, tal como Pedro e a maioria dos oficiais
da igreja de Jerusalém, tinha seus preconceitos judaicos pois era um «levita»
(At 4:36), estando, presumivelmente, intimamente associado à corrente principal
do pensamento judaico; mas foi capaz, a exemplo de Paulo e Pedro, de
desligar-se desses preconceitos, tendo-se feito poderoso ministro do evangelho
entre os gentios. Contudo, à semelhança de Pedro, em ocasião posterior, fez
algumas concessões desnecessárias às pressões dos judaizantes, e,
temporariamente pelo menos, negou o seu conhecimento recém-adquirido sobre como
Deus não faz acepção de pessoas. Por causa desse retrocesso, tanto Barnabé como
Pedro foram severamente criticados por Paulo. (Ver Gl 2:13).
A igreja-mãe de Jerusalém agia como coordenadora e inspetora da
obra inteira do cristianismo. Alguns intérpretes têm considerado a questão da
necessidade de inspeção por parte dos apóstolos, direta ou indireta, sobre a
obra entre os gentios, pensando que isso teria sido um tema «artificial» de
Lucas, isto é, contradito por tudo quanto se sabe acerca da autoridade
apostólica, acerca de como se expandiu a igreja, antes da destruição de
Jerusalém. O poder da igreja-mãe, entretanto, era perfeitamente real, embora a
autoridade dos apóstolos em nada se assemelhasse à autoridade dos «bispos»,
como se vê hoje em dia. Pois os apóstolos agiam muito mais como uma força
orientadora, aconselhadora. O trecho de Gl 2:11-13 e os decretos apostólicos,
do décimo quinto capítulo do livro de Atos, deixam claro que a igreja de
Jerusalém realmente reivindicava possuir autoridade sobre as igrejas de outras
regiões, incluindo a Síria e a Cilícia.
«Realmente não há nenhuma dificuldade em supormos que Barnabé,
que já era figura proeminente da igreja de Jerusalém, tenha sido enviado para
investigar as atividades de seus compatriotas cipriotas». (G.H.C. Macgregor, in
loc).
A seleção de Barnabé, para levar a efeito essa obra, mostra-nos
bem claramente que a igreja de Jerusalém não queria usar de severidade, mas
antes, de gentileza e de cautela, para com os labores cristãos entre os
gentios.
11:23 o qual, quando
chegou e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortava a todos a perseverarem no
Senhor com firmeza de coração;
«A astuciosa voluntariedade de Satanás é bem conhecida. Por
isso, assim que ele percebe alguma porta aberta para o evangelho, esforça-se,
por todos os meios, por corromper ali o que é sincero... Barnabé foi enviado a
fim de fazer os crentes avançarem nos princípios da fé, para colocar em ordem
certas coisas, para dar alguma forma ao edifício que fora iniciado, a fim de que
houvesse um estado ordeiro na igreja».
«...Barnabé nada queria se não a glória de Cristo. Pois, ao
dizer que viu a graça de Deus e que os exortou a avançarem, depreendemos que
haviam sido bem ensinados 'aqueles crentes'. O regozijo foi um testemunho de
sincera piedade. A ambição sempre se mostrará invejosa e maliciosa; e é por
isso que muitos buscam ser louvados ao reprovarem a outros, posto que almejam
mais a própria glória do que a glória de Cristo. Porém, os servos fiéis de
Cristo devem regozijar-se (a exemplo de Barnabé) ao virem o progresso do
evangelho, sem importar através de quem Deus queira que o seu nome se torne
conhecido». (Calvino, in loc).
Importância do ensino cristão. Uma das importantes lições que
nos dá este versículo é que, inerente ao tipo de ministério que Barnabé efetuou
ali, havia a preocupação de instruir. Não se contentou ele em deixá-los onde os
encontrara. A aura do reavivamento sempre diminui, e então chega a importante
obra do ensino e do arraigamento, ou seja, da instrução sobre «todas as coisas»
que o Senhor Jesus ensinara, para serem praticadas. É deveras estranho que
alguns ministros do evangelho pensem ser tão importante e urgente a pregação do
evangelho simples, mas, infelizmente, sem jamais mencionarem a questão da
transformação do crente segundo a imagem do Senhor, quando isso é o coração
mesmo do evangelho, sendo uma verdade de alcance muito maior do que já pudemos
imaginar, por mais que refletíssemos, ignorando, dessa maneira, o ministério do
ensino.
A salvação não consiste meramente em alguém vir a crer e fazer
publicamente uma declaração de fé. Mas consiste em tudo quanto acontece a essa
pessoa, até que ela chegue ao nível da perfeição que há em Cristo Jesus.
Barnabé, entretanto, ensinou que aqueles convertidos precisavam
apegar-se à mensagem com «...firmeza de coração...» «O pregador vira a graça de
Deus, e se regozijara com ela; mas sabia, conforme o sabem todos os verdadeiros
mestres, que é possível à vontade de um indivíduo frustrar essa graça, pelo que
a cooperação do crente, manifesta em uma resolução deliberada e firme, é
necessária para que a boa obra seja levada a bom termo». (E.H. Plumptre, in
loc).
11:24 porque era homem de
bem, e cheio do Espirito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao Senhor.
Deve-se observar, nesta altura do comentário, que as
propriedades especiais de bondade, possuídas por Barnabé, bem como o seu
excelente caráter cristão, são atribuídos ao ministério do Espírito Santo, tal
como fora a eloquência de Estêvão. (Ver At 6:10). Neste ponto aprendemos o que
já sabíamos, isto é, que em qualquer coisa em que um homem se pareça com
Cristo, é porque o seu «alterego», o Espírito Santo, está operando em seu
íntimo, produzindo os diversos aspectos do fruto do Espírito Santo, de acordo com
a lista de suas virtudes, em Gl 5:22,23. Essas são as virtudes positivas da
natureza moral de Cristo, a qual todos os crentes finalmente possuirão em sua
perfeição, porque a perfeição moral, que as Escrituras nos ordenam possuirmos
(ver Mt 5:48), não consiste em mera ausência do pecado. Pelo contrário, é uma
participação ativa e positiva em todas as facetas da natureza de Cristo - o seu
amor, a sua compaixão, a sua bondade, a sua longanimidade, a sua graça, a sua
alegria, a sua paz, etc. Somente o Espírito de Deus pode assim transformar um
homem, de modo a vir ele a participar, plena e verdadeiramente, dessas
virtudes. O desígnio de Deus é que, eventualmente, todos os crentes venham a
participar da completa imagem de Cristo, quando as suas virtudes tornar-se-ão
verdadeiramente completas em cada crente. O processo será eterno.
«Ele é santo porque o Espírito de Santidade habita nele: não
conta apenas com algumas visitas ou retiradas transitórias do Espírito; mas
este reside em sua alma e enche o seu coração. O Espírito Santo é a luz do
entendimento; é a 'discriminação' do juízo. É o propósito fixo e a
'determinação' da 'vontade' reta. É a 'pureza', seu amor, alegria, paz,
gentileza, bondade, mansidão, controle próprio e fidelidade em suas afeições e
paixões. Em suma, era o controle soberano sobre o seu coração; governa todas as
paixões e é o motivo e o princípio de toda a ação justa. Ele é cheio de fé.
Implicitamente dava crédito a seu Senhor: sabia que ele não pode mentir que a
sua palavra não falha jamais; esperava não somente o cumprimento de todas as
promessas, mas também todo grau de ajuda, de luz, de vida e deconsolo, que
Deus, em qualquer ocasião, julgasse ser necessário para a sua igreja. Orava
pela bênção divina e confiava que não estava orando em vão. Sua fé jamais
fracassou, porque se apegava no Deus que não pode mudar. Contemplai ainda,
pregadores do evangelho!um ministro original de Cristo. Emulai a sua piedade, a
sua fé e a sua utilidade». (Adam Clarke, in loc).
A menção do importante papel desempenhado por Barnabé, na igreja
cristã primitiva, é feita por Clemente, em sua obra RedactorAntijudaicus, pág.
109, onde se percebe como a sua reputação perdurou além de sua vida terrena,
tendo sido famoso mesmo em séculos posteriores, inteiramente à parte dos
registros do N.T.
Barnabé era «...homem bom...», no sentido de possuir «coração
amplo», «mente liberal», «generosidade», e não meramente como quem obedecia a
certo conjunto de regras. Ele se avantajava acima do estreito sectarismo
judaico, de sua santidade meramente legalista. Não era apenas «justo», conforme
eram considerados os estritos observadores da lei mosaica, mas era «bom» na
manifestação pessoal e fervorosa das graças espirituais. «Sua benevolência
impedia-o, eficazmente, de censurar qualquer coisa que fosse nova ou estranha
entre aqueles pregadores aos gentios. levando-o a regozijar-se no sucesso
deles». (Gloag, in loc).
«...muita gente...» Uma grande multidão foi acrescentada à
igreja cristã, evidentemente para indicar esse aumento, além da menção do
vigésimo primeiro versículo, como resultado direto da presença e do ministério
de Barnabé. Esse tipo de ministério florescente e harmonizador, despido de
inveja, gradualmente foi fazendo de Antioquia o grande centro do cristianismo.
A glória da igreja cristã de Jerusalém foi diminuindo, pois a sua estrela já se
apagava. Mas a estrela da graça de Deus subia sobre Antioquia, e ali o Espírito
de Deus tomou residência. Que tantas pessoas tenham sido adicionadas à igreja,
não é para admirar, posto contarem com ministros como aqueles, ouvindo elas o
evangelho de Cristo, pregado e recebido pelo poder do Espírito Santo.
11:25 Partiu, pois,
Barnabé para Tarso, em busca de Saulo;
Paulo chega a Antioquia; vss. 25 e 26: Desde a sua conversão
Paulo estivera atarefado nas regiões da Síria e Cilícia, e não se há de duvidar
que se mostrara ativo especialmente ao redor de sua cidade natal de Tarso,
pregando o evangelho e estabelecendo igrejas. Por conseguinte, foi ele o
verdadeiro pioneiro da igreja cristã entre os gentios, e o seu ministério
marcou o início real da missão cristã entre os povos gentílicos, embora,
«oficialmente» falando, segundo está registrado por Lucas em seu livro de Atos,
essa distinção tenha sido conferida a Pedro, em sua atividade em Cesaréia,
junto à família de Cornélio.
Desde sua conversão, até sua chegada em Antioquia, cerca de
catorze anos se tinham passado na vida de Paulo, pois diz ele que fora«...para
as regiões da Síria e da Cilícia» (Gl 1:21). E então, apos catorze anos, ele
visitou novamente Jerusalém. A maior parte desse tempo ele passou, mui
provavelmente, em Tarso, para o qual lugar, segundo diz Lucas, ele foi
imediatamente, depois de sua primeira visita a Jerusalém. (Ver At 9:30). Em
Atos 15:41 encontramos a menção à igreja na Síria e na Cilícia, que já estava
estabelecida quando Paulo e Silas ali chegaram, embora não nos seja dito como
tal igreja fora iniciada. Por conseguinte, parece que a narrativa do livro de
Atos deixa em branco um período de catorze anos no ministério do apóstolo
Paulo. Esse hiato se reveste de alguma importância, posto que foi então que
realmente se estabeleceu a missão de evangelização cristã entre os gentios.
Essa omissão, da parte de Lucas, tem deixado os intérpretes
perplexos, embora a maioria usualmente resolva que é melhor seguirmos a
informação que nos é dada pelas epístolas paulinas, e não os informes do livro
de Atos, havendo algumas diferenças nesses relatos. Alguns estudiosos têm
conjeturado que os «catorze» anos de Gl 2:1 deveriam ser «quatro» anos, e que
algum erro primitivo foi feito aqui, ou pelo próprio Paulo ou por algum escriba
primitivo. Contudo, nenhum manuscrito contem o número quatro, pelo que também
esse tipo de interpretação se alicerça inteiramente em conjeturas. Seja como
for, apesar da suposição de que seriam «quatro anos» para fazer á Omissão de
Lucas tornar-se cronologicamente menor, materialmente falando, isso não faz
diferença alguma, porquanto Lucas continuaria não nos fornecendo qualquer
informe sobre o ministério de Paulo durante esse tempo —ou quatro ou catorze
anos. E assim, permanece de pé a principal dificuldade.
A fim de ser preenchido esse período de catorze anos, alguns
estudiosos sugerem que a—a longa lista—sofrimentos, pelos quais Paulopassou,
segundo o registro de II Co 11:23-27, deve ser encaixada dentro desse período,
pelo menos parcialmente. Mas isso, infelizmente, tem de permanecer dentro das
interpretações especulativas. Não sabemos dizer por que Lucas omitiu esse
período do ministério de Paulo; mas o mais provável é que ele simplesmente não
tenha contado com qualquer informe histórico a respeito. Por qual motivo ele
não conversara com Paulo, acerca desse período, ao formular suas anotações,
também não sabemos dizê-lo, posto que, como companheiro de viagens daquele
apóstolo, teria tido fácil acesso a esse material informativo. Alguns talvez
encarem isso como prova que Lucas não foi o autor dessa narrativa histórica, e
isso deve ser considerado como um problema sério. Entretanto, os pontos em
favor da autoria de Lucas em muito contrabalançam essa objeção.
A omissão acerca desse importante período da vida de Paulo, na
história do livro de Atos, pode ter uma implicação positiva, ou seja, que Lucas
não fabricou suas narrativas, meramente pelo uso de certas epístolas paulinas;
antes, se utilizou de outras fontes informativas, ainda que estas fossem
incompletas, em certos casos. Por exemplo, a simples leitura do primeiro
capítulo da epístola aos Gálatas poderia ter levado Lucas a inventar muitas
histórias sobre o ministério «siro-ciliciano» de Paulo. Ao invés disso, no
livro de Atos, o primeiro ministério significativo de Paulo é a sua primeira
viagem «missionária», e At 13:1-14:28. A verdade é que Lucas, valendo-se dos
informes de que dispunha, relatou histórias verídicas, e, embora não completas,
pelo menos têm o mérito de cativar a nossa confiança.
Weiss, seguindo essa linha de raciocínio, apresenta a seguinte
observação: «...um fenômeno da mais elevada importância, em conexão com a
origem das narrativas do livro de Atos. Se porventura fossem fictícias, talvez
baseadas na epístola de Gálatas, certamente encontraríamos algumas histórias
sobre esse período». (Ver History of Primitive Christianity, Macmillan and Co.,
Nova Iorque, I, pág.205).
Embora não possuamos a mais leve informação sobre como Paulo se
manteve ocupado durante esse período, pelo menos sabemos que o seu trabalho foi
significativo, e que, ao lançar-se em sua primeira viagem «missionária», já era
um missionário veterano. «Não podemos insistir demasiadamente sobre o fato de
que o real desenvolvimento de Paulo, tanto como cristão quanto como teólogo, já
estava completo nesse período que é tão obscuro para nos, e que, em suas
epístolas estamos tratando com um homem plenamente amadurecido». (Ibid., I,
pág. 206).
Os dois estiveram juntos em Antioquia pelo espaço de um ano (ver
o próximo versículo). Sobre esse tempo o próprio Paulo nada diz, provavelmente
porque no primeiro e no segundo capítulos de sua epístola aos Gálatas ele se
tenha preocupado mais em narrar os seus contatos com os demais apóstolos, o que
dizia respeito à sua afirmação que ele não obteve sua doutrina em consulta com
eles, mas antes, independentemente, tendo-a recebido diretamente do Senhor
Jesus; por isso mesmo, qualquer menção do fato de que estivera trabalhando com
Barnabé seria incidental para o seu propósito. Com base em Gl 2:11-13 ficamos
sabendo que quatro anos mais tarde Paulo e Barnabé estavam novamente
trabalhando juntos em Antioquia, cidade à qual retornaram depois de terem
completado a primeira viagem missionária (ver At 14:26). Por quanto tempo Paulo
e Barnabé labutaram em Antioquia, antes de se lançarem em sua primeira jornada
missionária, não sabemos precisar; mas a circunstância de que ambos esses
ministros estiveram ali por algum tempo, produziu o fenômeno de grande
desenvolvimento daquela igreja cristã do mundo gentílico, em que Antioquia foi
elevada à posição de nova capital da igreja de Cristo.
«A primeira coisa que Barnabé fez, quando chegou a Antioquia,
foi lembrar-se de Paulo. Sabia que precisava de ajuda, se tivesse de aproveitar
ao máximo as oportunidades que a cidade de Antioquia oferecia à igreja cristã».
(Theodore P. Ferris, in loc).
«Barnabé mui provavelmente sabia que Saulo era vaso escolhido
por Deus (ver At 9:15) para o trabalho entre os gentios. Naturalmente que sabia
do trabalho efetuado por Saulo entre os helenistas de Jerusalém (ver At 9:29),
bem como já recebera notícias de sua obra na Cilícia e na Síria. E, assim
sendo, foi a Tarso ao perceber que precisava de ajuda. 'Não tinha ele coisa
alguma daquela baixeza que não pode tolerar a presença de um possível rival'
(Furneaux). Barnabé reconhecia suas próprias limitações e sabia onde se
encontrava o homem do destino, para aquela crise, o homem que já recebera o
selo aprovador de Deus. O momento e o homem certo se encontraram, quando
Barnabé trouxe Saulo para Antioquia. A porta estava aberta, e o homem estava
preparado, muito mais do que quando o Senhor Jesus o chamara na estrada de
Damasco. Os anos passados na Cilícia e na Síria não haviam sido em vão, pois
ele não estivera indolente... Deus sempre tem um homem preparado para qualquer
grande emergência em seu reino. O convite feito por Barnabé foi simplesmente a
repetição do chamamento de Cristo. Por isso Saulo atendeu ao mesmo».
(Robertson, in loc).
11:26 e, tendo-o achado,
o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e
instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram
chamados cristãos.
CRISTÃOS: grego, «christianós», seguidores de Cristo.
A cunhagem desse vocábulo—cristão—segue a ordem de termos como
«herodianos» (ver Mt 22:16; no grego, «herodianoi», isto é, seguidores de
Herodes) ou «cesarianos» (seguidores de César). Deissman, em sua obra Light
from the Ancient East, pág. 377, dá exemplos do genitivo kaisaros, que também
significa «pertencente a César», tal como o adjetivo comum «cesariano».
A palavra «...chamados...» (no grego, «chrematisai») denota
«obter o nome». O termo «cristão» (no grego, «christianous») se compõe da
palavra grega que significa «Messias» ou «Cristo» (ungido), mais a terminação
latina usual que significa «partidário de». Por conseguinte, em Antioquia,
alguém inventou uma nova palavra, que agora é usada entre nós há quase vinte
séculos. Não é muito provável que os judeus tenham cunhado o termo, pois jamais
teriam elevado a nova seita aplicando-lhe qualquer forma ou derivado da palavra
hebraica «messiah» (ungido). Também é perfeitamente evidente que os próprios
discípulos de Cristo não inventaram essa designação. O mais provável é que
tenha sido criação dos gentios de Antioquia, familiarizados como estavam tanto
com o latim como com o grego, sabendo que os discípulos de Jesus chamavam-no
pelo título de «Cristo». Usaram tal palavra, pois, e latinizaram-na um tanto, a
fim de dar-lhe o sentido de «partidários de», «seguidores de», «aderentes de»
Cristo. Os judeus costumavam chamar os cristãos pelo apelido de «nazarenos», o
que, para eles, era termo depreciativo, porquanto Nazaré era uma aldeia de
ínfima significação. Nada de bom se esperava que procedesse dali (ver Jo 1:46),
quanto menos a maior de todas as figuras humanas, o próprio Messias... Assim,
pois, os judeus usavam esse apelido por derrisão, sarcasticamente. Os próprios
crentes se chamavam de aprendizes (discípulos) ou «seguidores» de Cristo.
Existem três empregos diferentes dessa palavra, nas páginas do
N.T. a fim de indicar os seguidores de Cristo. O primeiro emprego é o que aqui
encontramos, utilizado pelos gentios hostis, a fim de designarem os seguidores
da nova religião. Em At 26:28 encontramos o segundo emprego, evidentemente como
termo depreciativo, usado por Agripa. E a passagem de I Pe 4:16 emprega essa
palavra, referindo-se à comunidade cristã. Mui provavelmente, quando essa
epístola petrina foi escrita, os crentes já usavam livremente a designação
cristãos para indicarem a si mesmos, embora a perseguição de que Pedro fala,
contra os cristãos, provavelmente subentende que Roma perseguia os «cristãos»
como indivíduos desprezíveis, usando a palavra em sentido pejorativo. Pedro,
pois, escreveu que se alguém viesse a sofrer como «...cristão...», não deveria
encarar com alarme tal perseguição, pois isso era, na realidade, sinal de que
estava sendo elevadamente favorecido pelo Senhor. Pois, por essa altura
primitiva de sua história, era motivo de ufania para os crentes o fato de serem
chamados «cristãos».
Portanto, foi em Antioquia que esse honroso título de «cristão»
passou a ser usado para designar os crentes em Jesus. O famoso Inácio foi bispo
de Antioquia, e mais tarde sofreu martírio em Roma. E em Antioquia João
Crisóstomo pregava seus poderosíssimos sermões, tendo escrito os seus notáveis
comentários naquela cidade. Antioquia, pois, se tornou famosa dentro da
tradição cristã, tendo servido de capital do movimento cristão quando se apagou
a estrela de Jerusalém.
Como curiosidade histórica, é possível que muitos pagãos tenham
chamado os crentes de «crestãos», e não de «cristãos», não estando bem
familiarizados com o conceito hebreu de «Cristo» ou «Messias», mas antes,
confundindo essa palavra com termo similar, «chrestus»,que é nome próprio até
hoje bastante comum na Grécia e significa «bom». Alguns pagãos provavelmente
pensavam que os discípulos eram os «bons» («chrestianos») e não «cristãos» ou
«seguidores de Cristo». Esse parece ter sido o ponto de vista de Suetônio
(historiador romano), quando disse que os judeus haviam feito perturbações em
Roma, sob a «instigação de Cresto» (ver Cláudio, 25). Ver também Tertuliano,
Apologia, cap. 3, que exibe esse uso do termo).
«Cristão, por conseguinte, é a mais elevada designação que um
ser humano qualquer pode ter à face da terra; e recebê-la da parte de Deus,
como prece que sucedeu, torna-a um título gloriosíssimo!» (Adam Clarke, in
loc).
Nos escritos dos pais da igreja cristã há diversos usos
primitivos desse vocábulo, o que mostra como tal título veio a tornar-se, desde
quase o princípio, uma designação honrosa, ainda que originalmente tivesse sido
palavra cunhada pelos pagãos de Antioquia. (Ver Inácio, Epístolas, Rm 3:3; Mgn.
iv; Ef 11:2; Mart. Plvc. x e xii: 1,2). Nos escritos de Gregório (Naz. Orat. iv
(sobre Jul. 1 86, par. 114), ficamos sabendo que os judeus costumavam fazer
objeção a esse nome como designação para indicar os seguidores de Jesus, e
preferiam chamá-los «galileus».
«...Cristo deixou surgir esse nome... como um pendão, mediante o
que se viesse a conhecer, por todo o mundo, que havia um povo cujo capitão era
Cristo, o qual glorificava ao seu nome». (Calvino, in loc).
11:27 Naqueles dias
desceram profetas de Jerusalém para Antioquia;
11:27 - Vss. 27-30 - A visita a Jerusalém, ao tempo da fome.
Esta breve seção tem produzido toda sorte de problemas
históricos e de interpretação. Parece-nos que se por essa altura a igreja
cristã de Antioquia enviava bens materiais a Jerusalém, a fim de ajudar a
aliviar a situação de pobreza a de fome que ali imperava, que já se dera a
mudança de poder, de Jerusalém para Antioquia, ou, pelo menos, que estava
ocorrendo então essa transferência do poder central de Jerusalém para aquela
cidade. Alguns eruditos, entretanto, têm duvidado da autenticidade de toda essa
seção, com base nos seguintes argumentos:
1. Nenhuma profecia, segundo lemos aqui, teria sido feita, tudo
não passando de uma reiteração da narrativa de At 21:10,11, onde encontramos o
mesmo profeta, Ágabo, em operação. Essa narrativa, pois, no presente texto,
teria sido criação do autor sagrado, que simplesmente duplicou eventos com
relação a Ágabo. Observe-se que naquela seção há certa similaridade de
conteúdo, o que tem dado origem a esta sugestão.
2. Alguns estudiosos duvidam da autenticidade histórica desta
seção, visto que evidentemente ela não é aludida na epístola aos Gálatas, e nem
em qualquer das demais epístolas paulinas, como parte das atividades de Paulo.
A visita descrita por esse apóstolo, no trecho de Gl 1:18-24, corresponde ao
que se lê em At 9:26-29, ao passo que o informe de Gl 2:1-10 corresponde ao que
está registrado em At 15:2-29, visita essa que, ordinariamente, e chamada de
«visita ao concilio».
3. A visita aqui historiada —At 11:27-30 —aparentemente teria
ocorrido entre as duas outras visitas ali mencionadas; mas quanto a isso não
contamos com qualquer registro nas epístolas paulinas. Os intérpretes que assim
dizem pensam que é fatal, para esta seção que ora comentamos, a observação de
que a epístola aos Gálatas certamente teria algum registro sobre essa visita, se
realmente ela houvesse ocorrido, posto que o apóstolo Paulo ansiava por
registrar todas as suas atividades relacionadas a Jerusalém, porquanto queria
demonstrar que recebera o evangelho independentemente dos outros apóstolos, e,
sim, diretamente da parte do Senhor Jesus, o que o qualificava a ser um
apóstolo, tal como aqueles outros, devido ao fato de que o Senhor tratara
diretamente com ele, aparecendo-lhe pessoalmente, do mesmo modo que fizera com
os demais apóstolos. Ora, dizem ainda os mesmos intérpretes, que se tivesse
havido alguma outra visita a Jerusalém, que não foi mencionada, poder-se-ia
imaginar que, nessa oportunidade, Paulo poderia ter-se consultado com os
apóstolos, e que o seu evangelho era uma mensagem emprestada de outros.
Certo número de soluções tem sido oferecido para dar solução a
essas dificuldades, a saber:
1. Alguns estudiosos supõem que o incidente aqui registrado é
historicamente autêntico, mas que tenha chegado ao conhecimento de Lucas como
vaga reminiscência, tendo sido escrito fora de sua devida posição cronológica,
pois sua posição certa seria após a narrativa do décimo quinto capítulo de
Atos. Isso faria do registro uma reiteração histórica de sua ultima visita,
posta ali por antecipação. Poderia ter sido uma visita posterior ao tempo que
parece ser sugerido pela sua posição dentro do livro de Atos, e como resultado
da admoestação feita pelos apóstolos, quando do concilio de Jerusalém, para que
Paulo e seus colegas de ministério entre os gentios, segundo ele mesmo diz,
«...nos lembrássemos dos pobres...» (Gl 2:10).
2. Alguns outros estudiosos pensam que essa anterior viagem e
missão realmente teria ocorrido, e que Paulo tivera a intenção de ir também.
Mas, por alguma razão, para nós desconhecida, somente Barnabé pôde fazê-lo.
Lucas, tendo encontrado em seu material informativo, a ideia de que Paulo
também fora escolhido para fazer essa viagem, mui naturalmente teria concluído
que Paulo também participara da viagem, e assim escreveu, embora esse apóstolo,
realmente, não tenha feito a citada viagem.
3. A narração sobre essa visita da fome e a narração sobre a
«visita ao concilio», na realidade, seriam uma reiteração, isto é, descrições
sobre o mesmo acontecimento, embora baseadas em fontes informativas diferentes,
narradas de diferentes pontos de vista. Uma dessas fontes informativas
salientaria a generosidade da igreja de Antioquia (a que está por detrás da
«visita da fome», ao passo que a outra frisaria o debate havido, em Jerusalém,
sobre a legitimidade do cristianismo gentílico, o qual, incidentalmente,
incluiu eventos similares àqueles aqui historiados. A primeira fonte
informativa estaria na igreja de Antioquia, e a localidade da segunda (ver o
décimo quinto capítulo do livro de Atos) seria a igreja de Jerusalém. Um bom
número de críticos modernos aceita essa explicação para o problema, mas as
explicações seguintes podem ter também alguma dose de verdade, contrárias ao
ponto de vista aqui exposto.
Essa posição acima faz o trecho de Gl 2:1-10 e o décimo quinto
capítulo do livro de Atos exporem a mesma questão, e, portanto, deixa sem
explicação as sérias discrepâncias existentes entre esses dois textos. Por isso
mesmo tem sido oferecida ainda uma outra solução: A passagem de Gl 2:1-10
deveria ser identificada com a «visita da fome», e não com a visita ao
concilio. As duas ocorrências, portanto,seriam distintas, tal como Lucas
registrou. Deve-se observar, na epístola aos Gálatas, que Paulo assevera que
subiu a Jerusalém por revelação (ver Gl 2:2), e isso poderia ser uma referência
à inspirada advertência dada ao profeta Ágabo, em At 11:28, concernente à fome
que haveria de prevalecer. As ações de Paulo e Barnabé, por conseguinte, também
estariam conforme a injunção que lhes recomendava se lembrarem dos pobres (ver
Gl 2:10). A visita da fome, feita por Paulo, pois, teria sido feita em
antecipação à posterior e maior «coleta para os santos», o que, pelo menos em
parte, resultou das decisões tomadas pelo concilio de Jerusalém. Outrossim, a
conduta duvidosa de Pedro em Antioquia, ao recusar-se a comer em companhia de
gentios, por causa das pressões que sofria da parte dos judaizantes, torna-se
muito mais compreensível, se isso teve lugar antes do concilio formal de
Jerusalém, que tratou exatamente da posição dos irmãos gentios. (Ver G 2:11 e
s.). Assim, pois, fica uma vez mais comprovado que o trecho de Gl 2:1-10 mais
provavelmente descreve a «visita da fome», e não a «visita ao concilio».
Essa posição é assumida por Turner, em Chronology of the New
Testament, (Dictionary of the Bible), James Hastings, Nova Iorque, 1900; e por
Sir William M. Ramsay (evidentemente o primeiro erudito de fama a sugerir essa
ideia), como também por C. W. Emmet, em um ensaio intitulado The Beginnings of
Christianity, II, págs. 277 e s. Assim sendo, o segundo capítulo da epístola
aos Gálatas descreveria, se essa posição está certa, um debate de natureza
particular e informal, e não um debate publico, que teria a natureza da
ocorrência descrita no décimo quinto capítulo do livro de Atos.
Mas ainda existem outros problemas de cronologia, a saber:
Josefo (ver Antig. xx.5,2) informa-nos que houve uma fome em
cerca de 46 d.C. Isso dataria a «visita da fome», feita por Paulo a Jerusalém.
A visita a Jerusalém, conforme aparece mencionada no trecho de Gl 2:1, teria
ocorrido «catorze anos» antes, de acordo com o cômputo inclusivo, que era o
método antigo de contar uma série qualquer, situaria a data em 33 d.C. E a
conversão de Paulo teria sido três anos antes (ver Gl 1:18), ou seja, em 31
d.C., segundo ainda o mesmo método de cômputo inclusivo. A crucificação teria
ocorrido em cerca de 29 d.C. Talvez, entretanto, os «catorze anos» aludidos em
Gl 2:1 sejam «quatro anos», segundo alguns estudiosos conjecturam, em que um
erro primitivo teria sido preservado em todos os manuscritos bem conhecidos da
epístola aos Gálatas, em qual caso a cronologia seria a seguinte:
1. A crucificação 29 D.C.
2. A conversão de Saulo 31 ou 39 D.C.
3. Primeira visita, após três anos 33 ou 42 D.C.
4. «Visita da fome», após catorze anos 46(?) D.C.
5. «Visita ao concilio» 49 D.C.
A primeira viagem missionária de Paulo (em cerca de 47 ou 48
d.C), que é descrita no décimo terceiro capítulo do livro de Atos, mui
provavelmente teria ocorrido entre a segunda e a terceira visitas. Foi durante
esse mesmo tempo que, mui provavelmente, foi escrita aepístola aos Gálatas.
Posto que nem Lucas e nem Paulo resolveram dar uma narrativa cronológica
completa, e posto que talvez haja alguma deslocação de material, isto é, que
nem sempre tenha sido seguida uma ordem estritamente cronológica na
apresentação das narrativas, a nós foi dado conhecer apenas alguns dentre
muitos acontecimentos. Questões como sequências exatas permanecem em dúvida,
não havendo forma totalmente adequada e Isenta de dúvidas para examinarmos
essas questões agora, passados mais de mil e novecentos anos.
Levando-se em conta todas as considerações, entretanto, parece
melhor identificarmos a «visita da fome» com a narrativa do segundo capítulo da
epístola aos Gálatas, ao passo que a visita ao concilio como algo realizado em
data posterior. A «visita da fome», pois, é assim corretamente distinguida por
Lucas da visita de Paulo ao concilio de Jerusalém, registrado no décimo quinto
capítulo do livro de Atos. A «visita da fome», por conseguinte, assinalou uma
crise real na carreira de Paulo como apóstolo, visto que foi então que tiveram
lugar as acerbas disputas, com os irmãos de tendências legalistas, em
Jerusalém. Mas a ação de Paulo foi posteriormente justificada, quando do
concilio de Jerusalém, conforme o registro do décimo quinto capítulo do livro
de Atos. Nessa oportunidade, contudo, Paulo se tornou realmente bem conhecido,
e o seu ministério entre os gentios foi amplamente reconhecido por todos, como
merecedor de aprovação.
Os «...profetas...», na igreja cristã primitiva, evidentemente
eram homens dotados de considerável aptidão psíquica, conhecidos por suas
declarações inspiradas, pelo que também eram distinguidos dos pregadores
ordinários das igrejas. Eram reputados, quanto à categoria espiritual,
imediatamente depois dos apóstolos, no exercício dos dons espirituais, segundo
se depreende de trechos como I Co 12:28; Ef2:20; 3:5; 4:11 e Ap 22:9, No livro
de Atos os profetas são aludidos em At 13:1; 15:32; 21:9,10 e nesta seção. Os
profetas exerciam os seu ofício mais em virtude de seus dons carismáticos do
que por qualquer sanção oficial ou nomeação por parte da igreja, porquanto não
há evidências de que a posição deles existia através de qualquer forma de ato
consagratório.
O trecho de I Co 14:29-39 mostra-nos, todavia, que algumas vezes
os profetas se deixavam arrebatar em seu entusiasmo, ao ponto de haver desordem
nos cultos das igrejas; e isso Paulo censurou severamente. É óbvio que até
mesmo naqueles primeiros dias surgiram dúvidas sobre a autenticidade dos dons
de alguns desses «profetas», o que se depreende pelo fato de que alguns deles
eram suspeitos de receberem o seu poder da parte maligna, e não de alguma fonte
boa. (Ver I Jo 4:1 e I Ts 5:20,21). Os poderes que chegam de fontes
sobrenaturais, que manifestamente estão acima do que se poderia esperar da
capacidade humana normal, sempre serão difíceis de aquilatar quanto à sua
origem; e, nesses casos, podemos tão-somente aplicar o que disse o Senhor
Jesus: «Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis» (Mt 7:20). Infelizmente,
o moderno critério para julgar tais pessoas tem degenerado ao teste que diz:
«Por suas denominações os conhecereis». Mas essa atitude resulta do sectarismo,
e certamente não agrada a Deus.
Judas e Silas eram profetas, conforme são chamados (ver At 14:4
e 15:32). Tinham uma inspiração superior àquela dos que falavam em línguas (ver
I Co 14:3). João Batista também foi chamado de profeta (ver Lc 7:26). Profetas
autênticos são extremamente necessários na igreja cristã moderna; mas o quadro
geralmente é tão confuso e contraditório que é dificílimo distinguirmos o falso
do verdadeiro.
É bem provável que certo número desses «profetas» primitivos
fizesse parte original dos setenta discípulos, cuja missão é descrita no décimo
capítulo do evangelho de Lucas; mas não há razão para limitá-los à esfera dos
profetas. O dom da profecia com frequência incluía a predição de
acontecimentos; mas era mais especificamente caracterizado por um exaltado e
sobre-humano ensino. Isso novamente, enfatiza a importância do ensino, posto que
essa função era favorecida pela dispensação de um dom espiritual todo especial.
11:28 e levantando-se um deles, de nome Ágabo, dava a entender
pelo Espirito, que haveria uma grande fome por todo o mundo, a qual ocorreu no
tempo de Cláudio.
A derivação do nome «...Âgabo...» é incerta; mas é possível que
seja idêntico ao apelativo Hagabe ou Hagabá, que aparece no A.T. Sabemos
pouquíssimo sobre esse homem, porquanto há tão-somente duas referências a ele
em todo o N.T., isto é, aquela que encontramos aqui, onde ele predisse a fome
que realmente ocorreu quando do reinado de Cláudio, e a sua predição sobre a
sorte que esperava Paulo em Jerusalém, em profecia feita em Cesaréia. (Ver At
21:10,11). Segundo as tradições posteriores, Ágabo aparece como um dos
«setenta» discípulos (descritos no décimo capítulo do evangelho de Lucas), até
que, finalmente, foi martirizado por sua fé. Embora, em alguns escritos
antigos, seja dito que ele era nativo de Antioquia, parece antes, por este
texto, que ele era da Judéia, talvez de Jerusalém. Diz-se que ele morreu em
Antioquia, e o martirológio romano o venera a 3 de fevereiro.
«...grande fome...» Não há razão para supormos que homens,
ajudados ou não pelo Espírito Santo, possam com frequência predizer eventos
futuros, pois, afinal de contas, o homem é um ser espiritual, que
temporariamente está cativo a um corpo físico. A predição do futuro não é,
necessariamente, uma característica «divina» ou demoníaca. Os estudos feitos
quanto ao fenômeno dos sonhos mostram que todos os seres humanos, no estágio do
sono, combinam acontecimentos passados, presentes e futuros no conteúdo de seus
sonhos, na tentativa de encontrar solução para os seus problemas. Todos os
homens, simplesmente por serem homens, até certo ponto são «profetas», se
limitarmos o sentido desse vocábulo para que indique somente a predição do
futuro. Naturalmente um profeta, no sentido bíblico, é muito mais do que um
indivíduo que prediz o futuro; é igualmente um homem espiritualmente dotado,
que exerce um dom de ensino; e quando prediz o futuro, fá-lo por alguma razão
espiritual, e não meramente como curiosidade de informação. Naturalmente
aqueles que são dotados de algum dom espiritual são pessoas capazes de predizer
o futuro com muito maior significação do que os homens ordinários podem
fazê-lo.
Cada indivíduo é um instrumento sem-par. É interessante
observarmos que Ágabo evidentemente se especializou em conhecer o futuro e em
maior extensão até mesmo que alguns dos apóstolos. Pois aqui estava alguém que
fez tal predição, enquanto que Paulo, apesar de apóstolo, nada sabia a
respeito. Além disso, no vigésimo primeiro capítulo do livro de Atos, quando
Ágabo adverte sobre as consequências da visita de Paulo a Jerusalém, porquanto
ali seria feito prisioneiro, novamente foi ele quem reconheceu o futuro, e não
Paulo ou qualquer outro ministro da igreja. Trata-se de um fenômeno assaz
interessante, pois, considerando-se o quadro total, Paulo e os demais apóstolos
supostamente eram mais bem-dotados na diversidade dos dons inspirados pelo
Espírito Santo do que Ágabo; mas o seu dom era especialmente adaptado para
predizer o futuro. Assim, pois, cada indivíduo recebe o seu próprio dom, e,
sendo isso dirigido para propósitos específicos, torna cada crente individual
uma criatura sem igual. Por conseguinte, apesar de todos os remidos estarem
sendo transformados segundo a imagem moral e metafísica de Cristo,
compartilhando de sua santidade e de suas perfeições, cada indivíduo é um
instrumento especial para a glória de Deus.
A «...fome...» predita por Ágabo também ficou registrada na
história. Tácito (Anais xii.43) e Suetônio (Claudio, 18) se referem a diversos
períodos de fome durante o reinado de Cláudio (41 - 54 D.C.). Josefo menciona
uma fome especialmente severa na Judéia, que ocorreu em 46 D.C., a qual, sem a
menor sombra de dúvida, é a escassez aqui referida por Lucas. Diom Cássio (lib.
lx) menciona severa fome, que ocorreu no primeiro e no segundo anos do reinado
de Cláudio, a qual foi sentida pesadamente até mesmo na longínqua Roma. Essa
fome foi que evidentemente induziu o imperador Cláudio a construir um porto
marítimo em Óstia, para que a cidade de Roma pudesse ser mais regularmente
suprida de víveres, que geralmente lhe chegavam por via marítima.
Um segundo período de fome ocorreu no quarto ano de seu reinado,
escassez essa que prosseguiu por diversos anos e afligiu grandemente a Judéia.
(Ver Josefo, Antiq. xx.5, seção 2). Mui provavelmente essa é a fome mencionada
no vigésimo oitavo capítulo do livro de Atos, quando ela foi predita.
Uma terceira fome foi mencionada por Eusébio (An. Abrahami), que
teve começo em outubro de 48 D.C. que atingiu severamente grande parte do mundo
civilizado de então.
Um quarto período de fome teve lugar no décimo primeiro ano do
reinado de Cláudio, fome essa mencionada por Tácito (ver Anais, xii.,seção 43).
Essa fome foi tão severa, nessa ocasião, que se pensou ser um julgamento
divino. Tácito revela que em todas as vendas de Roma não havia provisões para
mais de quinze dias, e que se o inverno não tivesse vindo extraordinariamente
suave, teria havido aflição e miséria espantosas.
É muito provável que a fome, mencionada neste livro de Atos, no
segundo ano do reinado do imperador Cláudio, tenha perdurado por diversos anos,
de conformidade com as fontes históricas de que dispomos, ou seja, de 45 a 47
D.C. Quando a predição da fome foi feita por Ágabo, deveria estar a apenas
meses de distância, ou talvez já estivesse em seus estágios iniciais.
«...Cláudio...» Cláudio foi imperador romano de 41 a 54 D.C.
Suetônio (ver Cláudio, 29), um dos historiadores romanos, diz-nos que esse
imperador expulsou os judeus da cidade de Roma, por haverem feito levantes
instigados por Cresto (presumivelmente o incidente registrado em At 18:2). Se
isso é verdade, então «chrestus» (nome esse que se deriva de um substantivo
próprio que, no grego, significabom) mui provavelmente foi confundido por
Suetônio com a palavra «christos» (no grego, ungido). E, assim sendo, a causa
da agitação entre os judeus teria sido sua oposição e conflito contra os
cristãos.
Um decreto, provavelmente baixado por Cláudio, punia um furto
feito em um túmulo, e têm sido encontradas evidências arqueológicas em
confirmação a isso, na Galiléia. Alguns estudiosos têm suposto que essa ação
foi parcialmente provocada pela história da «ressurreição» de Jesus; porém, se
esse decreto foi baixado por Cláudio, parece ter sido muito posterior para que
tivesse qualquer coisa a ver com a ressurreição do Senhor. A menos,
naturalmente, que tenha dito respeito à pregação da igreja cristã primitiva,
predica essa que incluía a ressurreição de Cristo (em vinculação à acusação,
assacada pelos judeus, de que o corpo de Jesus fora furtado pelos seus
discípulos, e não que ele realmente ressuscitara). Ora, a agitação que isso
facilmente poderia ter provocado, bem poderia ter sido o motivo do decreto
imperial, até mesmo nos tempos posteriores de Cláudio. Essa particularidade,
entretanto, até hoje não pôde ser determinada com exatidão, e, no presente, não
há como dar solução ao problema. Cláudio morreu envenenado pela sua quarta
esposa,Agripina, mãe de Nero (54 D.C), após ter feito um reinado fraco, durante
o qual, no dizer de Suetônio, ele «...mostrou-se não um príncipe, mas um
servo», pois se deixava guiar pelos outros.
Variante Textual_Os versículos vinte e seis e vinte e oito são
expandidos
no chamado texto «ocidental», para que digam: «...e naqueles
dias vieram profetas de Jerusalém a Antioquia, e houve muita alegria. E quando
estávamos reunidos, um deles, de nome Ágabo, falou, querendo dizer...» Assim
diz o códex D, bem como as versões latinas p e w. O texto ocidental
(manuscritos que nos vieram das igrejas cristãs do ocidente, isto é, da Itália
e de certas regiões do norte da África) conta com tão numerosas variantes que
sugere que o livro de Atos circulou, na igreja cristã primitiva, em duas
edições separadas. A maior parte dessas variantes consiste em expansões e
ornamentações feitas no texto; porém, os trechos que dizem respeito à Ásia
Menor encerram interessantes e significativas variantes, do ponto de vista
histórico e geográfico. Esse texto mais longo, o «ocidental» não é reputado,
todavia, como texto original do livro de Atos.
Trechos do livro de Atos chamados de seções nós. A variante
particular, que hora consideramos, não teria grande importância, não fora o
fato de que se trata da primeira das chamadas «seções nós» deste livro.
Supõe-se que, nessas passagens, Lucas ter-se-ia reunido a Paulo e aos outros
obreiros cristãos mencionados, nas quais o livro se torna uma espécie de
autobiografia, como também uma narrativa histórica. Ordinariamente, as «seções
nós» são consideradas como as seguintes: At 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e
27:1-28:16. Assim sendo, o ponto em que Lucas se juntou ao grupo evangelístico
em viagem teria sido na altura do décimo sexto capítulo. Mui provavelmente isso
é correto, do ponto de vista histórico, pois o versículo que ora consideramos,
fazendo parte apenas do chamado texto «ocidental», não deve ser reputado
representante do livro original de Atos.
11:29 E os discípulos
resolveram mondar, cada um conforme suas posses, socorro aos irmãos que
habitavam na Judéia;
Podemos apreciar aqui a generosidade da igreja cristã de
Antioquia. Havia muitos irmãos de tendências legalistas, em Jerusalém, que
dificilmente teriam prestado socorro semelhante, se a situação fosse inversa,
isto é, se em Antioquia é que os cristãos estivessem sofrendo. Os preconceitos
aleijam e tolhem os instintos humanitários naturais, mas aqueles cristãos
gentios primitivos não se preocupavam com fronteiras nacionais.
Importância da caridade.
«Um homem pode ser famoso, bem-sucedido, rico, realizador de
grandes feitos, mas, se não cultivou e nem refinou esse instinto natural para
ajudar aos outros, que sofrem aflição, até que esse instinto se eleve acima de
todos os outros e os domine, qual soberano, então esse homem, como homem, é um
fracasso. Essa é a escola onde nós, os crentes, estamos sendo treinados; e
embora reconheçamos o fato de que, com frequência, temos falhado no teste,
permitindo que outros instintos, inferiores e mais aviltados, dominem sobre
aquele sentimento supremo, não obstante existem sinais de que temos feito algum
progresso, tendo crescido em nossa capacidade de amar.»(Theodore P. Ferris, in
loc).
De acordo com a filosofia extremamente pessimista do filósofo
alemão Schopenhauer, em que a própria existência é considerada como um mal e em
que o maior pecado de um homem consiste no fato de que «nasceu», a simpatia,
entretanto, é aceita como uma das virtudes e emoções positivas, que são
possíveis e permissíveis. Portanto, até mesmo no ambiente melancólico daquela
posição filosófica, a simpatia humana natural se eleva como uma qualidade digna
e necessária, porque todos estamos juntos nesse batel da miséria humana, e, de
alguma forma ou de outra, precisamos ser guardadores de nossos irmãos. Jesus
Cristo foi o supremo exemplo de como alguém deve cuidar de seus irmãos. O livro
de Tiago toca no âmago dessa verdade quando declara: «A religião pura e sem
mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo» (Tg 1:27).
Essa visita aos órfãos e às viúvas significa procurar aliviar as
suas necessidades, contribuindo para o seu bem-estar, e não apenas fazer-lhes
visitas ou servir-lhes de companhia, embora isso também seja um aspecto
importante.
No que concerne à situação específica descrita por este texto,
salienta Calvino (in loc): «E essa gratidão não merecia pequeno louvor, pois os
crentes de Antioquia pensavam que deveriam ajudar a irmãos necessitados, de
quem haviam recebido o evangelho. Porquanto nada existe de mais acertado do que
aqueles que têm semeado as realidades espirituais, colham também coisas
terrenas. Visto que qualquer um de nós se inclina demasiadamente por prover
para as suas próprias necessidades, todos aqueles homens poderiam ter objetado:
Por que não cuido antes de mim mesmo? Porém, ao relembrarem-se eles de quão
grandemente estavam endividados para com os irmãos (da Judéia), omitindo essa
preocupação pessoal, voltaram-se para ajudá-los».
Há necessidade de dar, para que alguém seja liberal. «Foi
prometido, àqueles que consideram as necessidades dos pobres, que Deus os
preservaria em vida, e que seriam bem-aventurados na terra (ver Sl 41:1,2).
Muitos dão aos pobres pela razão de que têm muito, de sobra; mas as Escrituras
nos fornecem uma razão pela qual deveríamos ser liberais, (é bom dar) a sete e
a oito, porquanto não sabemos que mal sobrevirá à terra. (Ver Ec 11:2)».
(Matthew Henry, in loc).
Como deveriam ser feitas as contribuições aos pobres? Assim
lemos nas Escrituras: «...cada um conforme as suas posses...» Essa instrução
segue-se à injunção de Paulo, em I Co 16:2, que determina que cada um deve
contribuir «...conforme qualquer um deles houver prosperado...» O verbo
«prosperar» é tradução de uma palavra grega, «euporos», que indica o sentido de
«passar facilmente».Assim é transmitida a ideia de prosperidade, mediante a
figura simbólica de uma jornada fácil e favorável. Aqueles, pois, que estão
passando por uma viagem fácil e favorável, nesta vida, deveriam interessar-se
por tornar um pouco mais fácil essa jornada, para outros, especialmente no caso
de serem irmãos na fé.
Neste ponto encontramos o começo da coleta para os «santos
pobres de Jerusalém», o que, posteriormente, ocupou parte tão proeminente nos
labores do apóstolo Paulo. (Ver At 24:17; Rm 15:25,26; I Co 16:1; II Co 9:1-15
e Gl 2:10). Essa prática Paulo reputou como um vínculo de união entre a seção
judaica e a seção gentílica da igreja cristã. Muitos comentadores bíblicos
acreditam que a generosidade demonstrada pela igreja cristã de Jerusalém, ou
sua vida de tipo comunal, no princípio de sua história, segundo vemos no
registro dos capítulos segundo, quarto e quinto do livro de Atos, deixou aquela
igreja com uma estrutura econômica débil. Mui provavelmente isso expressa uma
verdade, mas a principal razão para essa crise foi a perseguição movida contra
os judeus crentes, porquanto muitos deles perderam suas propriedades e seus
recursos pecuniários, quando não perderam a própria vida. Os reiterados
períodos de escassez e fome vieram agravar enormemente a situação inteira,
piorando a situação de uma igreja que já se achava empobrecida.
11:30 o que eles com
efeito fizeram, enviando-o aos anciãos por mão de Barnabé e de Saulo.
Não se há de duvidar que Barnabé e Saulo desempenharam papel
preponderante no levantamento de fundos para socorro aos irmãos pobres de
Jerusalém, e providenciaram para que fosse atingida uma soma suficiente para
ser de real ajuda aos crentes daquela cidade. Posteriormente Paulo expandiu
grandemente essa obra de beneficência, conforme vemos nas referências bíblicas
oferecidas no último parágrafo dos comentários sobre o versículo anterior. Tudo
isso, pois, mostra-nos quão importante era, para o cristianismo primitivo, a
prática das esmolas. Essa ideia fora importada diretamente do judaísmo.
«...presbíteros...» Em todo o N.T., esta é a primeira ocorrência
desse vocábulo para indicar os líderes cristãos, como pregadores, pastores e
oficiais. Originalmente esses líderes é que tomavam conta das igrejas de
Jerusalém que se reuniam em casas particulares, conforme era costumeiro na
igreja cristã primitiva, antes que se iniciasse a ereção de templos para o
culto cristão. Na passagem de At 15:6,23, os «presbíteros» figuram, juntamente
com os apóstolos, numa espécie de concilio eclesiástico. É bem possível que, a
princípio, os presbíteros tivessem as mesmas funções que cabiam aos presidentes
das sinagogas judaicas, os quais eram os principais elementos daquela estrutura
eclesiástica antiga, embora, mui provavelmente, não fossem originalmente
consagrados por qualquer cerimônia específica para ocuparem suas funções. Entretanto,
não tardou muito para que se generalizasse a ordenação ou consagração de tais
ministros, porque até mesmo em At 14:23 vemos que já estava estabelecido o
costume de consagrar tais ministros. Essa ordenação, outrossim, sem dúvida era
efetuada através do rito da imposição de mãos, novamente em imitação à prática
judaica, quando da consagração de seus oficiais eclesiásticos.
No trecho de At 20:17, os termos «anciãos» e «bispos» são usados
alternadamente, o que também se pode verificar na passagem de Tt 1:5,7.
Originalmente, sem dúvida alguma não havia qualquer ofício distinto entre os
«anciãos» e os «diáconos». Mas gradualmente foi surgindo certa diferença, em
que os «diáconos» passaram a ocupar uma posição um tanto ou quanto inferior à
dos «anciãos» ou «pastores», e muito provavelmente ficaram encarregados de
cuidar mais das necessidades materiais das igrejas locais, ao passo que os
anciões se fizeram os principais líderes espirituais das mesmas. (Ver a
totalidade do terceiro capítulo da primeira epístola a Timóteo).
Os diáconos do sexto capítulo do livro de Atos, apesar de terem
sido um grupo distinto de homens e receberem distintas responsabilidades, não
equivalentes aos deveres dos «anciãos», ou «bispos» e dos «diáconos» da
organização eclesiástica cristã posterior, foram exemplos antecipatórios da
existência de oficiais que não fossem apóstolos, dentro do organismo cristão.
As qualificações para quaisquer oficiais eclesiásticos subordinados eram mais
ou menos idênticas para todos, como também eram idênticas muitas de suas
funções. Portanto, apesar do fato de que o ofício dos «diáconos», no sexto
capítulo do livro de Atos, não ser tecnicamente igual à função dos «diáconos»,
na igreja cristã mais bem organizada, suas qualificações e funções eram
similares. E o ofício mais antigo, assim sendo, antecipou o estabelecimento do
ofício posterior, para todos os efeitos práticos.
A Importância de
Paulo
Esboço:
I. Vida
1. Fontes de
Informação
2. Passado
3. Primeira Viagem
Missionária
4. O Concilio
Apostólico
5. Segunda Viagem
Missionária
6. Terceira Viagem
Missionária
7. Aprisionamento e
Encarceramento em Roma
8. Paulo, de Novo
Livre, Vai à Espanha
9. Segundo
Encarceramento e Morte
10. Cronologia da Vida
de Paulo
II. Significação
de Paulo
1. As Escolas
Críticas e Paulo
2. As Epístolas
Paulinas
3. O Servo de Cristo
4. O Apóstolo dos Gentios
5. A Doutrina de
Paulo
6. Paulo e Jesus
7. Como Paulo
Comprovou seu Apostolado
I. Vida
A Conversão de Saulo At 9:1 -19ª
No que concerne a Lucas, a conversão de Paulo foi a consequência
singular mais importante do "caso Estevão". A importância desse
evento se comprova pela tríplice repetição dessa história, primeiro aqui,
depois em 22:5-16, e finalmente em 26:12-18. A autoridade de Lucas deve ter
sido a do próprio Paulo. Os três relatos diferem nos pormenores, e não é fácil
determinar até que ponto isso se deve a Paulo — ou a Lucas — embora possamos
ter razoável grau de certeza de que pelo menos alguns pontos de variação se
devem a Paulo, que adaptava os relatos aos diferentes auditórios a quem falava e
o site ebdareiabranca continuara assim. Seja como for, o fato central de uma
experiência culminante se estabelece acima de qualquer sombra de dúvida nos
escritos do próprio Paulo (1Coríntios 9:1; 15:8s; 2 Coríntios 4:6; Gálatas
1:12-17; Filipenses 3:4-10; 1 Timóteo 1:12-16).
Lucas conta a história como se o que acontecera tivesse uma
realidade objetiva. Certos eruditos modernos têm questionado esse ponto.
Surgem, então, às vezes, ideias sobre uma razão psicológica. Diz Weiss: foi
"o resultado final de uma crise íntima" causada pelo senso de
fracasso de Paulo ao querer guardar a lei (J. Weiss, vol. 1, p. 190). Se
Romanos 7:14-25 reflete esta experiência anterior à conversão do apóstolo, essa
teoria tem algum mérito, embora fique longe de explicar adequadamente o que
aconteceu. Outros atribuem a experiência de Paulo a um acesso de epilepsia, ou
ao fato de ele cair num transe de êxtase. Outros ainda têm argumentado que essa
trama toda foi engendrada a partir de uma lenda. A explicação do próprio Paulo,
no entanto, foi que ele havia tido um encontro com o próprio Cristo vivo, o
qual de certa maneira diferiu de suas subsequentes "visões e
revelações" (2 Coríntios 12:1), de modo que o apóstolo só conseguia
explicá-lo como a última aparição de Cristo,após sua ressurreição (1 Coríntios
15:8). A experiência de Cristo como poder dentro do crente não era estranha a
Paulo (Romanos 8:10; Gálatas 2:20), "mas na estrada de Damasco ele não só
experimentou o poderinternamente, mas acima de tudo, percebeu uma pessoa externamente
— não recebeu apenas a dádiva da graça, mas também a vinda do Senhor
ressurreto. Portanto, Paulo declara ter visto a Jesus, o que é algo singular e
marcante, não podendo ser menosprezado, nem deixado de lado como
insignificante" (Dunn, Jesus, p. 109). Somente sua inabalável convicção da
realidade do que havia acontecido explica suficientemente o resultado atingido:
"a mudança radical de uma vida centralizada em si mesmo, para uma vida
centralizada em Cristo, uma completa submissão a Jesus Cristo, pela qual ele se
torna discípulo do Mestre e servo do Senhor, sua admissão no reino de Deus na
terra, e no ministério apostólico, que era a tarefa da comunidade cristã (T. W.
Manson, pp. 13s.).
9:1-2 Prosseguiu a perseguição à igreja de Jerusalém, com Paulo
respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor (v. 1) —
ameaças que talvez não fossem de todo vazias. Não contente com isso, Paulo
desejava estender seus esforços além da cidade. De 26:10 fica evidente que
Paulo já estava agindo sob uma comissão nomeada pelo sumo sacerdote, mas agora
dirigiu-se ao sumo sacerdote (talvez Caifás) e pediu-lhe que seu mandato se
estendesse de modo que lhe permitisse procurar alguns daquela seita, quer
homens quer mulheres... de Damasco para que os conduzisse presos a Jerusalém. A
expressão "o Caminho" (que ECA traduz aqui diferentemente, por
"seita") é peculiar a Atos (cp. 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22) e talvez
se originasse entre os judeus que viam os cristãos como os que haviam adotado
um "Caminho" (ou modo de vida) distintivo. Todavia, logo a palavra
"Caminho" seria usada pelos cristãos como meio adequado de
descrevê-los como seguidores daquele que é "o Caminho" (João 14:6s.;
os sectários de Qumran também se referiam a si mesmos como "o
caminho", p.e., 1 QS 9.17s.; CD 1.13). Havia seguidores do
"Caminho" em Damasco, de cuja presença nãotomamos conhecimento senão
mediante Lucas, o que nos lembra de como Lucas é seletivo ao narrar sua
história. A expressão se encontrasse (v. 2) não significa que haveria dúvida
quanto à presença deles ali; a dúvida estaria na legalidade da ação de Paulo em
prendê-los, visto não se tratar de meros refugiados recentes (8:1), mas de
cristãos que residiam em Damasco e evidentemente haviam sido capazes de
combinar a fé cristã com a prática judaica, de maneira aceitável perante seus
correligionários judeus. A questão, portanto, era se as numerosas sinagogas
existentes em Damasco cooperariam com Paulo na ação contra seus próprios
companheiros que haviam optado por reconhecer que Jesus era o Cristo. As cartas
para as sinagogas (v. 2)seriam uma ajuda, visto que embora o Sinédrio não
tivesse autoridade legal fora da Judéia, sua reputação representaria autoridade
moral sobre os judeus da diáspora (veja Sherwin-White, p. 100). Paulo também
procuraria a ajuda dos magistrados locais, mas o nome do Sinédrio judaico teria
tido peso suficiente até mesmo sobre tais magistrados, de modo que Paulo se
sentiria confiante quanto à aquiescência deles, senão quanto à sua total
cooperação. Fosse como fosse, parece que Paulo lançou-se com ímpeto, cheio de
esperanças de grande sucesso. Estava acompanhado por inúmeros capangas, talvez
designados dentre os guardas do templo, a fim de ajudá-lo a efetuar as
prisões.
9:3-5 Damasco, se não for a cidade mais antiga do mundo, pelo
menos merece o título de a cidade que mais persiste. Fica a noroeste da
planície de Ghuta, a oeste do deserto sírio-árabe e a leste dos montes
Anti-Líbano. A região era um oásis, banhado por um sistema de rios e canais,
famosa pelos seus pomares e jardins. Desde tempos imemoriais, Damasco tem
desempenhado papel importante como centro religioso e comercial. Era também
centro natural de comunicações, ligando os países do Mediterrâneo ao leste.
Partindo de Damasco, as estradas seguiam pelo deserto rumo à Assíria e
Babilônia; pelo sul à Arábia, e pelo norte a Alepo. Partindo de Jerusalém,
havia duas estradas que conduziriam Paulo a Damasco. Uma delas era a estrada
que saía do Egito e se projetava sempre perto do litoral, avançando depois pelo
interior, ao longo do Jordão, até o norte do mar da Galiléia. Para apanhar essa
estrada, Paulo teria primeiro que viajar para o oeste, na direção do mar. A
outra estrada atravessa Neápolis e Siquém, do outro lado do Jordão, ao sul do
mar da Galiléia, e a noroeste até Damasco. Sendo de ambos os caminhos o mais
curto, teria sido a rota mais provável de Paulo.
Quando Paulo se aproximava de Damasco, subitamente o cercou um
resplendor de luz do céu (v. 3). A palavra grega é muito empregada com o
sentido de relâmpago, de modo que é assim que Lucas pretende dar-nos uma ideia
da intensidade da luz, embora as circunstâncias sejam de tal ordem que
obviamente a descrição não pretendia referir-se a um fenômeno natural. Em 22:6
a hora é determinada como sendo "quase ao meio-dia", e em 26:13 se
diz que a luz "excedia o resplendor do sol", e envolveu o grupo todo,
inclusive Paulo. A luz se associa com muita frequência, nas Escrituras, à
revelação de Deus (cp. 12:7), sendo esse o caso aqui, com toda a clareza. Era a
glória de que Estevão havia falado (7:2) que aparecia a Paulo, de acordo com o
tema de Estevão, em terraque não era a sua, mas estranha. Mais precisamente,
era a glória de Deus que brilhava "na face de Jesus Cristo"
(2Coríntios 4:6), visto que embora a narrativa não o diga nestas exatas
palavras, noutras passagens somos informados de que Paulo viu a Jesus (cp. vv.
17, 27; 22:14; 26:16): não o viu como os outros o viram, mas viu o Filho que
ascendera aos céus, resplendente na glória do Pai, cegando o olho humano, pois
ninguém pode ver a face de Deus (cp. Êxodo 33:20).
Paulo e quantos o acompanhavam caíram ao chão. Veio a Paulo um
som, como a voz de Cristo: Saulo, Saulo, por que me persegues? (v. 4). A forma
semítica de seu nome (Shaul) é usada em todos os três relatos — certamente como
reminiscência deste acontecimento notável. Quanto à solene repetição do nome,
compare com Gênesis22:11, Mateus 23:37, e Lucas 10:41; 22:31. De início, é
possível que Paulo tivesse ficado todo confuso, sentindo apenas que estava na
presença de Deus. É por isso que ele usa o nome do Senhor ao fazer-lhe uma
pergunta. E recebe a resposta: Eu sou Jesus, a quem tu persegues (v. 5; cp.
22:8, "Eu sou Jesus de Nazaré"), e com essas palavras vem também a
primeira lição que Paulo precisava aprender, a saber, que Cristo tinha "um
corpo", uma presença tangível na terra, a igreja (cp. Romanos 12:4, 5; 1
Coríntios 6:15; 8:12; 10:16s.; 12:12ss.; Efésios 1:23; 4:4, 12, 16; 5:23; Colossenses
1:18, 24; 2:19), de modo que era a ele, ao próprio Cristo, que Paulo vinha
ferindo ao perseguir seu povo (cp. Mateus 25:40, 45; Lucas 10:16). E Paulo fez
mais duas descobertas. Primeira, que oscristãos estavam certos ao proclamar a
ressurreição de Jesus. O emprego do nome do Senhor aqui expressa apercepção de
Paulo de que o Jesus histórico era o Cristo que lhe aparecera. Segunda
descoberta: Gamaliel tinha razão, visto que Paulo fora na verdade apanhado
lutando contra Deus (cp. 5:39).
9:6-8 No devido tempo, Paulo receberia instruções sobre o que
deveria fazer, mas nesse momento ele já era um novo homem (cp. 2 Coríntios
5:17; Filipenses 3:4ss.). Paulo não poderia jamais esquecer de modo completo
seu passado, mas tudo lhe fora perdoado, e Deus lhe havia preparado uma nova
tarefa. Deve-se notar que em 26:16-18 há um breve resumo, como se o Senhor, por
ocasião dessa experiência de Damasco, tivesse explicado a respeito de qual
viria a ser sua nova tarefa. Entretanto, a narrativa naquele capítulo foi
bastante condensada, com omissão de todas as referências a Ananias, com quem
Paulo aprenderia mais tarde qual seria o propósito para o qual Cristo o tinha
convocado. Note-se que os companheiros de Paulo foram muito menos influenciados
do que ele mesmo pelo que acontecera. Haviam visto a luz, haviam ouvido o som
(v. 7; cp. 22:9; 26:14), e à semelhança de Paulo haviam sido atirados ao chão
(26:14 liga de modo explícito sua cegueira à luz). Certa vez Jesus havia-se
referido a esse tipo de cego, ao falar de "um cego guiar outro cego"
(Mateus 15:14; 23:16); estando cego agora,Paulo foi conduzido por outros a
Damasco (v. 8), onde se hospedou na casa de um Judas, na rua Direita (cp. v.
11). Tais pormenores, como o nome do anfitrião e da rua onde este morava indicam
a existência de uma fonte bem perto do local dos acontecimentos (cp. 16:15;
17:6s.; 18:2s.; 21:8, 16; também 10:6).
9:9-12 Paulo permaneceu nesta casa durante três dias, sem comer
nem beber — sinal, talvez, de profunda contrição, ou quem sabe em antecipação
de outras revelações (cp. v. 6), ou talvez como consequência de seu estado de
choque. Paulo orava e jejuava. Sendo um fariseu devoto, deveria orar com muita
frequência. Entretanto, quem sabe pela primeira vez Paulo estava aprendendo a
diferença entre "rezar, ou pronunciar palavras perante Deus" e orar
(a reação do verdadeiro crente perante a graça de Deus que lhe foi dada por
Cristo). O orgulhoso fariseu da parábola de Jesus havia tomado o lugar do outro
homem (Lucas 18:9-14). Esta passagem ensina a importância da oração tanto para
Paulo como para a igreja no desempenho de sua missão. Em todas as situações
críticas desta história encontramos o povo orando (10:2, 9; 13:2, 3; 14:23;
16:13, 16, 25; 20:36; 21:5; 22:17-21; 27:35; 28:8. É também a primeira de
várias passagens em que as visões estão ligadas à oração (cp. 10:2-6; 9:17;
22:17-21; 23:11; cp. também 16:9, 10; 18:9, 10; 26:13-19). Seja o que for que
entendermos em relação a esses fenômenos, devemos concordar em que expressam a
convicção de que em todos os casos asorações foram respondidas. Neste caso
particular, uma visão enquadra-se noutra (cp. 10:1-23). Numa, Paulo viu um
homem vindo a ele; na outra, o tal homem, o próprio Ananias, recebe orientação
no sentido de ir a Paulo e impor-lhe as mãos para que ficasse curado (cp. 1
Samuel 3:4ss). O v. 11 é a primeira referência, numa série de cinco, em Atos, à
cidade em que Paulo nasceu. Sendo talvez tão antiga quanto Damasco, Tarso foi a
principal cidade de Cilícia Pedeias. A julgar pela extensão de suas ruínas, a
população de Tarso na época dos romanos deve ter chegado perto de meio milhão
de pessoas. Era uma cidade que possuía todos os elementos necessários para
torná-la o grande centro comercial que de fato veio a ser: excelente porto, uma
região interiorana rica, e uma posição de comando na extremidade sul da rota
comercial através dos montes do Touro, dos portõesCilicianos, até à Capadócia,
Licaônia e interior da Ásia Menor em geral. Tarso passou para as mãos romanas
ao sair do império desmoronado dos Selêucidas, antes de 100 a.C, embora o
domínio integral não fosse conseguido senão depois de 60 a.C. Sob os
selêucidas, Tarso se tornara uma das três grandes cidades universitárias do
mundo mediterrâneo. Strabo refere-se à universidade de Tarso como sendo
superior, em alguns aspectos, às de Atenas e de Alexandria (Geografia 14.5.13).
Era especialmente importante como centro da filosofia estoica. Portanto, Paulo
deve ter ficado em débito para com aquela escola de pensamento em Tarso, pela
sua familiaridade com seus princípios filosóficos, não todavia pelos anos de
sua mocidade ali passados, mas pelo período que ali viveu mais tarde. O ofício
de Paulo de fazer tendas constituía importante ramo comercial ciliciano (cp.
18:3).
9:13-14 Surge Ananias nesta narrativa apenas como um
"discípulo". Era um judeu cristão muito ligado à lei, um homem
bastante respeitado entre os judeus de Damasco. É possível que fosse um líder
entre os cristãos. Haviam chegado a ele notícias acerca de quantos males tem
feito aos teus santos em Jerusalém esse homem, Paulo, que Ananias não tinha
desejo de encontrar agora, em Damasco (v. 26). Lucas apresenta o tormento de
Ananias de forma dramática, mediante um diálogo com o Senhor (Jesus), e aqui
encontramos outros dois nomes para os cristãos (cp. "o Caminho", [ECA
traz "seita"] v. 2). São chamados de santos (v. 13, lit.,
"sagrados ou separados", cp. vv. 32, 41; 26:10, e quanto ao verbo,
20:32; 26:18). O Antigo Testamento empregava esse termo tanto para indivíduos
como para Israel como um povo, mas Ananias não hesitou em aplicá-lo agora aos
cristãos, o novo "Israel de Deus" (Gálatas 6:16). Note-se que em
26:10 o próprio Paulo usa esse termo, talvez numa repetição consciente de
Ananias, a menos que, é claro, a linguagem fosse inteiramente de Paulo. Pelo
menos seis de suas cartas são dirigidas "aos santos", ou
"chamados para ser santos". Em segundo lugar, os cristãos são também
os que "invocam o teu nome [de Jesus]". Esta expressão é um eco de
2:21 (citação de Joel 2:32) sendousada novamente no v. 21 e em 22:16. Esta
descrição significa que eles creem em Cristo e, muito significativamente,
relaciona-se de modo íntimo em 1 Coríntios 1:2 com o título de
"santos" dado aos crentes.Outra característica distintiva desta
passagem é o uso frequente do título Senhor para Jesus. Era termo comum na
época em que Paulo estava escrevendo suas cartas e pode refletir, repitamos,
sua própria expressão verbal ao recontar a história a Lucas.
9:15-16 Repete-se a ordem do Senhor a Ananias para que vá ao
encontro de Paulo, e declara-se ao mesmo tempo qual haveria de ser o destino de
Paulo. Paulo era um "vaso escolhido [de Deus]", metáfora tirada do
trabalho do oleiro. Assim como o oleiro fazia vasos para diversos fins, Deus
também fez os seres humanos para seus próprios e variados propósitos (cp.
Jeremias 18:1-11; 22:28; Oséias 8:8; 2 Coríntios 4:7; 2 Timóteo 2:20, 21). No
caso de Paulo, ele haveria de tomar sobre si o manto do Servo sofredor (cp.
Colossenses 1:24), porquanto elehaveria de ser "uma luz para as
nações", para que Paulo pudesse "levar o nome de Deus"
(continuando a metáfora do vaso) perante os gentios, os reis e os filhos de
Israel (v. 15; cp. 26:22; Isaías 49:6). Observe que esta missão incluía os
judeus, mas a ordem das palavras enfatiza os gentios. Eis uma extraordinária
reviravolta navida de Paulo, o fariseu. O desempenho fiel dessa missão traria
muito sofrimento a Paulo, como trouxera ao próprio Servo (não, todavia, como
punição pelo seu passado, mas simplesmente "por amor do Senhor").
Quanto Paulo deveria sofrer lhe seria revelado de tempos em tempos (p.e.,
20:23), e podemos ver um pouco disso nas cartas do apóstolo (p.e., 1 Coríntios
4:9ss.; 2 Coríntios 6:4, 5; 11:23-28; Filipenses 3:4ss.; Colossenses 1:24; 2
Timóteo 4:6). Tudo isto Ananias comunicou a Paulo quando ambos se encontraram
(22:14s.).
9:17-19a /Ananias finalmente venceu sua relutância, senão seu
medo, e acabou indo à casa da rua Direita. Ali, impôs as mãos sobre Paulo,
anunciando-lhe que havia sido enviado por Jesus, a fim de que tornes a ver, e
sejas cheio do Espírito Santo (v. 17). Nenhuma palavra de recriminação, mas uma
recepção calorosa à comunhão da igreja (cp. v. 27). A imposição de mãos deve
ser vista como um sinal da cura dos olhos, não do enchimento de Paulo com o
Espírito Santo—e menos ainda como método mediante o qual esse dom é concedido.
O enchimento de Paulo com o Espírito Santo relaciona-se melhor com seu batismo,
mas repitamos, não como o método ou meio, mas simplesmente como um sinal
externo de uma graça espiritual interna. A vista de Paulo foi restaurada (Lucas
descreve a cura empregando termos de medicina); Paulo foi batizado (teria sido
pelas mãos de Ananias?),alimentou-se e "sentiu-se fortalecido". É
possível que este seja outro termo médico, e assim Paulo estava pronto para o
que o aguardava.
Notas Adicionais
9:4 Por que me persegues?: A resposta a esta pergunta tem sido
encontrada em Gálatas 3:13. Antes de sua conversão, Paulo considerava Jesus
como maldito, de acordo com Deuteronômio 21:22s. Por esta razão, Paulo havia
blasfemado contra o nome do Senhor (1 Timóteo 1:13) e tentou levar outros a
blasfemar também (Atos 26:11), isto é, dizer: "Jesus é anátema" (1
Coríntios 12:3). Após sua conversão, Paulo prosseguiu afirmando,"Cristo
nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição", mas agora
acrescenta duas palavras, "por nós", ou "por mim" (cp.
também Gálatas 2:20). Veja J. Jeremias, The Central Message of
the New Testament (Londres: SCM Press, 1965), p.35s.
9:17 O Senhor Jesus... me enviou, para que... sejas cheio do
Espírito Santo (cp. 22:12ss.): à vista da insistência posterior de Paulo, em
Gálatas 1:1, 11s., em que havia recebido comissão apostólica não de mãos
humanas, mas diretamente de Cristo, é importante que notemos, como Bruce, que
em primeiro lugar Paulo se defende, em Gálatas, da acusação de que havia
recebido comissão dos apóstolos originais. O papel desempenhado por Ananias não
teria prejudicado sua argumentação, ainda que esse discípulo fosse um líder em
Damasco. Em segundo lugar, seja como for, Ananias desempenhou a função de um
profeta, de modo que suas palavras foram as do Cristo ressurreto (Book [Livro],
pp. 200s.).
Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda05.ht
Saulo, um vaso escolhido
A conversão de Saulo foi o maior acontecimento da historia da
Igreja, depois do Pentecoste.
Na ultima aula vimos que a perseguição atua enquanto Deus
permite, sempre com o sublime propósito de atrair os cristãos à santidade. No
momento em que o Todo-poderoso acha conveniente suspendê-la, ela cessa e vem o
tempo de refrigério para a Igreja. Na atualidade, nós, brasileiros, gozamos da
total liberdade de se pregar o Evangelho.
Saulo, antes de ser transformado pelo poder de Deus, por causa
de seu zelo religioso, pois pertencia ao farisaísmo, a principal seita dentro
do Judaísmo, tornou-se um dos principais perseguidores dos cristãos. Mas,
naquele encontro que teve com o Filho de Deus, converteu-se ao Evangelho e
tornou-se o grande apóstolo dos gentios.
O apóstolo Paulo já havia sido escolhido por Deus desde o ventre
de sua mãe. No entanto, Jesus esperou o tempo certo, depois que ele perseguiu
tanto os cristãos, para mostra-lhe o seu poder e o quanto era necessário
padecer pelo seu nome. Transformado, tornou-se missionário entre os gentios.
Cerca de um ano após a morte de Estêvão, acontece a conversão de
Saulo de Tarso. Chama-nos a atenção o grande poder de Jesus e a sua imensa
graça. O nosso general precisava de um capitão em seu exército, e foi
buscá-lo nas fileiras do Inimigo, transformando-o pelo poder sobrenatural do Espírito
Santo, lapidando-o e preparando-o para ser o apóstolo dos gentios.
QUEM ERA SAULO DE TARSO?
1. Antes de sua conversão. Tudo que sabemos dele encontramos em
Atos, nas suas epístolas e em 2 Pedro 3.15. No entanto, possuímos mais dados
sobre a vida de Paulo do que acerca de qualquer um dos outros apóstolos. Seu
nome hebraico é Shaul, o mesmo nome do primeiro rei de Israel, que significa
"pedido". Seu nome romano é Paulus, que significa
"pequeno". Nasceu em Tarso, grande centro cultural da Cilícia, mas
foi criado em Jerusalém, aos pés de Gamaliel (At 22.3; 26.4) e herdou de seu
pai a cidadania romana (At 16.37; 21.39; 22.25).
2. Sua aparência física. Muito se tem discutido sobre a sua
aparência física, mas a Bíblia nada fala a respeito. O que se costuma dizer em
nosso meio é proveniente da tradição que, seguindo a obra apócrifa Atos de
Paulo,escrita na segunda metade do segundo século, diz: "E viu Paulo se
aproximando, um homem pequeno de estatura, com cabelos ralos na cabeça, torto
de pernas, o corpo em bom estado, com sobrancelhas ligadas, e nariz um tanto
convexo, cheio de graça, pois algumas vezes ele se assemelha a um homem e
algumas vezes tem o rosto de um anjo".
3. O inimigo implacável do Cristianismo (v. 1). Como membro do
Sinédrio, tinha direito a voto (At 26.10). Por isso, votou a favor da morte de
Estêvão. Antes de sua conversão, é mencionado três vezes (At 7.58; 8.1,3) como
inimigo implacável da Igreja. A sua perseguição era tão feroz que procurava os
discípulos até em suas casas, arrastando impiedosamente até as mulheres,
encerrando-os no cárcere. Diz o versículo 1: "E Saulo, respirando ainda
ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor". Isso o revela como um
animal devastador, feroz e indomável. Ele mesmo declarou: "encerrei
muitos dos santos nas prisões, e quando os matavam, eu dava meu voto contra
eles" (At 26.10).
A CONVERSÃO DE SAULO DE TARSO
1. "Cartas para Damasco" (v. 2). Roma havia concedido
aos judeus o direito de extradição dos criminosos fugitivos de Jerusalém. Até
onde podemos ver em Atos, ser cristão naqueles dias era não só um crime
religioso, mas também civil. Saulo considerava os seguidores de Cristo
subversivos. Por isso, conseguiu cartas dos "principais dos
sacerdotes" (26.10) e do "sumo sacerdote" (22.5), as quais o
investiu de autoridade para prender os discípulos do Senhor Jesus.
2. Na Estrada de Damasco (v. 3). Damasco, a 240 km de
Jerusalém, levava cerca de uma semana de viagem. Paulo ia com uma comitiva,
na tentativa de esmagar o Cristianismo, que, até então, já havia ultrapassado
os limites da Judéia, Samaria e Galiléia.
Perto de Damasco, ele foi subitamente envolvido por uma luz que
o derrubou por terra, e a voz de Jesus o chamou nominalmente. Ele reconheceu,
imediatamente, que se tratava de algo divino, pois disse: "Quem és
Senhor?" (v. 5).
3. Suposta contradição. A aparente discrepância entre Atos 9.7:
"ouvindo a voz, mas não vendo ninguém" e Atos 22.9: "mas não
ouviram a voz daquele que falava comigo" é meramente uma questão de
tradução. O verbo grego usado para "ouvir", empregado nestas duas
passagens, é akouo e significa também "entender, prestar atenção".
4. Experiência com o Cristo vivo. Esta mudança súbita de Saulo
de Tarso tem deixado os judeus estarrecidos, até a atualidade. Muitos ficam
sem entender como um homem, o qual agia ferozmente contra os cristãos, de
repente passa a ser um deles, defendendo e anunciando com fervor o
Cristianismo. Isso é a graça de Deus. Jesus disse: "O vento assopra onde
quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é
todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8).
O APOSTOLADO DE PAULO
1. A visão de Ananias (vv. 10, 11). Vencido e alvejado pela
graça de Deus, Saulo foi conduzido cego para Damasco, para a rua chamada
Direita, que existe ainda hoje nesta cidade. Deus, em sua infinita sabedoria,
não permitiu que a prova dessa conversão ficasse limitada apenas aos
companheiros de Paulo. Por isso, revelou esse acontecimento a Ananias.
2. Temor de Ananias (13,14). Era uma reação perfeitamente
normal a qualquer ser humano. Tendo conhecimento da devastação que Saulo
fizera em Jerusalém, após o martírio de Estêvão, e sabedor que ele estava
investido da autoridade, concedida. Pelo Sinédrio, para açoitar e aprisionar os
discípulos, era mesmo para ficar temeroso. Ananias, porém, ainda não sabia que
a graça de Deus havia alvejado o indomável perseguidor, e o tal seria uma vaso
escolhido para os propósitos divinos.
3. Requisito para o apostolado (v. 15). À luz de Atos 1.21,22,
era necessário que Paulo tivesse uma chamada específica para o apostolado, a
fim de que pudesse ser testemunha da ressurreição de Cristo.
Essa exigência foi satisfeita na conversão de Saulo de Tarso, em
sua experiência com o nosso Redentor. Quatro vezes Paulo declara ter visto a
Jesus. Isso torna legítimo o seu apostolado (1 Co 9.1; 15.8; 2 Co 4.6; Gl
1.15,16).
4. Questões da crítica textual (vv. 5 e 6). O texto: "duro
é para ti recalcitrar contra os aguilhões. E ele, tremendo e atônito, disse:
Senhor, que queres que faça?" não aparece nas versões Atualizada e
Revisada de Almeida, na Brasileira e na Nova Versão Internacional, por não se
encontrarmos manuscritos gregos. Está na versão Corrigida, via Vulgata Latina.
Erasmo de Roterdã usou, quando preparava a primeira edição de
seu Novo Testamento (em grego), lançado em 1516, pois substituiu o grego pelo
latim em certas passagens (ele não dispunha de todo o texto grego).
Esse texto de Erasmo serviu de base para a versão espanhola de
Reina, a inglesa do rei Tiago, e a portuguesa de João Ferreira de Almeida. A
parte do versículo 6 aparece em Atos 22.10.
Isso em nada desabona a inspiração e autenticidade da Bíblia. Os
próprios críticos reconhecem essa autoridade. São variações oriundas de falhas
de copistas durante catorze séculos copiando manualmente essas passagens. São
coisas que não comprometem a mensagem do Evangelho, como diz a Enciclopédia de
Bíblia, Teologia e Filosofia: "O acúmulo inteiro de variantes não
conseguiu modificar a mensagem, nem mesmo nas minúcias".
O QUE PAULO REPRESENTA PARA O CRISTIANISMO?
1. O apostolado entre os gentios. A visão de Paulo, no
ministério entre os gentios, compartilhada com Barnabé, o tornava
"progressista" para a sua época, no mundo judaico, e da mesma forma,
as suas doutrinas para os padrões sociais do mundo greco-romano. Ele se
tornara o principal representante da nova religião revelada. O seu conceito da
divindade contrariava frontalmente as religiões politeístas de seus dias. A
nova compreensão sobre o Messias mudou radicalmente sua vida e contrariava,
não o Antigo Testamento, mas o que o Judaísmo pensava a respeito do
Libertador.
Paulo considerava os judeus e gentios na mesma situação. Em
Romanos, capítulo primeiro, ele descreve a depravação dos gentios. No
segundo, a incredulidade e desobediência dos judeus. No terceiro, põe os dois
povos no mesmo bojo: "Todos pecaram" (Rm 3.23). Diante disso, levou
avante a ordem de Jesus: "Por que hei de enviar-te aos gentios de
longe" (At 22.21).
2. As missões. Com resultado das quatro viagens missionárias de
Paulo, surgiram as igrejas da Ásia e Europa.A ele deve-se a expansão do
Cristianismo. Suas estratégias missionárias são ainda hoje o modelo para
nós.Nenhum homem fez pelo Evangelho o que ele realizou, exceto o próprio
Salvador Jesus Cristo.
3. As epístolas. São o maior tesouro que Paulo deixou para a
Igreja. São frutos de suas experiências e trabalhos, na direção do Espírito
Santo. Seus escritos ocupam um terço do Novo Testamento. Sem as suas cartas, o
Cristianismo poderia ser uma mera seita do Judaísmo.
CONCLUINDO
O ministério de Paulo entre os gentios, suas viagens
missionárias e as epístolas escritas, o tornam o maior herói do Cristianismo.
Seus exemplos devem ser seguidos pelos obreiros (1 Co 11.1) e seus ensinos
obedecidos por todos os cristãos. Suas ideias continuam vivas e atuais,
porque foram inspiradas pelo Espírito Santo para a Igreja em todas as épocas.
Os perseguidores dos cristãos sempre agiram movidos pela
ignorância, pois julgavam que prestavam um excelente serviço a Deus ou ao
regime político de seu país. No entanto, muitos deles, quando perceberam o
erro que cometeram, converteram-se a Cristo e tornaram-se uma bênção ao
Evangelho.
Se Saulo tivesse a certeza, antes de iniciar a perseguição aos
cristãos, que Jesus havia ressuscitado, jamais teria se levantado contra o
povo de Deus. Portanto, agiu por ignorância e pelo seu sentimento religioso.
Por isso, Jesus o perdoou e transformou-o no grande apóstolo dos gentios.
Nenhum cristão, até o momento, submeteu-se ao sofrimento experimentado
pelo apóstolo Paulo, após se converter ao Evangelho. Por isso, jamais
murmuremos, quando vier a perseguição, pois, com certeza, o motivo de sua
manifestação é o de gerar a paciência, virtude tão necessária aos filhos de
Deus.
Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda03.htm
1. Fontes de Informação
A origem do evangelho de Paulo Gl 1.11-24
Vimos em Gálatas 1:6-10 que há um só evangelho, e que este
evangelho é o critério pelo qual todas as opiniões humanas devem ser
testadas. É o evangelho que Paulo apresentou.
A questão agora é: qual é a origem do evangelho de Paulo para
que seja normativo, e para que as outras mensagens e opiniões sejam avaliadas e
julgadas por ele? Sem dúvida é um evangelho maravilhoso. Lembremos a Epístola
aos Romanos, as Epístolas aos Coríntios e as poderosas epístolas da prisão,
como Efésios, Filipenses e Colossenses. Ficamos impressionados com o majestoso
ímpeto, profundidade e a consistência com que Paulo expõe o propósito de Deus
de eternidade a eternidade. Mas de onde ele tirou essas idéias? Seriam
produto de sua própria mente fértil? Ele as inventou? Ou será que eram
material antigo, de segunda mão, sem autoridade original? Será que as plagiou
dos outros apóstolos em Jerusalém, que os judaizantes evidentemente defendiam,
uma vez que tentavam subordinar a autoridade de Paulo à dos apóstolos?
A resposta dele a estas perguntas pode ser encontrada nos
versículos 11 e 12: Faço-vos, porém, saber, irmãos(uma fórmula favorita sua de
introduzir uma declaração importante), que o evangelho por mim anunciado não é
segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas
mediante revelação de Jesus Cristo. Eis aí a razão por que o evangelho de Paulo
era o padrão pelo qual os outros evangelhos deviam ser medidos. O seu evangelho
era (literalmente, versículo 11) "não... segundo o homem"; não era "invenção
humana" (BLH). "Eu o preguei'', Paulo poderia dizer, "mas não o
inventei. Também não o recebi de um homem,como se fosse uma tradição já aceita,
passada de uma geração a outra. Também não me foi ensinado, como seo precisasse
aprender de mestres humanos." Pelo contrário, ele veio "mediante
revelação de Jesus Cristo". Isto provavelmente significa que ele lhe foi
revelado por Jesus Cristo. Alternativamente, o genitivo poderia serobjetivo,
caso em que Cristo é a substância da revelação, como no versículo 16, e não o
seu autor. Seja qual for o caso, O sentido geral é explícito. Assim como no
versículo 1 ele afirmou ser divina a origem de sua comissão apostólica, agora
ele afirma ser de origem divina o seu evangelho apostólico. Nem a sua missão
nem a sua mensagem derivaram de homem algum; ambas lhe vieram diretamente de
Deus e de Jesus Cristo.
A reivindicação de Paulo, portanto, é a seguinte. O seu
evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e abandonado
pelos Gálatas, não era uma invenção (como se a sua própria mente o tivesse
fabricado), nem uma tradição (como se a igreja lho tivesse transmitido), mas
uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele). Como John Brown diz:
"Jesus cristo o tomou sob sua própria e imediata tutela." Por isso é
que Paulo se atrevia a chamar o evangelho que pregava de "meu
evangelho" (cf. Rm 16:25). Era "seu", não porque ele o criara,
mas porque lhe fora revelado de maneira especial. A magnitude de sua
reivindicação é notável. Ele está afirmando que a sua mensagem não é sua, mas
de Deus; que o seu evangelho não é seu, mas de Deus; que as suas palavras não
são suas, mas de Deus.
Após fazer esta surpreendente declaração de uma revelação direta
de Deus, sem canais humanos, Paulo prossegue comprovando-a historicamente, isto
é, com fatos de sua própria autobiografia. As situações ocorridas antes,
durante e após sua conversão foram tais que ele sem dúvida recebeu o seu
evangelho diretamente de Deus e não de algum homem. Examinemos essas três situações
separadamente.
1. O que Aconteceu Antes de Sua Conversão (vs. 13, 14)
Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo,
como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha
nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos na minha idade, sendo
extremamente zeloso das tradições de meus pais. Aqui o apóstolo descreve a sua
situação antes da conversão, quando ele estava "no judaísmo", isto é,
quando ainda era um "judeu praticante". O que ele fora naquele tempo
todossabiam. "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora", diz
ele, pois já lhes falara sobre isto antes. Paulo menciona dois aspectos da sua
vida antes da regeneração: a perseguição à igreja, que ele agora reconhece ser
"a igreja de Deus" (versículo 13), e o seu entusiasmo pelas tradições
dos seus pais (versículo 14). Em ambos, diz ele, era fanático.
Consideremos a perseguição à igreja. Paulo perseguia a igreja de
Deus "sobremaneira" (ERC)(edição revista e corrigida) ou "com
violência" (BLH)(a bíblia na linguagem de hoje). A frase parece indicar a
violência, até mesmo selvageria, com que ele se empenhava na sua atividade
sinistra. O que ele nos conta aqui podemos suplementar com o livro de Atos.
Ele ia de casa em casa em Jerusalém, prendendo todos os cristãos que
encontrasse, homens e mulheres, e arrastando-os para a cadeia (At 8:3). Quando
esses cristãos eram condenados à morte, ele votava contra eles (At 26:10).
Ainda não satisfeito em perseguir a igreja, ele se sentia realmente inclinado
a devastá-la (versículo 13). Estava determinado a acabar com ela.
Ele fora igualmente fanático em seu entusiasmo pelas tradições
judaicas. "Fui um dos judeus mais religiosos do meu tempo e procurava
seguir com todo o cuidado as tradições dos meus antepassados", descreve
(versículo 14, BLH). Ele fora criado de acordo com "a seita mais severa"
da religião judaica (At 26:5), ou seja, era um fariseu e vivia como tal.
Esta era a condição de Saulo de Tarso antes de sua conversão: um
fanático inveterado, completamente dedicado ao Judaísmo e à perseguição de
Cristo e da igreja.
Um homem nessa condição mental e emocional de maneira alguma
mudaria de opinião, nem se deixaria influenciar por outras pessoas. Nenhum
reflexo condicionado ou qualquer outro artifício psicológico poderia converter
um homem assim. Apenas Deus poderia alcançá-lo - e foi o que Deus fez!
2. O que Aconteceu na sua Conversão (vs. 15, 16a)
Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou
pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre
os gentios... O contraste entre os versículos 13 e 14, de um lado, e os
versículos 15 e 16, do outro, é dramaticamente abrupto. Vemo-lo claramente nos
sujeitos dos verbos. Nos versículos 13 e 14 Paulo está falando de si mesmo:
"perseguia eu a igreja de Deus... e a devastava... quanto ao judaísmo avantajava-me...
sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais." Mas nos versículos
15 e 16 ele começa a falar de Deus. Foi Deus, escreve, "que me separou
antes de eu nascer", Deus "me chamou pela sua graça", e a Deus
"aprouve revelar seu Filho em mim". Em outras palavras, "no meu
fanatismo eu meinclinava a perseguir e destruir, mas Deus (que eu havia deixado
fora de minhas cogitações) me prendeu ealterou meu impetuoso curso. Todo o meu
violento fanatismo nada era diante da boa vontade de Deus."
Observe como a iniciativa e a graça de Deus são enfatizadas a
cada estágio. Primeiro, Deus me separou antes de eu nascer. Assim como Jacó foi
escolhido antes de nascer, em preferência ao seu irmão gêmeo Esaú (cf.
Rm9:10-13), e como Jeremias, designado para ser profeta antes de nascer (Jr
1:5), Paulo, antes de nascer, foi separado para ser apóstolo. Desta forma, se
ele foi consagrado apóstolo antes mesmo do nascimento, então é evidente que ele
nada tem a ver com isso.
Em segundo lugar, essa escolha antes do seu nascimento levou à
sua vocação histórica. Deus me chamou pela sua graça, isto é, por seu amor
totalmente imerecido. Paulo estivera lutando contra Deus, contra Cristo,
contra os homens. Ele não merecia misericórdia, nem a pedira. Mas a
misericórdia fora ao seu encontro e a graça o chamara.
Terceiro, aprouve (a Deus) revelar seu Filho em mim. Quer Paulo
esteja se referindo à sua experiência na estrada de Damasco, ou aos dias
imediatamente subseqüentes, o que lhe foi revelado foi Jesus Cristo, o Filho de
Deus. Paulo perseguia a Cristo porque cria que este era um impostor. Agora os
seus olhos estavam abertos para ver Jesus não como um charlatão, mas como o
Messias dos judeus, Filho de Deus e o Salvador do mundo. Ele já conhecia alguns
dos fatos acerca de Jesus (ele não declara que estes lhe foram revelados
sobrenaturalmente,naquele ocasião ou mais tarde, cf. 1 Co 11:23), mas agora
percebia o seu significado. Era uma revelação de Cristo para os gentios, pois a
Deus "aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os
gentios". Fora uma revelação particular a Paulo, mas para uma comunicação
pública aos gentios. (Cf. At 9:15.) E o que Paulo foi encarregado de pregar aos
gentios não foi a lei de Moisés, como os judaizantes estavam ensinando, mas as
boas novas (o significado do verbo "pregar" no versículo 16), as boas
novas de Cristo. Este Cristo fora revelado, diz Paulo, "em mim"
(literalmente). Nós sabemos que foi uma revelação externa, pois Paulo declara
ter visto Cristo ressuscitado (p. ex., 1 Co 9:1; 15:8, 9). Essencialmente,
porém, foi uma iluminação interior de sua alma, Deus resplandecendo em seu
coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de
Cristo" (2 Co 4:6). E esta revelação foi tão íntima, tornando-se de tal
forma parte dele mesmo, que lhe possibilitou torná-la conhecida aos outros.
A força destes versículos é muito grande. Saulo de Tarso fora um
oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um pregador
desse mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua escolha
antes de nascer, sua vocação histórica e a revelação de Cristo nele, tudo isso
foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem a sua mensagem
vinham dos homens.
Contudo, o argumento do apóstolo ainda não está completo.
Considerando que a sua conversão foi uma obra de Deus, o que se tornou claro na
maneira como aconteceu e pelos seus precedentes, não teria ele recebido
instruções depois de sua conversão, de modo que a sua mensagem fosse
proveniente de homens? Não. Isto também Paulo nega.
3. O que Aconteceu Depois de sua Conversão (vs. 16b-24)
...não consultei carne e sangue, 17 nem subi a Jerusalém para os
que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia, e
voltei outra vez para Damasco.
18 Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me
com Cefas, e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apóstolos,
senão a Tiago, o irmão do Senhor. 20 Ora, acerca do que vos escrevo, eis que
diante de Deus testifico que não minto. 21Depois fui para as regiões da Síria
e da Cilícia. 22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judéia, que
estavam em Cristo. 23 Ouviam somente dizer: Aquele que antes nos perseguia,
agora prega a fé que outrora procurava destruir. 24 E glorificavam a Deus a
meu respeito.
Neste parágrafo um tanto longo a ênfase está na primeira
declaração, no final do versículo 16: "não consultei carne e
sangue". Isto é, Paulo diz que não consultou nenhum ser humano. Sabemos
que Ananias foi ao seu encontro, mas evidentemente Paulo não discutiu o
evangelho com ele, nem com qualquer dos apóstolos em Jerusalém. Agora ele faz
esta declaração historicamente. Ele apresenta três álibis para provar que não
gastou tempo em Jerusalém e que seu evangelho não foi moldado pelos outros
apóstolos.
Álibi 1. Ele foi à Arábia (v. 17)
De acordo com Atos 9:20, Paulo ficou algum tempo em Damasco,
pregando, o que dá a idéia de que o seu evangelho já estava bastante definido
para que pudesse anunciá-lo. Mas deve ter ido logo depois para a Arábia. O
Bispo Lightfoot comenta: "Um véu muito espesso cobre a visita de S. Paulo
à Arábia." Não sabemos aonde ele foi nem por que foi para lá.
Possivelmente não foi muito longe de Damasco, porque todo o seu distrito
naquele tempo era governado pelo rei Aretas da Arábia. Há quem diga que ele foi
à Arábia como missionário para pregar o evangelho. Crisóstomo descreve "um
povo bárbaro e selvagem" que vivia ali, o qual Paulo foi evangelizar. Mas
é muito mais provável que ele tenha ido à Arábia em busca de quietude e
solidão, pois este é o ponto alto dos versículos 16 e 17: "...não
consultei carne e sangue... mas parti para as regiões da Arábia." Parece
que ele ficou por lá durante três anos (versículo 18). Cremos que neste período
de afastamento, ao meditar sobre as Escrituras do Antigo Testamento, sobre os fatos
da vida e morte de Jesus, os quais ele já conhecia, e a experiência de sua
conversão, o evangelho da graça de Deus lhe foi revelado em toda a plenitude.
Alguém até já sugeriu que aqueles três anos na Arábia foram uma deliberada
compensação pelos três anos de instrução que Jesus dera aos outros apóstolos,
mas que Paulo não recebera. Agora era como se ele tivesse Jesus ao seu lado
durante três anos de solidão no deserto.
Álibi 2. Ele foi a Jerusalém mais tarde para uma rápida visita
(vs. 18-20)
A ocasião provavelmente é a que se menciona em At 9:26, depois
que ele foi tirado às escondidas de Damasco, sendo descido pelo muro da cidade
em um cesto. Paulo é totalmente franco acerca desta visita a Jerusalém, mas lhe
dá pouca importância. Nada havia nela de tão significativo como os falsos
mestres estavam obviamente sugerindo. Diversos aspectos dela são mencionados.
Primeiro, ela aconteceu "decorridos três anos"
(versículos 18). Isto significa quase certamente três anos depois de sua conversão,
tempo em que o seu evangelho já fora plenamente formulado.
Depois, quando ele chegou a Jerusalém, avistou-se apenas com
dois apóstolos, Pedro e Tiago. Ele foi para "avistar-se"
(ERAB)(edição revista e atualizada no Brasil) ou "conhecer" (BLH)
Pedro. O verbo grego (historesai) era usado no sentido de fazer turismo e
significa "visitar com o propósito de conhecer uma pessoa"
(Arndt-Gingrich). Lutero comenta que Paulo foi visitar esses apóstolos
"não porque recebeu tal ordem, mas de sua própria vontade; não para
aprender alguma coisa com eles, mas apenas para conhecer Pedro". Paulo
também conheceu Tiago, que parece estar aqui relacionado entre os apóstolos
(versículo 19). Não viu, porém, nenhum dos outros apóstolos. Pode ser que eles
estivessem ausentes, ou ocupados demais, ou até mesmo com medo de Paulo (cf.
At 9:26).
Terceiro, ele passou apenas "quinze dias" em
Jerusalém. Naturalmente em quinze dias os apóstolos teriam tido tempo par
falar acerca de Cristo. Mas o que Paulo está destacando é que, quinze dias não
era tempo suficiente para ele absorver de Pedro todo o conselho de Deus. Além
disso, não fora este o propósito da visita. Lemos em At (9:28,29) que grande
parte daquelas duas semanas em Jerusalém foi ocupada em pregações.
Resumindo, a primeira visita de Paulo a Jerusalém deu-se apenas
depois de três anos, durou duas semanas, e ele viu apenas dois apóstolos.
Portanto, é ridículo sugerir que tenha recebido o seu evangelho dos apóstolos
em Jerusalém.
Álibi 3. Ele foi para a Síria e a Cilícia (vs. 20-24)
Esta visita ao extremo norte corresponde a At 9:30, onde lemos
que Paulo, estando em perigo de vida, foi levado pelos irmãos à Cesaréia, de
onde o enviaram para Tarso, que fica na Cilícia. Uma vez que ele diz que também
foi "para as regiões da Síria", ele deve ter visitado novamente
Damasco e Antioquia a caminho de Tarso. De qualquer maneira, o que Paulo está
destacando é que estava lá no extremo norte, e não em Jerusalém.
Um resultado disso é que ele "não era conhecido de vista
das igrejas da Judéia" (versículo 22). Estas o conheciam apenas de ouvir
falar, e o rumor que ouviam era que o seu perseguidor de outrora se tornara
pregador (versículo 23). Na verdade, ele se tornara pregador "da fé"
que havia aceitado e que anteriormente "procurava destruir". Sabendo
disto, "glorificavam a Deus a meu respeito". Eles não glorificavam a
Paulo, mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário
da graça de Deus.
Só catorze anos mais tarde (2:1), presumivelmente anos esses
após a sua conversão, Paulo tornou a visitar Jerusalém e teve um contato mais
demorado com os outros apóstolos. A essa altura dos acontecimentos, o seu
evangelho já estava totalmente desenvolvido. Mas durante o período de catorze
anos entre a sua conversão e esta entrevista ele fez apenas uma rápida e
insignificante visita a Jerusalém. O restante desse tempo ele passou na
distante Arábia, na Síria e na Cilícia. Seus álibis provam a independência do
seu evangelho.
O que Paulo diz nos versículos 13 a 24 pode ser resumido da
seguinte forma: o fanatismo de sua carreira antes da conversão, a iniciativa
divina na sua conversão e depois, o seu isolamento quase total dos líderes da
igreja de Jerusalém, tudo contribuía para provar que sua mensagem não era
humana, mas divina. Além disso, estas evidências históricas e circunstanciais
não poderiam ser contestadas. O apóstolo pode confirmar e garantir isso com
uma solene afirmação: "Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de
Deus testifico que não minto!" (versículo 20).
Concluindo, retornamos à afirmação que estes detalhes
autobiográficos procuraram estabelecer. Os versículos 11 e 12 dizem: Faço-vos,
porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o
homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante
revelação de Jesus Cristo. Tendo considerado a falta de contato de Paulo com os
apóstolos de Jerusalém durante os primeiros quatorze anos do seu apostolado,
podemos aceitar a origem divina de sua mensagem? Muitos não aceitam.
Há pessoas que, embora admirem o intelecto sólido de Paulo,
acham que seus ensinamentos são severos, áridos e complicados; por isso os
rejeitam.
Outros dizem que Paulo foi responsável pela corrupção do
Cristianismo simples de Jesus Cristo. Estava na moda, cerca de um século
atrás, estabelecer uma brecha entre Jesus e Paulo. Contudo, de um modo geral
reconhece-se atualmente que não se pode fazer isto, pois todas as sementes da
teologia de Paulo se encontram nos ensinamentos de Jesus. Não obstante, a
"teoria da brecha" ainda tem os seus advogados. Por exemplo,Lord
Beaverbrook escreveu uma pequena vida de Cristo que ele intitulou The Divine
Propagandist (O Propagandista Divino). Ele nos informa que a escreveu
"como um homem de negócios", e que estava "tentando entender
Jesus à luz trêmula de uma inteligência limitada e uma pesquisa certamente
restrita". "Eu vasculhei os evangelhos e ignorei a teologia",
ele diz. Seu tema é que a igreja tem entendido mal e representado mal a Jesus
Cristo. Quanto ao apóstolo Paulo, a opinião de Lord Beaverbrook é que ele foi
"incapaz, por natureza, de entender o espírito do Mestre". Ele
"prejudicou o Cristianismo e deixou suas marcas, eliminando muitos dos
traços das pegadas do seu Mestre". Mas Paulo não pode ter representado
mal a Cristo se estava transmitindo uma revelação especial de Cristo, que é o
que ele declara em Gálatas 1.
Outras pessoas acham que Paulo era um homem comum, que
participava de nossas paixões e nossa falibilidade, de modo que a sua opinião
não é melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas Paulo diz que a sua
mensagem não é segundo os homens, mas vem de Jesus Cristo.
Outros, ainda, dizem que Paulo simplesmente refletiu a opinião
da comunidade cristã do primeiro século. Nesta passagem, porém, Paulo se
esforça para mostrar que a sua autoridade não era eclesiástica. Ele foi
totalmente independente dos líderes da igreja, e recebeu seus pontos de vista
de Cristo, e não da igreja.
Este, portanto, é o nosso dilema. Vamos aceitar as palavras de
Paulo quanto à origem de sua mensagem, apoiadas como estão por sólidas
evidências históricas? Ou será que vamos preferir nossa própria teoria, embora
não tenha o apoio de qualquer evidência histórica? Se Paulo está certo ao dizer
que o seu evangelho não veio de homens, mas de Deus (cf. Rm 1:1), então
rejeitar Paulo é rejeitar a Deus.
Fonte http://www.ebdareiabranca.com/EpistolaGalatas/EGalatasLicao04Ajuda1.htm
Sabe-se muito mais acerca de Paulo do que acerca de qualquer
outro personagem apostólico. Nosso conhecimento sobre esse apóstolo e a sua
carreira é praticamente tudo quanto se sabe acerca do desenvolvimento do
cristianismo, durante aqueles dias. Fora de suas próprias epístolas e do livro
de Atos dos Apóstolos, no N.T., temos apenas uma referência adicional a ele, a
saber, em II Pe 3:15, onde se lê: «...o nosso amado irmão Paulo...» A fonte
primária de informação, portanto, é o livro de Atos; a fonte secundária de
informação são as suas epístolas e as alusões incidentais que ele faz a si
mesmo e às suas viagens. Entretanto, alguns têm ensinado que apesar de
fornecerem menos informações sobre ele, as epístolas são mais valiosas para o
estabelecimento da cronologia — pelo menos uma cronologia que é mais extensa e
que inclui os últimos poucos anos de sua vida, acerca dos quais o livro de Atos
nada nos diz. Isso incluiria o seu período de liberdade entre os dois
encarceramentos a que foi sujeito em Roma, e seu martírio final.
Fora do N.T. há algum material informativo, mas normalmente esse
não é reputado como digno de muita confiança. Por exemplo, temos o livro
apócrifo «Atos de Paulo», que só foi escrito na segunda metade do século II
D.C. Essa obra contém alguns incidentes e viagens de Paulo que não se encontram
nas páginas do N.T., mas parecem ser quase totalmente lendários. A arqueologia
em nada tem podido contribuir para comprovar esse material e atualmente não há
modo como afirmarmos a validade de qualquer informação adicional, sobre a vida
de Paulo, contida nesse livro apócrifo. Há muitas declarações sobre Paulo nos
escritos dos pais da igreja, mas quase todos esses se derivam, de algum modo,
do livro de Atos ou das epístolas de Paulo, e outra parte se deve,
provavelmente, ao material legendário que foi se avolumando em torno da pessoa
de Paulo. A comunidade cristã, em sua maior parte, compunha-se de pessoas
vindas das classes humildes, pelo que também os historiadores antigos ignoraram-na
quase completamente; e é por esse motivo que temos tão escassa informação
acerca do desenvolvimento inicial do cristianismo, nos escritos desses autores
seculares. A arqueologia nos fornece alguma informação sobre os muitos lugares
que foram visitados por Paulo, bem como acerca de sua cidade natal, Tarso;
porém, excetuando-se as influências culturais que tais localidades devem ter
exercido sobre Paulo, não se pode extrair, dessas informações, qualquer
elemento adicional sobre a pessoa do próprio Paulo. Por conseguinte, resta-nos
analisar o livro de Atos dos Apóstolos e as epístolas paulinas; e toda outra
informação deve ser aceita apenas experimentalmente.
2. Passado
Neste ponto, estamos mais limitados do que acerca dos anos
posteriores de Paulo. Do nascimento de Paulo até o seu aparecimento em
Jerusalém, como perseguidor dos crentes, temos apenas informações muito
esparsas.Sabemos que ele nasceu em Tarso, «cidade não insignificante» (ver At
21:39), descrição essa que tem sido confirmada pelas escavações arqueológicas
de Sir William Ramsay. Naquele tempo Tarso (na Cilícia) foi incorporada à
província da Síria. Tarso, por essa época, já tinha história antiga, e fora cidade
importante por muitos séculos antes da era cristã. Tarso chegou a ser a cidade
mais importante da Cilícia. Essa cidade se tornou uma região de síntese entre o
Oriente e o Ocidente, entre a cultura grega, a cultura oriental e, finalmente,
a cultura romana. Também se sabe que era um centro cultural, e que ali era
muito forte a variedade do estoicismo romano.
Paulo nasceu como cidadão romano, provavelmente porque o seu
pai também já era cidadão romano. Ao nascer, o menino recebeu o nome de Saulo,
provavelmente devido ao rei Saul, mas é provável que também fosse chamado Paulo
como cognome latino. Paulo significa pequeno e isso pode ter-se dado devido ao
fato de que seus pais o chamavam de «pequerrucho»; mas também é possível que
ele tenha recebido o nome de Paulo, simplesmente por ter som semelhante ao nome
de «Saulo». Também é possível que o apóstolo tivesse um nome romano; mas, nesse
caso, não deve tê-lo usado com frequência, porquanto não temos nenhuma
informação sobre qual seria esse nome. A alteração posterior de seu nome, de
Saulo para Paulo, mui provavelmente foi apenas a adoção de seu apelido como
nome próprio. Não se sabe qual o ano de seu nascimento; porém, quando do
apedrejamento de Estêvão (que ocorreu em cerca de 32 D.C), lemos que Saulo era
um jovem. É razoável supor, por conseguinte, que ele tenha nascido na primeira
década do século I D.C., sendo, assim, um contemporâneo mais jovem de Jesus,
embora não haja qualquer evidência de que ele tenha visto alguma vez ao Senhor.
E não é mesmo provável que o tenha visto, pois Paulo jamais se refere ao fato.
As passagens de I Co 2:3 e II Co 10:10 indicam que a aparência
física de Paulo não era impressionante, e a descrição que há sobre ele, no
livro apócrifo Atos de Paulo e Tecla, concorda com esse ponto de vista: «E ele
viu Paulo que se aproximava, um homem de baixa estatura, quase calvo, pernas
tortas, de corpo volumoso, sobrancelhas unidas, um nariz um tanto adunco, cheio
de graça: pois algumas vezes parecia um homem, e outras vezes tinha a fisionomia
de um anjo».
Os genitores de Paulo eram judeus muito religiosos, pertencentes
à seita dos fariseus, ou, pelo menos, fortemente influenciados por esse grupo;
e pertenciam à tribo de Benjamim. Nada se sabe acerca da ocupação do pai de
Paulo, e nem mesmo sabemos —qual era o seu nome. Jerônimo cita uma tradição que
assevera que a família de Paulo viera originalmente da Galiléia, e que dali
migrara para Tarso. Se essa tradição expressa averdade, então o fato de que
eram cidadãos romanos mostra que essa imigração tivera lugar em tempo
considerável antes do nascimento de Paulo. De conformidade com o livro de Atos,
Paulo tinha uma irmã que vivia em Jerusalém (ver At 23:16), mas não há menção
de qualquer irmão. O próprio Paulo aprendera uma profissão, provavelmente em
Tarso, a de fabricante de tendas (ver At 18:3), posto que era costume entre os
judeus ensinar aos filhos alguma profissão. Não é improvável, pois, que o seu
pai também tivesse sido fabricante de tendas, o qual teria ensinado essa arte
ao seu filho. Paulo foi instruído no judaísmo estrito, e os seus principais
interesses se centralizaram nas questões religiosas, éticas e metafísicas.
Alguns acreditam que ele era bem instruído na cultura, na estética e na
filosofia grega e romana (à base de textos como At 17). Mas outros,
alicerçando-se em At 22:3 e 26:4, procuram mostrar que a permanência de Paulo
em Tarso, quando menino, deve ter sido muito breve, porquanto ele mesmo diz que
se criara em Jerusalém. Quanto a esses detalhes não podemos ter certeza, mas o
exame detido das epístolas de Paulo mostra que ele deve ter estudado a
filosofia estóica (por causa da grande similaridade aos escritos de Sêneca, o
estóico romano); e o seu grego é uma excelente variedade do grego helenista,
não dando evidências de ter sido uma linguagem «adquirida». Em Jerusalém, Paulo
estudou sob orientação do grande Rabban Gamaliel, o Velho, que era altamente
respeitado como mestre.
As Palavras de Paulo, em Gl 1:14, mostram-nos que ele era
indivíduo intensamente religioso desde a juventude, tendo-se destacado nessas
questões acima dos outros jovens de sua idade. Frequentava regularmente a
sinagoga, e é muito provável que geralmente tomasse parte na adoração. Mais
tarde seguiu sua tradição farisaica, tornando-se membro dessa seita. Sendo
indivíduo religioso tão intenso, tinha alta consideração pelas Escrituras, e a
sua conversão não alterou a sua atitude, embora talvez ele tenha compreendido
que algumas passagens eram alegóricas e outras literais, conforme se vê em I Co
10:1-11 e Gl 4:22-31. Apesar dele reconhecer esse fato, as suas epístolas
demonstram a influência de outros treinamentos. Os filósofos estóicos e cínicos
de Tarso eram, geralmente, evangélicos em suas abordagens, porquanto, —
pregavam nas esquinas das ruas, nos mercados e em outros lugares públicos. Por
essa causa, Paulo deve tê-los conhecido; e mui provavelmente também estudou em
suas escolas.
Sabemos mais acerca do apóstolo Paulo do que sobre qualquer
outra das personagens apostólicas. No N.T., as nossas fontes informativas a seu
respeito são o livro de Atos e as suas próprias epístolas. Fora disso só há
mais uma alusão a ele, em II Pe 3:15, onde ele é chamado de nosso amado irmão.
A arqueologia nos fornece muitas informações quanto aos locais
visitados por Paulo, embora não sobre a sua pessoa. Nossos conhecimentos sobre
os primeiros anos de sua vida são escassos. Desde o seu nascimento até o seu
aparecimento, em Jerusalém, como perseguidor dos cristãos, possuímos
informações meramente esparsas, parte das quais não passa de conjectura.
Sabemos, contudo, que ele nasceu em Tarso, «...cidade não insignificante da
Cilícia...» (At 21:39), descrição essa que as escavações arqueológicas de Sir
William Ramsayconfirmaram amplamente. Tarso da Cilícia foi incorporada à
província da Síria e tivera história importante durante um período de muitos
séculos. Era a principal cidade da Cilícia e como que sua região sintetizava o
Oriente e o Ocidente, isto é, as culturas grega e oriental, incluindo, por
igual modo, por fim, a cultura romana que representava o verdadeiro helenismo.
Era centro da filosofia estóica da variedade romana, onde os filósofos pregavam
as suas doutrinas nos mercados e nas praças públicas, mais ou menos como os
missionários de Cristo têm feito tradicionalmente. As epístolas de Paulo, em
suas ilustrações e em algumas de suas ideias básicas, por isso mesmo, refletem
o que há de melhor no estoicismo. É ponto muito bem conhecido e amplamente
discutido que Paulo deixa transparecer muito da mesma erudição refletida por Sêneca,
o importante filósofo estóico romano, que foi igualmente martirizado por Nero,
à semelhança de Paulo.
O Treinamento de Saulo, quanto à sabedoria profana, mui
provavelmente incluiu a educação filosófica normal, a retórica e a matemática,
sem falarmos em seus estudos sobre a religião judaica (ver At 22:3; 26:4 e
diversas referências, em suas epístolas, a questões como coroas, jogos
atléticos, lutas, etc, o que também servia de principais ilustrações entre os
filósofos estóicos para ilustrar os princípios éticos). O fato é que o grego
utilizado por Paulo, em suas epístolas, é uma excelente variedade do grego
literário «koiné», o que nos mostra quão bem alicerçada fora a sua educação na
linguagem, além de ficar demonstrado o fato de que ele falava o grego como seu
idioma nativo, provavelmente do mesmo modo que o hebraico (isto é, o aramaico).
Não se há de duvidar que esse apóstolo também conhecia o latim, e, antes do fim
de suas viagens missionárias, já teria aprendido mais um idioma ou dois.
O Testemunho Pessoal de Paulo, em Gl 1:14, mostra que ele era
indivíduo intensamente religioso, desde a juventude. Costumava frequentar
regularmente as sinagogas judaicas, antes de sua conversão e quando já atingira
idade suficiente, tornou-se seguidor fiel do farisaísmo. Esse versículo também
indica que, mui provavelmente, ele era o jovem que mais se destacava em
Jerusalém, sendo grande a sua fama como homem de grande zelo religioso. Sabemos
também que ele estudou com o famosíssimo rabino fariseu, Gamaliel (ver At5:34 e
22:3). A erudição maior de Paulo fora adquirida em Jerusalém, naquela escola de
fariseus, o que também contribui com algo para explicar o caráter geral de sua
vida e de suas crenças, alicerçadas firmemente no judaísmo tradicional.
Conversão de Saulo. Intensa discussão se tem centralizado em
redor das razões psicológicas por detrás de sua conversão a Cristo. Saulo se
tornara um intenso perseguidor de cristãos, tendo chegado ao assassínio, não
poupando nem as mulheres. — E, no entanto, repentinamente, tornou-se igualmente
zeloso defensor e propagador do evangelho de Cristo. Que ocorrência teria sido
suficientemente drástica e decisiva para produzir tão notável modificação em
suas atitudes? As respostas dadas por certos indivíduos são repugnantes para a fé
e a sensibilidade cristãs. Porquanto alguns querem fazer-nos crer que Paulo era
um esquizofrênico, ou que de outra maneira sofrerá um desequilíbrio mental
qualquer, e que teriam sido essas aberrações mentais que criaram as condições
necessárias para suas experiências místicas. No entanto, não nos devemos
admirar ante essa opinião adversa sobre Paulo, porque até mesmo pessoas
moderadamente dotadas de dons psíquicos são consideradas um tanto estranhas.
Quanto mais poderosos são esses dons e quanto mais elas reivindicam possuir
experiências místicas, mais são consideradas fracas da cabeça. Todavia, a
verdade é que tais pessoas geralmente não são subnormais, e sim, supranormais.
Por isso mesmo é que santos e homens piedosos, bem como os operadores de milagres,
geralmente servem de escândalo para o mundo. Isso continuará nesse pé, até que
o mundo seja suficientemente espiritualizado para compreender (se é que isso
algum dia se tornará realidade) que assim deve ser a «normalidade» para a
humanidade, embora, normalmente, os homens não passem de feras um pouco mais
inteligentes do que os animais irracionais.
Outros críticos supõem que o senso de culpa, reprimido durante
anos, em face de suas perseguições e assassínios contra os cristãos, teria
subitamente explodido em experiências pseudomísticas, o que resultou em vir a
ser ele justamente o contrário do que vinha sendo, ou seja, a sua conversão.
Assim sendo, ainda segundo esse ponto de vista, a experiência de Saulo poderia
ter sido meramente «psicológica», e não verdadeiramente mística. Ora, nesse
caso, Lucas, o autor do livro de Atos, teria exagerado em suas narrativas,
adornando com um colorido mais vivo a realidade da vida de Paulo.
É perfeitamente possível, entretanto, que o próprio Paulo
soubesse muito bem que aquilo que lhe ocorrera era uma experiência mística da
mais elevada ordem, ou seja, um encontro pessoal com o próprio Senhor Jesus.
Nada existe no campo do bom senso ou da experiência religiosa sã que contradiga
tal coisa. De fato, a maioria das doutrinas e das práticas religiosas,
originalmente, se alicerçam em alguma forma de experiência mística. Os modernos
estudos da parapsicologia tendem a confirmar a realidade das experiências
místicas válidas, embora algumas dessas experiências, como é normal, não passem
de ilusões psicológicas. O fato de que a personalidade de Paulo foi
transformada tão radical e permanentemente é um ponto positivo em favor da
validade de sua experiência e em prol da realidade de sua origem, porquanto o
Senhor Jesus está vivo, e não se há de duvidar que teve contatos pessoais, após
a sua morte, ressurreição e ascensão aos céus, com Paulo, desde o momento de
sua conversão, na estrada de Damasco.
A história da conversão de Saulo de Tarso é narrada em três
lugares do livro de Atos (ver At 9:3-19; 22:6-21 e26:12-18), havendo algumas
variações quanto às minúcias, o que nenhuma pessoa sensata pode negar, ante a
simples leitura dessas passagens. É possível que o próprio Paulo, ao narrar a
história, inconscientemente tenha variado um tanto o seu conteúdo. No entanto,
muitos eruditos, até mesmo da escola liberal, concordam que há uma harmonia
essencial entre essas várias narrativas bíblicas, além de certas coincidências
verbais que confirmam o fato de que há uma fonte informativa única para todas
elas. Dessa maneira, essas narrativas são interdependentes entre si, e não
narrativas independentes umas das outras. As histórias narradas por Lucas, mui
provavelmente, — se basearam em narrativas pessoais, apresentadas pelo próprio
Paulo. A história nos mostra que Lucas foi quase constante companheiro de
viagens daquele apóstolo, em suas jornadas missionárias. Os sentimentos de
temor, a luz brilhante, a purificação psicológica, a sua renovação, a sua
conversão, são todos sinais de uma experiência mística genuína; e são
exatamente esses os elementos que reaparecem em todas as narrativas sobre o
evento da conversão de Saulo. Em sua vida posterior, Paulo recebeu outras
grandes e importantes visões, e a sua doutrina repousa essencialmente sobre
essas diversas revelações. Por que pensarmos ser estranho que Deus se revele a,
alguém? De fato, o cristianismo, como revelação distintiva de Deus, se alicerça
em tais revelações, sobretudo sobre as revelações outorgadas ao apóstolo Paulo,
porquanto nelas é que encontramos as grandes distinções que separam o
cristianismo do judaísmo.
A condição original para alguém entrar no apostolado, entre
outras, era que o candidato tivesse visto ao Senhor (ver At 1:21). Ora, essa
exigência teve cumprimento na experiência de Saulo. Quando já apóstolo,
refere-se Paulo por quatro vezes, em suas epístolas, à sua experiência de
conversão; essas passagens mostram que ele estava convicto da realidade
objetiva da mesma, considerando-a como equivalente a «ver» a Cristo, o que o
qualificava ao ofício apostólico (ver Gl 1:15,16; I Co 9:1; 15:8 e II Co 4:6).
Paulo não estabeleceu distinção alguma entre essa forma de ver e aquelas que os
demais apóstolos experimentaram, antes da ascensão de Cristo, porquanto todas
essas aparições foram do «Senhor ressurrecto».
As duas grandes pedras fundamentais, que servem de
características distintivas do cristianismo, são a ressurreição do Senhor Jesus
e a conversão de Saulo, bem como as proposições que se seguem, coerentemente,
desses dois fatos históricos.
Naturalmente, essa não foi a única experiência mística de Paulo,
pois ele também menciona algumas outras (tal como a visita ao terceiro céu, em
II Co 12). Parece que ele recebeu nada menos que sete grandes visões e a sua
doutrina repousa sobre a informação transmitida por meio delas. O cristianismo
repousa sobre o aparecimento do Cristo ressurrecto aos vários apóstolos e sobre
a mensagem que ele lhes trouxe quando voltou dentre os mortos. Se esse
fundamento for removido, restar-nos-á um judaísmo reformado (que também repousa
em experiências místicas, como as de Moisés). Removendo-se essas formas de
experiência, quando muito, nos restará uma forma de filosofia religiosa, e não
a religião revelada que certamente o cristianismo é. Mas, por que se pensaria
ser impossível que Deus se revelasse aos homens? E por que se pensaria ser
impossível, neste mundo admirável, que Jesus, o Cristo, um personagem
metafísico altamente exaltado não pudesse revelar-se aos homens?
A conversão de Paulo talvez tenha ocorrido por volta de 35 D.C.
Após sua conversão, Paulo passou algunspoucos dias com os discípulos de
Damasco. Pregou ali, por algumas vezes, ensinando, particularmente, que Jesus
era o Messias. Depois disso, retirou-se para a Arábia, possivelmente para a
região de Haurã, uma bacia fértil, que fica cerca de oitenta quilômetros ao sul
da cidade de Damasco, diretamente a leste do extremo sul do mar da Galiléia.
Outros creem que a área aludida era o país dos nabateus e a península do Sinai.
Aquele era mais acessível para quem partisse de Damasco, mas este último lugar
revestia-se de grande significação religiosa, por causa de sua conexão com a
transmissão da lei, sendo possível que Paulo tivesse preferido essa atmosfera.
Passou algum tempo em seu retiro, e dali, como é provável, esteve por diversas
vezes em Damasco e voltou. A sua mensagem era essencialmente a mesma — desde o
princípio — mas por essa altura, Paulo«...mais e mais se fortalecia e confundia
os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo» (At 9:22).
Pouco depois disso, Paulo visitou Jerusalém pela primeira vez,
após a sua conversão, tendo ficado com Pedro por quinze dias, para consulta e
consolo mútuo (ver Gl 1:18). Dali partiu para as regiões da Síria e da Cilícia
(ver Gl1:21). É provável que teria visitado sua cidade natal — Tarso, tendo
permanecido naquela região por algum tempo, embora não tenhamos qualquer
informação acerca disso. Enquanto Paulo pregava em Tarso, Barnabé e outros
líderes cristãos se encontravam em Antioquia, onde se ia desenvolvendo uma
poderosa comunidade cristã. A passagem de At 11:25 nos diz que Barnabé foi a
Tarso, à procura de Paulo, sem dúvida para obter a sua ajuda na igreja em
Antioquia, que precisava de uma liderança maior e mais forte. Isso foi um
movimento provocado pela providência divina, pois armou o palco para a longa
carreira de Paulo como apóstolo-missionário.
3. Primeira Viagem Missionária
Em cerca de 46 D.C., Paulo e Barnabé foram comissionados pela
igreja em Antioquia a se atirarem numa excursão evangelística. Essa viagem
fê-los atravessar a ilha de Chipre (onde Barnabé nascera), tendo passado pelo
«sul da Galácia» (ver At 13 e 14). Na companhia de Paulo e Barnabé ia também
João Marcos, autor do chamado evangelho de Marcos. Este era primo de Barnabé.
Ao chegarem a Perge, capital da Panfília, por razões para nós desconhecidas,
Marcos preferiu interromper a expedição e regressou a Jerusalém, sua terra.
Talvez Marcos não estivesse disposto a dar prosseguimento a uma viagem tão
difícil. — Paulo ressentiu a sua partida, julgando-a como ato de deserção, e
mais tarde não consentiu que ele o acompanhasse em outra excursão missionária
(ver At 15:38). Isso tornou-se motivo de acirrado debate entre Paulo e Barnabé,
pois também eram humanos e também estavam sujeitos a errar. De Perge viajaram a
Pisídia, um distrito em uma ilha, onde realmente teve começo a evangelização da
Ásia Menor. Em Antioquia da Pisídia, em um dia de sábado, os dois missionários
expuseram a sua importante mensagem messiânica, e foram bem acolhidos. No
sábado seguinte, entretanto, já fora criada uma amarga oposição por parte de
alguns judeus radicais. E os missionários cristãos foram obrigados a abandonar
a cidade.
Dali partiram para Icônio, importante cidade Comercial da
Licaônia. Seguindo seu costume original, pregaram na sinagoga dos judeus, e
obviamente tiveram êxito, pois ficaram ali por tempo considerável. Mas eis que
os radicais novamente provocaram um levante, que forçou Paulo e Barnabé a
fugirem, finalmente. Dali forampara Listra e Derbe, nenhuma das quais era
considerada cidade de grande importância. Essas cidades ficavam localizadas na
parte oriental da Licaônia. As superstições locais levaram as multidões a
identificarem os missionários com Zeus (Barnabé) e com Hermes (Paulo). Um culto
improvisado na hora, por alguns sacerdotes locais, em honra aos dois «deuses»,
teve de ser interrompido pelos missionários, porque sabiam que tal título não
era merecido. Mas não demorou que os judeus radicais atacassem novamente, e em
Listra (At 14) Paulo foi apedrejado.
Alguns intérpretes acreditam que foi nessa ocasião que Paulo
teve a sua visão do terceiro céu (II Co 12), e que ele realmente esteve morto,
mas reviveu. É possível que sua alma tenha sido momentaneamente liberta de seu
corpo dormente e à beira da morte, o que algumas vezes ocorre, conforme também
se tem aprendido em estudos parapsicológicos. O certo é que os enviados, tendo
partido de Listra, foram pregar em Derbe. Começaram a voltar desse ponto, a fim
de confirmarem na fé os novos convertidos, e assim passaram sucessivamente por
Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia. Oficiais foram eleitos para as
congregações. — Dali, eles partiram para Perge, e, finalmente, para Atalia, —
importante porto marítimo da Panfília. Ali chegando, embarcaram em um navio a
fim de irem para Antioquia da Síria, de onde tinham partido dois anos antes.
Essa primeira viagem os levara às áreas de Chipre, Panfília, Pisídia e Licaônia
e nesses lugares novas igrejas cristãs foram estabelecidas.
4. O Concilio Apostólico
O grande influxo de gentios na Igreja cristã que se ia formando,
criava grandes problemas entre os elementos judaicos, especialmente no tocante
às experiências da lei mosaica, e particularmente no que dizia respeito à lei
cerimonial e à questão da circuncisão. A fim de dar solução a esses problemas e
com o fito de fornecer uma resposta universal e autoritária às mesmas, Paulo e
Barnabé subiram a Jerusalém, a fim de conferenciarem ali com os apóstolos (ver
At 15). Corria o ano de 49 D.C., calculadamente. O concilio determinou que os
gentios não eram obrigados a cumprir as exigências da lei, e que não deveria
haver maior «carga» do que se absterem de alimentos oferecidos a ídolos, do
sangue, da carne de animais sufocados e da falta de castidade, isto é, de todas
as formas de pecados sexuais. As restrições visavam uma aplicação
essencialmente local, e não como padrão universal para todos os gentios, embora
talvez tenham servido de precedentes para a solução de problemas que surgissem
posteriormente. Tudo foi feito (isto é, as decisões de proibir certas coisas,
esboçadas na lei cerimonial) a fim de ajudar os membros judeus e gentios da
igreja a se darem bem uns com os outros com mais facilidade.
5. Segunda Viagem Missionária
Paulo, então já dono de maior experiência em viagens
missionárias, ansiava por partir novamente. Mas, devido às divergências com
Barnabé, por causa de João Marcos, dessa vez Paulo preferiu levar a Silas (ver
At 15:40 — 18:22). Partindo de Antioquia, seguiram por terra para as igrejas do
«sul da Galácia», e em Listra o grupo foi engrossado com a adesão do jovem
Timóteo. Ali chegando, o Espírito Santo desviou-os da direção ocidental, e
passaram a viajar na direção norte, atravessando o norte da Galácia. Em Trôade,
uma visão indicou que a Macedônia (no continente europeu) era um dos alvos
dessa viagem. Assim sendo, começou a evangelização da Grécia. Foram visitadas
as cidades de Filipos, Tessalônica e Beréia. Na Acaia (sul da Grécia), foram
visitadas as cidades de Atenas e Corinto. Paulo demorou-se em Corinto por quase
dois anos. Em Trôade, Lucas se reunira ao grupo missionário, e parece certo que
nesse tempo começou ele a escrever a sua importantíssima narrativa da igreja
primitiva, chamada de Atos dos Apóstolos, obra da qual se obtém quase todo o
conhecimento de que dispomos acerca de Paulo e suas viagens, bem como do
desenvolvimento da igreja primitiva em geral.
Durante as suas viagens, Paulo se mantinha em contato com as
congregações cristãs anteriormente organizadas por meio de epístolas, certo
número das quais têm chegado até nós, tendo-se tornado parte de nosso N.T. As
epístolas de I e II Tessalonicenses devem ter sido escritas nesse tempo. De
Corinto, Paulo partiu para Éfeso, onde ficou durante pouco tempo. Dali, em
viagem apressada, passou por Jerusalém e chegou a Antioquia da Síria. Dessa
maneira se encerrou a sua segunda viagem missionária. Essa segunda viagem
missionária evidentemente ocupou de ano e meio a dois anos, e provavelmente
terminou em cerca de 51 D.C. Depois disso Paulo passou mais algum tempo
(quanto, exatamente, não sabemos), em Antioquia da Síria.
6. Terceira Viagem Missionária
Foi a época do ministério em volta do mar Egeu (ver At 18:23 —
20:38). Sob diversos aspectos, esse foi o período mais importante da vida de
Paulo. A província da Ásia foi evangelizada, e postos avançados do cristianismo
foram lançados na Grécia. Durante esses anos, Paulo escreveu I e II Coríntios,
Romanos, e talvez (ainda que não todas) algumas das chamadas epístolas da
prisão — I e II Timóteo e Tito. De Antioquia, Paulo partiu para Éfeso. Ali
passou cerca de três anos, tendo estabelecido um dos centros mais importantes
do cristianismo, a despeito da feroz oposição, movida tanto pelos judeus como
pelos aderentes da adoração à deusa Ártemisa (Diana). Desse ponto,
provavelmente, Paulo visitou diversas outras áreas ao redor, mas seu trabalho
principal se concentrou em Éfeso. Também tornou a visitar as congregações
cristãs ao redor do mar Egeu, que haviam sido anteriormente fundadas.
Atravessando Trôade, Paulo chegou à Macedônia, onde escreveu a epístola chamada
II Coríntios, e dali partiu para Corinto. Nessa cidade ele passou o inverno e
escreveu a epístola aos Romanos, antes de continuar viagem até Mileto, um porto
próximo de Éfeso.
Por essa altura, Paulo desejou subir a Jerusalém, a fim de levar
auxílios aos crentes pobres dali (empobrecidos pela perseguição e pela fome),
enviados pelos crentes gentílicos. A princípio ele queria ir à Síria por via
marítima, mas, devido a uma armadilha que lhe fizeram para tirar-lhe a vida,
preferiu viajar por terra, tendo atravessado a Macedônia. Dali, ele e seus
companheiros de viagem tomaram um navio e velejaram ao longo das costas
ocidentais da Ásia Menor. Breves paradas foram efetuadas em diversos lugares,
incluindo Mileto, cidade portuária de Éfeso, o que forneceu a Paulo a
oportunidade de se despedir finalmente, dos crentes que ali habitavam.
Finalmente, desembarcaram em Tiro, na costa da Síria. A despeito das várias
advertências sobre os perigos que ele teria de enfrentar em Jerusalém, Paulo
prosseguiu viagem. Paulo chegou em Jerusalém no Pentecoste, provavelmente em cerca
de 56 D.C. Sua terceira viagem missionária, por conseguinte, terminou após um
pouco mais de três anos de atividades.
7. Aprisionamento e Encarceramento em Roma
Paulo se movimentara com admirável liberdade, embora nunca o
tivesse feito sem teste, tribulação e perseguição. Jerusalém rejeitara muitos
homens piedosos, muitos profetas, e o próprio Jesus; e Paulo não estava
destinado a conseguir maior êxito ali. O trecho de At 21:17 — 28:16 conta a
história. Os judeus radicais, nessa ocasião, não tiveram de perseguir a Paulo,
mas ele caiu direto na armadilha que lhe armaram. — O mais estranho é que a
confusão foi provocada por alguns judeus que vinham da província da Ásia, que
por acaso estavam no templo e reconheceram Paulo; foram eles que agitaram as multidões
e fizeram-nas atacar o apóstolo. As autoridades romanas aprisionaram Paulo por
estar perturbando a ordem. A essa altura, Paulo fez um discurso na escadaria do
templo, contando com pormenores como ele fora perseguidor dos crentes, como ele
se convertera, e como pregara a Jesus como Messias de Israel. Paulo foi
ameaçado de açoites pelas autoridades romanas, mas, informando-as de que era
cidadão romano, o tribuno militar o soltou. Mas essa ação causou tal protesto,
por parte dos judeus que, para sua própria proteção, Paulo foi levado de volta
às barracas militares. Os judeus, ato contínuo, conspiraram em matá-lo, e por
isso Paulo foi removido para Cesaréia, com um grupo armado. Ali Paulo foi
conduzido à residência de Félix, procurador romano. Paulo foi guardado sob
sentinela, no palácio de Herodes. Aparentemente, esteve em Cesaréia pelo espaço
de dois anos, e alguns creem que ali ele escreveu a sua epístola aos
Colossenses, aos Efésios e a Filemom; mas uma data posterior para essas
epístolas é mais provável.
Após dois anos de administração malsucedida, Félix foi chamado
de volta a Roma, e Pórcio Festo tomou o seu lugar. Este era homem de caráter
amargo. (Isso aconteceu em cerca de 58 D.C.). Quando o novo procurador se
recusou a ouvir o caso de Paulo, em Jerusalém, os judeus desceram a Cesaréia, a
fim de acusarem a Paulo ali. Assacaram graves acusações contra ele, mas que
Paulo negou categoricamente. Foi então que Paulo apelou para César, que era
direito de todos os cidadãos romanos, e dessa maneira se criou o motivo de sua
viagem a Roma. Antes de partir para Roma, Paulo falou perante o rei Agripa II e
sua irmã, Berenice. Esse Herodes era o bisneto de Herodes, o Grande. Nessa
oportunidade, Paulo repetiu a história de sua conversão, e é óbvio
queimpressionou favoravelmente os que o ouviram.
Dali, viajando pelo mar, Paulo partiu para Roma, juntamente com
muitos outros prisioneiros. Fez diversas paradas ao longo do caminho, incluindo
uma permanência de três meses em Malta. Paulo chegou a Roma em 59 D.C, não como
homem livre, mas, não obstante, como poderosa testemunha do cristianismo.
Chegando a Roma, Paulo não foi tratado como prisioneiro no sentido ordinário, e
nem como criminoso. Ali ele desfrutou do que se denominava «libera custodia»,
isto é, podia viver em sua própria casa, desfrutando de muitos privilégios de
liberdade de ação, mas sempre acompanhado de um guarda. Paulo pregava àqueles
que o visitavam, explicando-lhes as razões de seu aprisionamento; e também
enviava epístolas a lugares distantes. Foi nesse período que, provavelmente,
foram escritas as epístolas aos Colossenses, a Filemom, aos Filipenses (e,
provavelmente, aos Efésios).
O livro de Atos dos Apóstolos encerra-se bruscamente, não como
um livro inacabado, e, sim, dando a ideia de que o autor tencionava escrever
outra seção ou livro a fim de suplementá-lo. Lucas escrevera um evangelho, e
então essa história, e não é de modo algum impossível que ele tivesse planejado
ainda um outro volume. De conformidade com a tradição cristã primitiva, Lucas
continuou sendo fiel auxiliar de Paulo até o martírio deste, e então deu
continuação ao seu ministério, no evangelho, por mais vinte anos (até 84 D.C),
até que, finalmente, faleceu em Beócia, na Grécia, com a idade de oitenta e
quatro anos. Se podemos confiar nessa tradição, ficamos completamente
atônitos, por não sabermos por que não foi completada a história de Paulo, em
um escrito subsequente, juntamente com outros importantes acontecimentos que
estariam ocorrendo na igreja, após o falecimento de Paulo.
8. Paulo, de Novo Livre, Vai à Espanha
Nenhum relato bíblico nos diz que Paulo foi libertado novamente
a fim de ministrar outra vez; mas existemalgumas evidências que dão essa
indicação. É possível que Paulo tenha sido libertado em cerca de 63 D.C, e que
tenha visitado tanto a Espanha como a área do mar Egeu, uma vez mais. A
epístola de Clemente (em vss. 5-7, 95 D.C), — o cânon muratoriano (170 D.C) e o
livro apócrifo Atos de Pedro (1:3 — 200 D.C.) falam de uma visita de Paulo à
Espanha. As epístolas pastorais, ou pelo menos II Timóteo, parecem envolver um
ministério posterior à história narrada no livro de Atos, desenvolvido no
Oriente, pelo que também parece que Paulo pôde cumprir o seu desejo de visitar
a Espanha, conforme expressou em Rm 15:24.
9. Segundo Encarceramento e Morte
Não se sabe quais as circunstâncias do segundo encarceramento de
Paulo, embora a tradição indique que ele foi aprisionado pela segunda vez,
levado de volta a Roma e lançado na prisão. Sabe-se que Nero odiava os cristãos
e que chegou mesmo a usar os seus jardins pessoais como local de torturas
cruéis, nos quais os cristãos eram obrigados a enfrentar animais ferozes. Essa
perseguição rebentou em cerca de 64 D.C. Provavelmente, Paulo foi aprisionado,
com muitos outros cristãos, em cerca de 64 D.C. Na qualidade de cidadão romano,
é provável que tenha sido julgado por um tribunal, mas, quais tenham sido as
acusações contra ele ou quais as condições do julgamento, não temos meios de
saber. Paulo sofreu o martírio em Roma, provavelmente no ano de 65 D.C. De
acordo com certa tradição, foi decapitado. É possível que nesse período final
de sua vidatenha sido escritas as chamadas epístolas pastorais — I e II
Timóteo, e Tito — e, igualmente, a epístola aos Efésios. Assim terminou a carreira
do maior e mais influente exponente do cristianismo em toda a sua história,
após ter combatido o bom combate, ter terminado a carreira e ter conservado a
fé. Não há que duvidar que oesperam as coroas prometidas (ver II Tm 4:7).
10. Cronologia da Vida de Paulo
I. Vida de Paulo antes do contato com os seguidores de Jesus
1. Provável nascimento e infância em Tarso
(judeu da dispersão) (At 22:3; Gl 1:21) 5 D.C.
2. Vida como judeu zeloso, da seita dos fariseus
(Gl 1:13,14; Fp 3:3-6; At 26:4,5) 20-26 D.C.
II. Vida como perseguidor dos seguidores de Jesus
(Gl 1:13; I Co 15:9; At 8:3; 9:1) 32 D.C.
III. Conversão de Paulo
(Gl 1:15; I Co 9:1; talvez II Co 12:1-4; At 9:1-19; 22:4-16;
26:9-18). Cerca de 35 D.C?
IV. Carreira de Paulo como apóstolo
1. Três anos na Arábia e em Damasco (e outras áreas)
(Gl 1:17) 32-39 D.C. Problema: Sobre o que ele meditava, ou
quais suas
atividades?
2. Quinze dias de visita a Jerusalém — Paulo viu a Pedro e a
Tiago, irmão de Jesus
(Gl 1:27).
3. Sua obra na Síria, Cilícia e Galácia, e talvez nas regiões
ocidentais — Macedônia e Grécia (14 anos)
(Gl 1:21) 35—93 D.C.
A. Escreveu a maioria de suas epístolas:
I e II Tessalonicenses (II Co 6:14 — 7:1)
B. Possível aprisionamento em Éfeso
Colossenses, Filipenses e Filemom
C. Visita a Jerusalém — Visita de conferência
(Gl 2:1; At 15) 49 D.C.
D. Volta à Ásia (província romana)
I e II Co 10 – 13
Período de crise com os cristãos judaizantes —
(Gálatas inteiro; II Co 10—13; Fp 3:2 - 4:7)
4. Solução da Crise
A. Termina a coleta para os pobres de Jerusalém 55 D.C.
(II Co 1—9 exceto 6:14-7:1 - I Co 16:1-4; II Co 9:1-15; Rm
15:14-32)
B. Planos de visitar a Espanha e Roma
(Rm 15:24,28) 56 D.C.
II Co 1-9; Romanos 16 (Pedro e Febe)
5. Viagem a Jerusalém, levando a oferta — Não há referências
diretas, exceto as que antecipam o evento. 57 D.C.
6. Aprisionamento em Roma — Conforme a tradição cristã (At 20).
59 D.C.
7. Novamente livre, talvez com um ministério na Espanha — cerca
de um ano. (Só tradição cristã, sem qualquer alusão bíblica).
8. Segundo aprisionamento e morte. (Só tradição cristã, sem
qualquer alusão bíblica). 65 D.C.
II. Significação de Paulo
1. As Escolas Criticas e Paulo
Albert Schweitzer (Paul and His Interpretefs, 1912) salientou o
fato de que com frequência as Escrituras têm sido usadas por pessoas comuns e
por intérpretes tão somente como uma mina de textos de prova, sem qualquer
consideração histórica ou exegética. Esses dizem que qualquer argumento pode
ser solucionado simplesmente abrindo-se a Bíblia em certa passagem que,
alegadamente, traz a resposta. Os opositores, em qualquer debate, pareciam
igualmente habilidosos em apelar para «textos de prova», empregando esse
método. O século XVIII testemunhou uma revolta contra tais princípios, pelos
pietistas e racionalistas, os quais, por razões diferentes entre si, procuravam
distinguir a exegese das conclusões providas pelas considerações dos credos e
pelo simples exame de «textos de prova»:
a. O trabalho de J.S. Semler (1725-91) e J.D. Michaelis. Esses
homens tentaram aplicar métodos de criticahistórica-literária às Escrituras,
tendo esboçado normas hermenêuticas, na esperança de mostrarem que o N.T. não
se desenvolveu em um vácuo, mas que se devem aplicar indagações históricas e
literárias, se quisermos entender apropriadamente a sua mensagem. A filologia
foi introduzida como parte da abordagem histórica na interpretação e na solução
dos problemas. À base desses estudos, mostrou-se que em I e II Coríntios temosuma
correspondência do apóstolo com os crentes em Corinto, e não meramente duas
epístolas, incluindo, talvez, um grupo de quatro epístolas, que, finalmente,
foram reunidas em duas divisões principais. E outras sugestões semelhantes
foram feitas, no tocante às epístolas de Paulo.
b. A escola de Tubingen. No século XIX, na Alemanha, surgiram
formas mais radicais de escolas críticas daBíbia. Obras de autores tais como
G.W. Bramiley (Biblical Criticism) e J.E. Schmidt, Schleiermacher e F.C.
Baur(de Tubingen), levantaram dúvidas sobre a autenticidade de I e II Timóteo e
de II Tessalonicenses, à base de considerações literárias, linguísticas e de
vocabulário. Baur só deixou intactos cinco dos vinte e sete livros do N.T.,
como testemunhos incontestáveis do período apostólico e escritos pelos próprios
apóstolos. — Ele tentou distinguir a verdadeira literatura apostólica mediante
o princípio interpretativo da «tendência». As duas grandes tendências que
teriam dado colorido à literatura apostólica eram o conflito entre Paulo (e o
cristianismo gentílico), de um lado, e o cristianismo judaico estrito e a
ameaça do gnosticismo, do outro; tendência, sob a qual teriam sido escritas as
chamadas epístolas gerais. De conformidade com essa teoria da «tendência», toda
literatura que tentasse reconciliar a controvérsia judaico-paulina, ou tentasse
reconciliar em parte o gnosticismo, foi classificada como não-apostólica, e
isso extirpava a maior parte dos livros existentes do N.T., tornando-os não
apostólicos. Baur também ensinava que Paulo foi o helenizador do cristianismo.
Em resultado disso, essa escola convenceu a bem poucos, além de
a si mesma. Não é lógico supormos que um homem só, e em tão pouco tempo,
pudesse ter helenizado o cristianismo (e assim tivesse alterado seu caráter
original). Também é verdade que esse elemento helenístico, apesar de presente,
tem sido altamente exagerado; e Paulo, sendo judeu criado em Jerusalém e ali
criado como fariseu, certamente não foi quem helenizara a si mesmo. A citação
de Paulo, feita em I Clemente (95 D.C.) e nos escritos de Inácio (110 D.C),
onde não se vê qualquer reflexo de um suposto conflito entre Paulo e uma
tendência judaizante, nesse período, são argumentos fatais às teorias da Escola
de Tubingen. Baur ficou na mira de vários conservadores, principalmente
J.C.K.Hofman e os seguidores de Schleiermacher. Mas o golpe mais devastador foi
dado por um ex-discípulo de Baur, A. Ritschl, o qual abandonou a ideia da
alegada hostilidade entre Paulo e os discípulos originais de Cristo. Ele salientou
a unidade dos discípulos e a unidade essencial da mensagem cristã. Os
discípulos posteriores dessa escola de Tubingen começaram a aceitar como
paulinas quase todas as epístolas atribuídas a Paulo (exceto II
Tessalonicenses, as epístolas pastorais e Efésios, cuja aceitação, em muitos
lugares, não era mais considerada essencial à ortodoxia).
As controvérsias sobre a autoria revolvem em torno de Efésios,
Colossenses e as epístolas pastorais, sobretudo essas últimas; e as discussões
podem ser vistas in loc. Os «clássicos paulinos» (que poucos duvidam ser de
autoria paulina) são Romanos, Gálatas, I e II Coríntios. A essas quatro, outras
cinco são adicionadas pela maioria dos estudiosos, com pouca hesitação, a
saber, I e II Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses eFilemom.
Somos forçados a reconhecer, entretanto, que algum bem surgiu
dessa controvérsia, pois os intérpretes foram alertados para a necessidade de
levar-se em conta as considerações históricas e literárias, para que se faça
bom juízo do N.T. Baur trouxe à luz uma abordagem indutiva histórica ao
cristianismo primitivo, e libertou as pesquisas da ideia de que nada havia a
ser aprendido, posto que todas as conclusões já haviam sido formadas.
c. Os eruditos britânicos e norte-americanos examinaram a
reconstrução apresentada por Baur, mas, namaioria dos casos, não se deixaram
persuadir. O conjunto de escritos paulinos (com exceção de Hebreus, que poucos
eruditos têm atribuído a Paulo, porquanto o próprio livro não reivindica tal
autoria) permaneceu de pé. Sólida exegese histórica saiu da pena de Lightfoot e
de Ramsay. Este último só escreveu após intensa pesquisa arqueológica. Tais
autores confirmaram a autoria lucana do livro de Atos; e isso aumentou a
credibilidade e esclareceu a cronologia desse livro, no que se relaciona a
Paulo.
d. Outros eruditos têm produzido teorias sobre o conjunto
paulino de escritos. E. J. Goodspeed conjecturou que em cerca de 90 D.C, algum
admirador de Paulo (talvez Onésimo, conforme J. Knox sugeriu mais tarde) tenha
publicado as epístolas de Paulo, tendo escrito pessoalmente a epístola aos
Efésios como epístola generalizadora ou como tratado introdutório.
De conformidade com a tradição, Onésimo, ex-escravo, finalmente,
veio a tornar-se superintendente da igreja de Éfeso, pelo que estaria em
posição de fazer isso. Toda essa ideia, todavia, se esvai em fumaça, quando
consideramos que nada há, na própria epístola aos Efésios, que indique que ela
tenha encabeçado ou terminado um conjunto de epístolas paulinas; e nem se pode
provar que essa epístola contenha um sumário não escrito por Paulo acerca do
pensamento desse apóstolo.
e. A crítica literária do século atual tem procurado discutir e
desenvolver os seguintes temas:
a. Esforço contínuo para obter uma construção histórica geral
das epístolas de Paulo e de seu pensamento,
b. Determinação exata de quais epístolas Paulo teria escrito ou
não.
c. Determinação da origem e das datas das epístolas pastorais,
que alguns supõem terem sido escritas por algum discípulo de Paulo, que
procurava expressar as atitudes desse apóstolo,
d. Determinação das epístolas paulinas e não-paulinas.
e. Solução para várias questões relativas a unidade, a autoria e
a interpretação das epístolas paulinas individuais.
Outras implicações dessas pesquisas se encontram no parágrafo
abaixo acerca das epístolas paulinas.
2. As Epístolas Paulinas
Embora, ao longo dos séculos, toda correspondência que tem
chegado até nós com o epíteto de paulina, isto é, escrita por Paulo, tenha sido
posta em dúvida, por alguns, como autêntica. Existem quatro escritos paulinos
clássicos que nem mesmo os eruditos modernos põem em dúvida, mesmo entre os
mais liberais. Trata-se das epístolas aos Romanos, aos Gálatas e I e II
Coríntios. Lutero dizia que se pudéssemos ao menos preservar o evangelho de
João e a epístola aos Romanos, o cristianismo não poderia ser extinto.
Entretanto, mais geralmente aceitam-se os nove livros seguintes como saídos
realmente da pena de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses,
Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filemom. Para muitos, as epístolas de I e
II Timóteo e Tito (as epístolas pastorais), além de Efésios, são consideradas
obras dos discípulos de Paulo (escritas em seu nome). E a epístola aos Hebreus
(apesar de não ter sido rejeitada do cânon do N.T.) é quase universalmente
rejeitada como epístola escrita por Paulo. De modo geral, nas pesquisas mais
recentes, a atenção se tem desviado da autoria das epístolas para outras questões.
Por exemplo, costuma-se discutir sobre a forma original das epístolas ou a sua
unidade essencial. Teria sido escrita realmente aos crentes de Roma a chamada
epístola aos Romanos? Nesse caso, por que alguns manuscritos omitem as palavras
«A todos... queestais em Roma», em 1:7, e «...em Roma», em 1:15? Qual teria
sido a forma original dessa epístola, porque alguns mss contêm mais de uma
doxologia finalizadora. Por exemplo, a doxologia em Rm 16:25-27 se encontra em
L, 1175 e no Sy(n), em 14:23, ao passo que os mss A, P, 5 e 33, além de algumas
traduções armênias, têm-na em ambos os lugares. O antigo ms P(46) tem-na
somente após o cap. 15. Teriam sido escritas duas epístolas — uma mais longa e
outra mais breve, que finalmente foram combinadas para formar uma só, deixando
incerto o local exato da doxologia?. Nas epístolas aos Coríntios, alguns
eruditos distinguem nada menos de quatro epístolas diversas, que finalmente
foram combinadas para formar somente duas. Os melhores mss de Efésios não
trazem as palavras «em Éfeso», em 1:1 dessa epístola. Foi essa epístola
realmente escrita aos crentes de Éfeso, ou teria ela sido, originalmente uma
circular enviada às igrejas da Ásia Menor, sem qualquer designação específica
quanto ao destino? Como as palavras em Éfeso vieram a fazer parte do texto?.
Essas questões são expostas aqui a fim de dar exemplos, ao leitor, sobre os
tipos de problemas que são discutidos nos artigos sobre as epístolas, bem como
na exposição geral.
3. O Servo de Cristo
As epístolas de Paulo frequentemente apresentam-no como servo
«escravo» de Cristo. No original o termo usado é doulos, e geralmente, tem sido
mal traduzido por «servo», e não pela sua tradução mais exata, «escravo». Paulo
usou um termo forte a fim de indicar que ele fora comprado por bom preço,
porquanto, tendo sido antes um homem indigno, por ter perseguido e morto aos
cristãos, a sua dívida era imensa e insolúvel. Sua vida toda, da conversão por
diante, foi um esforço por contrabalançar suas más ações, e disso se originou
uma dedicação que tem inspirado o mundo inteiro durante séculos, e que tem sido
eternamente usada, em sermões, como ilustração do discipulado cristão. Todo
aquele que é chamado para perto do Senhor, o Mestre, torna-se um — escravo —
como Paulo (conforme é indicado em I Co 3:23 e 7:22,23), e isso forma a ideia
básica do discipulado totalmente dedicado que Paulo requer dos seguidores de
Cristo. O Senhor (tal como os senhores de escravos) exerce direitos absolutos
sobre todo pensamento, ambição, palavra, ação e alvo das vidas de seus
escravos. Outro tanto se aplica à liberdade de ação dos escravos; mas, segundo
a concepção paulina, estar verdadeiramente livre é ser escravo completo de
Jesus, pois é então que o crente encontra a verdadeira liberdade de alma, além
de completo livramento do pecado e de seus efeitos, sem falar na completa
transformação segundo a imagem de Cristo. Paulo descreve o pecado como uma
carência da glória de Deus (Rm3:23), e com isso ele revela a sua correta
atitude para com o pecado. O pecado é a degradação da personalidade humana. Os
homens foram criados para coisas exaltadas, para serem exaltados acima dos
próprios anjos, porque, ao serem transformados segundo a imagem de Cristo (ver
Ef 1 e Rm 8), tornam-se, realmente, superiores aos anjos. O pecado é a marca da
humanidade envilecida, não transformada segundo o modelo divino. O verdadeiro
escravo de Jesus progride muito mais rapidamente no caminho da absoluta
transformação segundo a imagem de Cristo, e isso contribui para a verdadeira
glória de Deus. Aqueles que persistem no pecado, portanto, «carecem» dessa
glória. O verdadeiro escravo do Senhor, por conseguinte, é, realmente, um
homem liberto, pois somente no cumprimento de seu destino é que o homem é
libertado de seu estado inferiorizado pelo pecado.
Aos seus escravos é que Cristo ensina o seu amor, e é então que
aprendemos a mansidão, a graça e a gentileza de Cristo (ver II Co 10:1; Rm 12:1
e I Co 1:10). Aos seus escravos é que Cristo transmite os pensamentos de sua
mente (Fp 2:1-18), e isso fala de certa comunhão mística com o Senhor
ressurreto e assento ao céu. Para Paulo, esse companheirismo era muito real, e
ele procurou transmitir o sentido dessa experiência aos discípulos de Jesus.
Com grande frequência, expressões tais como «em Cristo» e «mente de Cristo»,
são termos vazios para a igreja moderna, porque temos perdido de vista o
sentido dessas coisas. E temo-lo perdido não nos nossos estudos de teologia, ou
nos livros impressos, ou nos sermões falados, e, sim, na experiência e na
realidade diárias.
Paulo ensinava a obediência da fé, porquanto a fé em Cristo era
vista pelo apóstolo como uma realidade vital, como uma transmissão da própria
vida de Deus, através da pessoa real, viva, ativa e comunicadora chamada
Espírito Santo. O apóstolo Paulo comparava-se a uma ama que cuidava ternamente
de infantes, ajustando a dieta dos mesmos às suas necessidades e capacidades
(ver I Co 3:1-3 e I Ts 2:7). Também comparou-se àquele que apresenta uma noiva
ao seu noivo (ver II Co 11:2,3). Paulo, igualmente — comparou a igreja — ao
campo de Deus, onde ele trabalhava a fim de produzir frutos. Dessas e de outras
maneiras, Paulo demonstrou quanta dedicação se exige desse serviço absoluto a
Cristo. Acima de tudo, o apóstolo esclareceu que o amor de Deus exige tais
sacrifícios (ver Rm 5:5; II Co 5:14). Mostrou, ainda, que antes de sua
conversão traçara uma trilha de violência, ódio e homicídio, e justamente
contra aqueles que menos mereciam tal tratamento, isto é, os cristãos. Mas eis
que o amor de Deus, através de Cristo, modificara tudo isso, e foi justamente
esse amor que o tornara escravo de Cristo, posição na qual Paulo se sentia
verdadeiramente livre. Desde que fora conquistado por esse amor, ele é que
passara a receber os golpes violentos da parte de homens ímpios e
desarrazoados. Por conseguinte, quando contemplamos ainda que superficialmente
a vida desse homem, compreendemos por que motivo os tradutores não têm sido
capazes de traduzir o termo doulos por «escravo», preferindo um vocábulo mais
suave, como «servo». Infelizmente, nossas vidas também refletem essa
substituição. Nesse exemplo de total consagração à causa do Senhor, encontramos
uma das significações da vida de Paulo.
4. O Apóstolo aos Gentios
Outra das grandes significações da vida de Paulo é o fato de que
ele representava aquele princípio dá nova religião revelada que não somente
aceitava os pecadores, os publicanos e os desprezados, mas que também lhes
prometia um destino mais elevado do que qualquer coisa exposta pelo judaísmo.
Em seu caráter essencial (pelo menos até os tempos helenistas) o judaísmo tem
sido uma religião terrena, com alvos e promessas terrenos. O cristianismo,
porém, volta-se para as coisas da outra vida, e é essa atitude, em seu ensino
acerca da total transformação do crente segundo a imagem de Jesus, o Messias, o
Senhor eterno, que, aos olhos dos judeus, inspirava aos gentios «pretensões» e
«ambições» jamais ouvidas. Paulo tornou-se o porta-voz mais proeminente dessa
nova mensagem, sendo bem reconhecido o fato de que somente Paulo expõe, com
clareza e pormenores, a mensagem central da posição e do destino da «igreja»,
que declaradamente, e na realidade, viria a ser essencialmente uma igreja
gentílica.
Paulo se opusera amargamente a essa mensagem, até mesmo quando
ela ainda estava em sua forma primitiva, nas mãos dos outros apóstolos, antes
das grandes revelações que encontramos em Romanos, em Efésios e em Colossenses,
as quais, verdadeiramente, deram à igreja cristã a sua definição final. Paulo
não podia aceitar antes da sua conversão, e até mesmo abominava, uma mensagem
que falava de um Messias que fora crucificado e que ressuscitara. Aquele filho
de Benjamim, o fariseu, era por demais astuto para não ser capaz de discriminar
o possível impacto que esse Messias crucificado e ressurreto haveria de impor à
comunidade judaica. Outrossim, certos porta-vozes da nova religião tinham
anunciado publicamente, que Deus ab-rogara as exigências da lei antiga, tais
como a circuncisão, a justiça mediante a observância da lei, e os sacrifícios
no templo, porque tudo isso eram símbolos que haviam sido cumpridos pelo
Messias, o antítipo de todos esses tipos simbólicos. Além disso, também haviam
anunciado que esse mesmo Messias era Senhor de todos, e que em breve
estabeleceria o longamente esperado Reino de Deus, e que a nação judaica, como
um todo, corria o perigo de perder a participação nesse reino. Sendo fariseu,
Paulo sentia repugnância por tais ensinos, e, emseu zelo pela justiça que lhe
parecia autêntica, que ele reputava estar exclusivamente na lei e nos ritos que
saturavam o judaísmo, tornou-se o mais temível opositor do cristianismo. Não
haveria de descansar enquanto não desaparecesse da face da terra o último
vestígio dessa nova heresia. Sabia ao que fazia oposição, e por quais motivos.
Mas eis que, repentinamente, o próprio Jesus resolveu interferir
na loucura do jovem, apanhando-o no ato deintensificar os seus violentos
esforços de derrubar a igreja. A experiência mística de Paulo, pois,
«purificou-o» e «modificou-o», mas deixou perfeitamente intacta a sua natureza
ardente e zelosa. A princípio, Paulo podia pregar apenas a mensagem messiânica,
pois até aquele ponto ainda não recebera maiores luzes sobre o sentido da morte
de Cristo, as vastas implicações de sua ressurreição e ascensão. Por isso é
que, em Damasco, ele pregou que Jesus era o Messias. É provável que em sua
retirada para a «Arábia» tenha recebido as visões preliminares e as revelações
que o equiparam para a tarefa de quarenta anos que tinha a sua frente. O trecho
de Gl 1:14,15 indica que um dos ingredientes essenciais das revelações
recebidas por Paulo é que o seu ministério seria entre os «gentios».
Posteriormente, no concilio efetuado em Jerusalém (sobre o qual lemos no
segundo capítulo da epístola aos Gálatas), vemos que a sua missão especial foi
reconhecida e aprovada pelos demais apóstolos. Dessa forma, Paulo lançou-se ao
cumprimento do grandioso desígnio de Deus, como nem mesmo os profetas da
antiguidade haviam imaginado. Alguns deles tinham previsto a salvação dos
gentios, mas as indicações acerca da igreja — a noiva de Cristo — são escassas
no V.T., e mesmo assim foram expostas de forma velada, em tipos e sombras. O
grande propósito do oitavo capítulo de Romanos e do primeiro capítulo de
Efésios jamais havia sido exposto por lábios judeus antes de Paulo.
Paulo aprendeu qual o propósito da cruz, conforme ele explica no
décimo quinto capitulo de I Coríntios, onde se vê que a expiação ali efetuada
faz parte integral do plano geral do evangelho. Ele percebeu que o esforço
humano jamais poderia realizar o que foi realizado na cruz do Calvário. E assim
também os seus esforços anteriores, como fariseu, assumiram um novo
significado, pois em seus frenéticos esforços para obter a justiça própria,
mediante a observância da lei, Paulo recebeu uma lição perfeitamente objetiva
da total necessidade da justiça que vem por meio de Cristo. Posteriormente, ele
usou sua própria experiência como lição objetiva (Fp cap. 3), pois ninguém
podia vangloriar-se de mais obras na carne do que o jovem Paulo. «Mas foi
exatamente esse jovem» que chegou a compreender que o destino do homem está nas
mãos de Cristo. Viver corretamente não é o alvo principal do destino humano.
Isso deve ser feito e será feito por todos os verdadeiros discípulos de Cristo,
mas essa vida resulta da transformação do crente à imagem mesma de Jesus
Cristo. Paulo passou da noção de que a vida é aquilo que um homem faz para a
ideia muito mais elevada de que a vida é aquilo em que tornamos metafísica e
moralmente transformados segundo a imagem do Caminho, que é ao mesmo tempo o
pioneiro do caminho, e o próprio caminho que devemos palmilhar. Paulo começou a
perceber que o destino humano é uma longa e grande busca, que finalmente conduz
à própria presença de Deus, e aqueles que ali chegam são transformados em seres
que serão a própria imagem de Deus impressa neles, e que, de fato, não serão
menos santos do que o próprio Deus. Essa grandiosa e elevada mensagem tornou-se
o grande poder impulsionador por detrás do zelo de Paulo, e ele foi por toda
parte do mundo gentílico com o intuito de proclamá-la. Os capítulos 9 a 11 da
epístola aos Romanos consistem de revelações concernentes ao destino de Israel
e à base dessas revelações Paulo sabia que a nação de Israel seria posta de
lado por algum tempo, que a época dos gentios deveria chegar ao término de seu
curso, até que toda a igreja tivesse sido chamada. Por essa razão, passou a
buscar ainda com maior determinação a salvação dos gentios, a fim de
estabelecer a igreja, permitindo, assim, que Deus tornasse a chamar a nação de Israel,
a qual, no fim, teria um destino um tanto diferente do da igreja.
A cruz também se revestia de significação simbólica na missão de
Paulo como apóstolo aos gentios. Significava sacrifício, conformidade com a
morte de Cristo (ver Rm 6), o que, por outro lado, significa não-conformação
com o mundo. A cruz fala de dor, de sofrimento e de angústia em sua forma mais
intensa, e Paulo aceitava essas coisas como sinais de seu ministério. Por toda
parte era assediado pelos radicais, e sua longa lista de sofrimentos, em II Co
11:23-28, menciona espancamentos, muitos aprisionamentos (dos quais temos o
registro de apenas alguns, talvez em número de três), apedrejamentos, açoites
com flagelos e com varas, naufrágios, perigos de assaltantes e inundações,
fome, exaustão física devido a trabalhos contínuos e árduos, frio e falta de
vestes apropriadas. Acima de tudo, pesava-lhe nas costas o fardo psicológico do
cuidado por todas as igrejas locais. Trazia em seu próprio corpo as marcas do
Senhor Jesus, tal como Jesus levava, em suas mãos e em seus pés, os sinais dos
cravos da cruz. Isso fazia parte da significação de Paulo como apóstolo dos
gentios. Era um autêntico soldado da cruz, e exibia um discipulado de
consagração sem-par, que o mundo jamais pôde esquecer, e que ficou para sempre
gravado nas páginas das Santas Escrituras, para escrutínio de todos. Paulo
anunciou uma mensagem distintiva, que falava do exaltado destino da humanidade,
e foi um mensageiro distinto dessa mensagem, e é desses dois fatores que
aprendemos um outro significado da vida de Paulo.
5. A Doutrina de Paulo
A descrição mais completa da doutrina de Paulo pode ser
encontrada nas diversas centenas de páginas sobre suas epístolas nesta
enciclopédia. Aqui temos apenas uma tentativa de salientar o caráter central
dessa mensagem, em torno da qual tudo o mais é subserviente.
A Reforma protestante salientava a justiça ou justificação
mediante a fé e nos séculos seguintes, esse continuou sendo o fator controlador
de toda interpretação dos escritos de Paulo. Mui infelizmente, os intérpretes
não sondaram ainda com mais profundidade o pensamento do apóstolo, pois apesar
dele ter salientado a justiça e a justificação, essas ideias tão-somente são
parte de uma mensagem maior, porções necessárias, para dizer a verdade, mas
apenas partes componentes de um grande plano. É possível que se os reformadores
e aqueles que os seguiram tivessem tido mais compreensão, a igreja atual talvez
compreendesse melhor a descrição dogrande evangelho de Paulo.
Desafortunadamente, porém, a igreja tem estacado mais ou menos onde a reforma a
deixou, e mui raramente o evangelho completo de Paulo é pregado na igreja
comum. Não será isso um dos motivos para a intranquilidade? Muitos não se
sentem desassossegados e, algumas vezes, até mesmo famintos de informações
pertinentes à inquirição espiritual? Sim, parece que o povo evangélico anela
por uma mensagem mais profunda, por uma tentativa mais profunda de compreender
por que estamos aqui e para onde nos dirigimos. Paulo, nos dá essa informação,
mas esta dificilmente é pregada. Certamente a salvação é mais do que o perdão
dos pecados e a mudança de endereço para o «céu». Porém, com que frequência
ouvimos prédicas que vão além disso? Seria declaração por demais ousada dizer
que o evangelho de Paulo, na sua forma completa, raramente é pregado na igreja
moderna?
Homens como L. Usteri (1824) e A.F. Daehne (1835) explicaram
Paulo em termos da justiça imputada, segundo é ensinado na epístola aos
Romanos. Em contraste com isso, H.E.G. Paulus salientou a «nova criação» e a
«santificação» (conforme se vê em passagens como II Co 5:17 e Rm 6). Grande
discernimento foi exposto porPaulus, o qual declarou que a fé em Jesus,
significa, na análise final, a fé de Jesus. E que coisa admirável seria se
pudéssemos aprender esse conceito, pois nos conduziria a uma compreensão mais
profunda do apóstolo Paulo. Imaginemo-nos, por um momento, a exercer realmente
a fé de Jesus, a mesma fé que ele exercia. Porém, isso é impossível, a menos
que sejamos pessoas «como Jesus», moralmente transformadas para sermos como
ele era. Não obstante, avançar da fé em Jesus para a fé de Jesus, foi um
discernimento que a reforma não doou à igreja, e que a igreja atual só pode
explicar e compreender da maneira mais nebulosa.
F. C. Baur, que interpretava à base do arcabouço do idealismo de
Hegel (1845), procurou primeiramente compreender a Paulo em termos do Espírito,
dado mediante a união com Cristo, através da fé — e talvez, um tanto
inconscientemente, ele conseguiu notável avanço na interpretação, pois não
resta a menor dúvida de que o Espírito é a grande chave para o cumprimento do
tema central de Paulo. Por semelhante modo, a ideia da união com Cristo é
importante, embora esse conceito místico tenha geralmente desaparecido dos sermões
da igreja e da literatura da Escola Dominical. A despeito de Paulo ter sido um
místico, parece que o misticismo tem caído no esquecimento, ou mesmo tenha sido
geralmente rejeitado. Entretanto, Baur mais tarde retrocedeu e voltou ao padrão
estabelecido pela reforma, dividindo as diversas doutrinas paulinas em
compartimentos, sem qualquer tentativa de vê-las como um conceito unificado.
Muitos outros escritores seguiram esse padrão, e ingenuamente pensaram que, ao
descreverem individualmente as diversas doutrinas, ao mesmo tempo, expunham o
pensamento de Paulo.
R.A. Lipsius (1853) deu um grande passo à frente quando
reconheceu a «redenção» como o grande princípio unificador na doutrina de
Paulo, e definiu também dois pontos de vista: o jurídico (a justificação) e o
ético (a nova criação). Seguindo essa orientação, Hermann Luedemann, em seu
livro «The Anthropology of the Apostole Paul» (1872), concluiu que os dois
lados da redenção realmente repousam sobre esses dois aspectos da natureza
humana. Do ponto de vista «judaico» anterior de Paulo (Gálatas e Romanos 1—4),
a redenção aparece como um veredicto judicial de inocência; mas, para o Paulo
mais maduro (Rm 5—8 e Ef 1), a redenção surge como uma transformação
ético-física da «carne» para o «espírito», mediante a comunhão com o Espírito
Santo. A fonte da primeira ideia é a morte de Cristo e a nossa participação
nessa morte. A fonte da segunda ideia é a ressurreição de Cristo e a nossa
participação nessa ressurreição, com sua implicação de um tipo de vida nova e
transformada. Richard Kabisch recuou ao supor que essa redenção visa unicamente
a livrar a alma do julgamento vindouro. Pois o destino humano envolve muito
mais do que isso, embora, ouvindo alguém os sermões que geralmente se pregam
nas igrejas, talvez não chegue a conclusão mais elevada do que essa. Albert
Schweitzer, seguindo as indicações de Luedemann e Kabisch, desenvolveu uma
síntese com a qual ensinava que Paulo tencionava que sua «redenção» fosse
principalmente escatológica, isto é, um fim dos acontecimentos mundiais. Mas o
fato é que o segundo capítulo da epístola aos Filipenses contradiz essa
posição, como também o quinto capítulo da segunda epístola aos Coríntios. E
também errou ao pensar que posto que o mundo nãoterminou imediatamente, conforme
Paulo pensava, passou o apóstolo a expor um «misticismo físico», no qual os
sacramentos, através da mediação do Espírito Santo, servem de mediador da
ressurreição de Cristo e de seus efeitos sobre o crente. «Misticismo», sim;
mas misticismo físico, através dos elementos físicos dos sacramentos, jamais.
Nada poderia estar mais distante do pensamento de Paulo, porque ele sempre
destacou o puramente espiritual em detrimento do físico. Tinha razão, todavia,
ao supor que Paulo ensinou que a união com Cristo, nesta vida, através do
Espírito, assegura ao crente a participação na ressurreição espiritual de
Cristo, quando de sua «parousia».
O grande tema central de Paulo — qual é ele? É a salvação. Mas
um ponto de vista muito especial da salvação. O grande tema de Paulo é
soteriológico, e, se o quisermos, bem podemos usar o termo «redenção», pois
isso diz exatamente a mesma coisa. Que espécie de salvação Paulo ensinava?
Permitamos que os versículos seguintes falem por si mesmos: «Assim como nos
escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por
meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade... e qual a suprema
grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia do seu poder;
o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o
sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e
potestade, e poder, e domínio e de todo nome que se possa referir, não só no
presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as cousas debaixo dos seus
pés, e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu à igreja, a qual é o seu
corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas» (Ef 1:4,5,
19-23). «Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de
Deus... o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de
Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e
co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos
glorificados... a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos
de Deus... gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção
do nosso corpo... Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos
que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conforme a imagem de
seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou;
e aos que justificou, a esses também glorificou... nem altura, nem
profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8:14,16,19,28,30,39).
A participação na Imagem metafísica de Cristo indica a
participação na natureza divina, segundo Cl 2:9,10 mostra claramente (ver
também Ef 3:19). Participamos da «natureza divina» quando participamos da
«imagem de Cristo». Naturalmente, disso participamos de modo finito, pois Deus
é «infinito». Todavia, trata-se do mesmo «tipo» de «forma de vida», da mesma
«essência de ser» que o próprio Cristo tem, o que é infinitamente exemplificado
em Deus Pai. Diferimos da natureza de Deus Pai na «extensão» da participação na
essência divina, mas não quanto ao «tipo», ver Jo 5:25,26 e 6:57 sobre a vida
«necessária» e «independente» de Deus, e como os homens, mediante a
participação na ressurreição de Cristo, chegam a participar desse tipo de vida.
Já que Deus é infinito, e será sempre o alvo da existência humana, terrena ou
celestial, mortal ou imortal, sempre haverá um progresso infinito na direção
desse alvo. Não pode haver estagnação na inquirição espiritual, pois seus
horizontes são infinitos. Já que há uma infinitude com a qual seremos cheios,
também haverá um preenchimento infinito. (Ver II Pe 1:4.
O plano é imenso e sua realização é além das capacidades
humanas. Portanto, a salvação se realiza pela graça de Deus. Abaixo estão os pontos
mais destacados desse evangelho:
a. Plano divino da redenção e transformação dos homens segundo a
própria imagem de Cristo, a imagem absolutamente moral e metafísica de Cristo,
que é um plano eterno, e que, em realidade, é a razão mesma da existência da
criação. (Essa é, igualmente, a mensagem do primeiro capítulo do evangelho de
João, porquanto a vida — a criação física — existe para prover material para a
«luz» ou criação espiritual. — O primeiro capítulo da epístola aos Colossenses
ensina a mesma verdade).
b. O alvo de Deus é a adoção de muitos filhos, que ainda serão
iguais (sempre em potencial) e totalmente semelhantes (em essência de ser) a
seu Filho, Jesus Cristo.
c. Deus enviou Jesus, não só para ser o Caminho, mas também para
mostrá-lo. Em sua vida humana, Jesus viveu o tipo de experiência que devemos
ter. Sua vida não foi somente um espetáculo para ser admirado, mas é um padrão
que precisa ser duplicado em nós. Jesus, em sua vida humana, «...aprendeu a
obediência pelas cousas que sofreu...», e, como homem, em sua existência
humana, «...tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para
todos os que lhe obedecem» (Hb 5:8,9). Os que lhe obedecem são aqueles que agem
como ele agiu e são o que ele foi, mediante uma obediência verdadeiramente
completa e perfeita. Não obstante, esse é o alvo, e a transformação moral
provoca a transformação metafísica, exatamente como ocorreu no caso de Jesus, o
qual, devido à sua comunhão íntima com o Pai, mediante o Espírito (que é o
agente transformador. II Co 3:18), foi capaz de multiplicar pães, andar sobre a
água e até mesmo ressuscitar a mortos, incluindo a si mesmo, após a sua morte.
Ele vivificou o seu próprio corpo, tão grande foi o seu poder espiritual.
Lembremo-nos da lição da encarnação: Jesus, manifestação do
Verbo Eterno, veio participar literalmente da natureza humana. Ele não era um
anjo que fazia um papel teatral. E assim como ele participou literalmente da
natureza humana, fundindo a natureza humana com a divina, assim também abriu tal
caminho para todos os homens. Pois todos os remidos haverão de participar de
sua «natureza glorificada», de sua divindade de modo real, tal como sua
participação da natureza humana foi real. Essa é a grande lição mística da
encarnação. Ele é divino a fim de ser «admirado»; mas também é divino a fim de
ser «duplicado» em «outros filhos», pois os remidos são filhos do mesmo Pai.
Naturalmente, o Filho participou infinitamente da divindade, mas nossa
participação será sempre finita. Contudo, a essência dessa participação é
real; não é uma imitação. A eternidade inteira será passada enchendo o finito
com o infinito, enchendo o que é secundário com o que é primário, havendo uma
gradual e prodigiosa transformação da alma humana segundo a imagem e a natureza
de Cristo (ver II Pe 1:4 e Cl 2:9-10).
Lembremo-nos das outras lições: a lição de sua vida, a lição de
sua morte, a lição de sua ressurreição e ascensão, a lição de sua infinita e
interminável glorificação. Em tudo isso temos símbolos místicos do progresso e
da redenção humanos. Pois em todos os pontos seremos assemelhados a ele, tal
como em todos os pontos ele se fez como nós.
«E todos nós com o rosto desvendado, contemplando como por
espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na sua
própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito» (II Co 3:18).
d. Jesus cumpriu a sua missão, tendo vivido a admirável vida que
teve, tendo morrido como expiação pelo pecado, tendo sido ressuscitado dentre
os mortos, e, nesse processo, foi transformado de homem mortal em homem
imortal, assento ao céu e glorificado — e tudo isso como homem — pois ele foi o
primeiro homem imortalde Deus, o padrão para o resto da humanidade. Nessa
glorificação ele foi ainda mais profundamente transformado, e continua
esperando sua glorificação maior, quando receber a sua Noiva, a igreja. A
última porção do primeiro capítulo de Efésios demonstra que foi o infinito
poder de Deus que realizou tudo isso, o poder de Deus através do Espírito. Eis
que esse mesmo Espírito está em nós, e tenciona realizar em nós a mesma obra.
Morremos a morte de Cristo, compartilhamos, de sua ressurreição e de sua ascensão
e participamos de sua glorificação. Ele é quem preenche tudo em todos, e que
está acima de todos; a despeito do que, o completamos, pois somos a sua
plenitude, e nada tão elevado tem sido jamais dito acerca dos anjos. (Ef1:23).
O próprio espírito sussurra aos nossos ouvidos qual é nosso
elevadíssimo destino, pois o destino de Cristo é o nosso e sabemos quão grande
ele é, e quão vasto é o seu destino, como cabeça do universo inteiro. A criação
física inteira se impacienta, esperando essa poderosíssima manifestação dos
filhos de Deus, como homens imortais, transformados e espantosamente
glorificados — pois eles serão — verdadeiramente filhos e irmãos de Cristo, e
não menos perfeitos (potencialmente sempre) e exaltados, embora cabeça e corpo
tenham ofícios distintos. Outro tanto se dá com Cristo e a igreja. E assim como
a cabeça de um corpo tem certa ascendência sobre esse corpo, assim também
Cristo tem proeminência sobre a igreja. Não seremos sub-herdeiros dele, e, sim,
co-herdeiros. Não estamos seguindo uma estrada diferente da dele, nem um alvo
diferente do seu — seguimos exatamente a mesma estrada que Cristo, e visamos ao
mesmo alvo. A predestinação de Deus assegura a obtenção desse alvo, e é nas
provisões dessa predestinação que seremos totalmente «transformados», e não
apenas perdoados de nossos pecados, nem apenas nos aproximando do «céu»,
conforme há muito tempo, o «evangelho» vem sendo pregado por partes da igreja.
e. Por conseguinte, no que consiste a justificação? Consiste em
um passo na direção do alvo, e que envolve o pecado que precisa ser eliminado,
porque os filhos devem ser tão santos quanto o próprio Deus. E o que será
asantificação? É apenas a estrada pela qual estamos caminhando, enquanto vamos
sendo transformadosmoralmente à imagem de Cristo, o que também produz uma
transformação metafísica, isto é, a transformação literal da natureza de nossos
próprios seres. O nosso alvo, portanto, é a absoluta perfeição moral, não menos
santa do que a santidade de Deus, que nos torna não (potencialmente) menos
amorosos, não menos compassivos, não menos eficazes (em nossas respectivas
esferas) na realização de sua obra e na expressão de sua natureza. Obteremos a
imagem moral de Deus que os anjos não possuem e talvez jamais possuirão. O
próprio Jesus ordenou que fôssemos perfeitos, tal como o Pai, nos céus, é
perfeito (ver Mt 5:48). Esse é o nosso alvo eterno e a nossa transformação
total tornar-se-á uma realidade. Possuiremos a natureza moral de Deus. Mais do
que isso, possuiremos a imagem metafísica de Cristo, que está acima de todos,
de todos os nomes, de todos os poderes, até mesmo dos poderes angelicais. Nossa
participação nisso será total. Os termos «filhos de Deus» e «irmãos de Cristo»
indicam algo tremendamente elevado e ainda que tivéssemos a perfeita descrição
dessas verdades, do ponto de vista metafísico, não poderíamos compreender suas
implicações. O nosso atual desenvolvimento não permitiria a completa apreensão
dessas verdades profundíssimas. Portanto, que significa estar alguém em
Cristo? Isso fala da atual comunhão mística com ele, por meio do Espírito. Já
conhecemos algo da transformação à sua imagem, porque já estamos começando a
viver a sua vida. A energia de sua vida, em sentido bem real, já transparece em
nós, e o céu já desceu à terra, e ele
nos circunda através de seu Espírito. De maneiras ainda
desconhecidas, ele está conosco, mas esse estar conosco, com toda a
probabilidade, consiste de uma real transferência de alguma espécie de energia
espiritualizada que o Espírito de Deus transmite, e essa energia, mui
provavelmente, é a substância da própria vida. Essa é a «salvação» presente, e
a participação nessa salvação é que produz os atuais padrões de «santificação».
E a santificação presente provoca as transformações metafísicas de nossas
naturezas. E tudo isso está prenhe de autêntica imortalidade. Daí o crente
parte para a ressurreição, então para a ascensão e, finalmente, para a
glorificação, que não se trata de um ato isolado, mas de um processo, o que
continua acontecendo até mesmo com Cristo, nosso irmão mais velho. E o alvo
final é a perfeição e a transformação absolutas. É a tudo isso que se denomina
de salvação, e esse é o evangelho anunciado por Paulo. O leitor poderá julgar,
por si mesmo, quanto dessa verdade é pregada atualmente nas igrejas
evangélicas. A simplificação do evangelho como — se resumisse ao perdão dos
pecados e a uma viagem ao céu — tem prejudicado — a todos nós. E tem deixado os
crentes desassossegados, porque, interna ou externamente, perguntam se não há
mais nada além disso? Os crentes, pois, ficam descontentes, pois o cristianismo
tem perdido o seu fio cortante e desafiador. Precisamos pregar o evangelho de
Paulo. Precisamos aprender o que isso significa na experiência diária.
Precisamos conhecer, na realidade diária, o que significa estar alguém «em
Cristo».
6. Paulo e Jesus
Os estudos sobre o pensamento paulino, neste século XX, se têm
devotado, especialmente, a três perguntas: 1. Qual a relação entre Paulo e
Jesus? 2. Quais as fontes do pensamento de Paulo? e 3. Qual o papel da
escatologia na doutrina de Paulo? Dessas três, a primeira — Qual a relação
entre Paulo e Jesus? é mais vexatória e problemática. A distinção entre os dois
pensamentos básicos de Paulo — justiça jurídica (Rm 1—4) e justiça /ética/ (Rm
5—8), tem-se desenvolvido em um estudo muito importante, e a maioria dos
escritores sobre o assunto se tem pronunciado a favor da ideia «ética» como
mais básica ao pensamento paulino posterior, como mais representativa de Paulo
em seus anos maduros. Pelo menos pode-se dizer que isso certamente se parece
mais com o pensamento expresso nas epístolas de Efésios e Colossenses e com a
mensagem geral da redenção ou «salvação» (conforme se explicou na seção
anterior), e que certamente essa é a mensagem central do apóstolo Paulo. Por
conseguinte, temos um certo tipo de «misticismo de Cristo», a saber, Cristo, o
Deus-homem que do céu desce a este mundo rodeado pelo mal, incluindo uma
espessa nuvem de poder demoníaco. A união com Cristo (isto é, a comunhão
mística com ele) tornou-se o principal conceito acerca do sentido e da direção
da atual experiência humana. E essa união assegura a «ressurreição» juntamente
com ele, que é o passo inicial da glorificação da alma.
Esses pensamentos lançaram os fundamentos para uma série de
estudos, e muitos intérpretes, ao lerem os evangelhos e as palavras de Jesus,
segundo elas estão ali escritas, para em seguida lerem a Paulo, especialmente
seus «escritos posteriores», como as epístolas aos Efésios e aos Colossenses,
começaram a indagar se as duas mensagens ou «evangelhos» seriam realmente uma
só. Alguns negaram isso em termos inequívocos. W. Wrede, em sua obra Paulus
(1905), expôs a questão nos termos mais francos. Ali Paulo é visto não como
verdadeiro discípulo do rabino Jesus, mas realmente um segundo fundador do
cristianismo. A piedade individual e a salvação futura ensinadas por Jesus
(ideias comuns ao judaísmo dos dias de Jesus) haviam sido transformadas, pelo
teólogo Paulo, em uma redenção presente através da morte e da ressurreição do
Cristo-Deus. Quem aceitar esse ponto de vista terá de escolher entre Jesus, e
assim permanecer bem perto do judaísmo, ou terá de preferir a Paulo, entrando
em uma esfera religiosa diferente. A tendência parecia permanecer com Jesus, e
não levar muito a sério as ideias de Paulo.
A controvérsia acerca da suposta diferença entre Paulo e Jesus
conduziu a uma investigação ainda mais detalhada sobre as origens do pensamento
paulino. F. C. Baur explicava o pensamento de Paulo à base dá controvérsia eclesiástica,
isto é, Paulo era contrário ao judaísmo antigo, e, sendo o «helenizador» do
cristianismo, fez declarações diversas que visam a afastar o cristianismo o
mais possível do judaísmo. Schweitzer explicava que a origem do pensamento de
Paulo era o seu problema escatológico peculiar, que era uma adaptação quase
exclusiva das ideias do judaísmo posterior. Mas as pesquisas na história
judaica não têm contribuído para consubstanciar essa ideia.
Outros, como R. Reitzenstein e W. Bousset, pensavam que tinham
encontrado o manancial do pensamento paulino, em uma espécie de mistura das
religiões misteriosas orientais helenistas e de elementos doutrinários do
judaísmo. É verdade que os mistérios falavam de deuses que morriam e tornavam a
viver, de «senhores» e de redenção por meio de sacramentos. Qualquer um que
leia os clássicos, e suas adaptações religiosas posteriores, naturalmente verá
os paralelos. Estudos posteriormente feitos abrandaram o impacto dessa ideia,
mostrando, acima de tudo, que tais ideias não eram totalmente estranhas ao
pensamento judaico, especialmente ao pensamento judaico posterior.
Finalmente, observamos que a ideia da «religião misteriosa» não conquistou
muita aprovação, embora tenha continuado a exercer grande influência sobre os
estudos acerca de Paulo.
Alguns também tentaram ligar o pensamento de Paulo com as ideias
gnósticas, especialmente as ideiasgnósticas acerca da natureza do mundo, seus
muitos níveis de espíritos, autoridades, etc. (conforme alguns creem estar
refletido em Efésios e no primeiro capítulo de Colossenses). Sabemos, todavia,
que essas duas epístolas de fato são livros escritos contra as formas iniciais
da heresia gnóstica, e não é provável que Paulo tivesse apoiado um acordo
justamente com a heresia que atacava. Essas ideias sobre muitos níveis de
espíritos, autoridades, etc, eram comuns ao judaísmo posterior, e Paulo não
teria que tomar de empréstimo dos primitivos gnósticos essas ideias. Alguns têm
argumentado que a menção de Paulo sobre «principados», «poderes», «potestades»,
e «domínios» não significa que ele tivesse aceito como verídicos os muitos
níveis de poderes espirituais nos lugares celestiais, mas que meramente ao usar
esses termos, dizia que, sem importar quais poderes existam, Cristo é o cabeça
desses poderes, sendo Deus sobre todos. Mas isso equivale a subestimar o
pensamento de Paulo, pois parece perfeitamente claro, na análise dessas
passagens, que Paulo aceitava tais níveis de poder, embora não os tivesse
descrito. Bultmann aproximou-se mais da verdade ao mostrar que Paulo estava
alicerçado no judaísmo helenista e no cristianismo helenista, que tem seus
conceitosbásicos de dualismo ético em uma redenção sacramental; porém, dizer,
como Bultmann asseverou, que essas ideias foram tingidas pelo gnosticismo, é
um erro; porque, segundo elas aparecem nas epístolas de Paulo, dificilmente
precisamos atribuí-las a quaisquer ideias gnósticas.
Paulo concordava essencialmente com a declaração gnóstica de que
existem vários níveis de seres espirituais, que existem princípios bons e maus
neste mundo, cada qual investido de sua própria autoridade, tanto no céu como
na terra. Porém, contrariamente aos gnósticos, o apóstolo ensinava que à testa
de todos esses poderes avulta a pessoa de Cristo, que é o Deus e criador de
tudo (ver Cl 2:8-16). Cristo não pode ser classificado em qualquer das
categorias de espíritos. Os manuscritos do Mar Morto foram um embaraço para a
identificação do gnosticismo com o pensamento paulino, segundo dizia Bultmann,
posto que ali já se encontra expresso odualismo ético que Paulo teria
encontrado, supostamente, no gnosticismo, e que, subsequentemente, teria
influenciado a sua doutrina. Portanto, essas ideias são anteriores ao
gnosticismo. Contudo, não havia necessidade de esperar pelo descobrimento dos
manuscritos do Mar Morto para sabermos isso, pois, a simples leitura da
literatura antiga nos fornece essas ideias básicas. Para começar, o estudioso
deve ler Platão, onde se encontram todas as ideias dualistas que alguém poderia
desejar. Outrossim, no gnosticismo primitivo, não há a doutrina da «descida de
um redentor» (esse foi um desenvolvimento posterior, no gnosticismo, sobre o
qual o apóstolo não teve conhecimento), o que mostra que é impossível que a
ideia paulina tivesse sido tomada de empréstimo do gnosticismo. E assim tem
continuado a controvérsia, em que vários autores assumem diversas posições em
torno da questão, como é o caso de Grant, que vê Paulo como homem cujo mundo
espiritual se situa entre as ideias apocalípticas judaicas e o gnosticismo
plenamente desenvolvido do segundo século da era cristã. Ele acha que a
tendência de Paulo, ao interpretar a ressurreição, era, entre outras coisas,
torná-la um triunfo sobre os poderes cósmicos. (De fato, Cl 2:15 diz exatamente
isso). Mas Paulo não tinha de apelar para o gnosticismo para encontrar essa
ideia, porque a necessidade de tal triunfo era comum ao judaísmo posterior e o
próprio Jesus expressou a mesma ideia, ao declarar: «Eu via a Satanás caindo do
céu como um relâmpago», ver Lc 10:18 que contém detalhes sobre este assunto que
concorda com a tese de Paulo que a obra redentora de Cristo, finalmente,
triunfará sobre todos os poderes cósmicos malignos.
Naturalmente, o próprio gnosticismo era sistema altamente
misturado, pois tomava elementos emprestados da mitologia grega, da filosofia,
das religiões misteriosas, de várias formas de misticismo oriental, e,
diretamente, do próprio judaísmo, como também do cristianismo, depois que este
entrou em cena. Portanto, é quase impossível dizer-se, «Isto Paulo tomou por
empréstimo do gnosticismo», até mesmo nos casos que parecem «empréstimos»
feitos daquele sistema. O mais provável é que ideias que Paulo e os gnósticos
tinham em comum, eram simplesmente pontos de concordância, sem que houvesse
qualquer empréstimo direto. A tendência, mais recentemente, tem sido negar,
ignorar ou suavizar a suposta «Influência gnóstica sobre Paulo», à proporção
que se vai entendendo melhor qual era o «meio ambiente de conceitos» do
primeiro século. Não se pode negar, é claro, que muitas das ideias e expressões
desse apóstolo refletem sua própria cultura, pelo que são «empréstimos» tirados
das ideias correntes. Contudo, cremos que as grandes pedras fundamentais de sua
doutrina se derivam de uma fonte superior, repousando sobre alicerce mais firme
que a mera repetição deideias comuns a todos. Levamos a sério sua reivindicação
de haver recebido «muitas» revelações (ver II Co 12:1). Ele recebeu «visões e
revelações», e fala de sua experiência no «terceiro céu», como ilustração desse
fato. Ver Gl1 e Ef 3:3 ss. Paulo era um místico de primeira ordem, e grande
parte dos pontos distintivos do cristianismo repousa sobre suas visões, que se
concretizaram nas Escrituras, preservadas para nós no Novo Testamento.
A discussão acima, sobre as origens do pensamento paulino,
leva-nos à conclusão de que apesar de grande parte da doutrina de Paulo não ser
geralmente ouvida dos lábios de Jesus, isto é, na exposição que os evangelhos
fazem dos ensinos de Jesus, em coisa alguma estava em desacordo com os ensinos
essenciais dele. Paulo não teve, por outro lado, de pedir emprestado as ideias
do gnosticismo. Outrossim, pode-se observar que a discussão inteira sobre as
«origens» conforme ela é apresentada pelos autores mencionados, ignora por
completo a questão da inspiração, dando a entender que Paulo não era inspirado
pelo Espírito Santo, segundo ele declarava que era, ou que ele não aprendeu o
seu evangelho por revelação, conforme ele mesmo declarou (Gl 1:12). A leitura
das epístolas de Paulo não nos pode deixar de convencer que, quer isso expresse
a verdade, quer não, o apóstolo pensava que aquilo que ensinava chegara ao seu
conhecimento por meio de visões e revelações e que ele alicerçava o seu
evangelho sobre esses fundamentos.
Mais especificamente, acerca de Jesus e Paulo, podem-se fazer as
seguintes observações. Os seus ensinamentos, descobre-se que Jesus era bom
representante do judaísmo, em sua forma mais excelente; mas é um erro vê-lo
apenas como tal. Pois ele se reputava divino, igual ao Pai, em uma posição
metafísica altamente exaltada. Por exemplo, consideremos a sua declaração: «Eu
o sou; entretanto, eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem
assentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu» (Mt
26:64). O sumo sacerdote ficou extremamente perturbado ante essa declaração, e
rasgou as próprias vestes, pois para ele tal declaração parecia uma grande
blasfêmia. Outrossim, o capítulo vigésimo quarto de Mateus (o «pequeno
apocalipse» como é chamado), ensina de maneira bem definida um Jesus metafísico
altamente exaltado, e não meramente um rabino judeu que não tinha as
credenciais fornecidas pelas escolas judaicas. Parece claro, pela narrativa dos
dias finais de Jesus e sua crucificação, que a principal acusação contra ele
foi de que blasfemava, ao declarar-se mais do que um mero homem. O ponto de
vista de Jesus sobre sua missão messiânica não se limitava à de um mero homem
que cumpria uma incumbência. Para ele, o Messias era um homem de origem celestial,
dotado de um ministério celestial e terreno. Foi justamente esse o conceito que
o levou à cruz, mas de fato ele não foi apenas um reformador. Sua declaração,
em Mt 20:28, que diz: «...tal como o Filho do homem, que não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos», indica o
conceito de Jesus acerca de sua vida e morte, cuja finalidade era oferecer
expiação e vida espiritual, e não meramente servir de exemplo. A mesma verdade
é destacada nos trechos de Mt 26:26-29; Mc 14:22-26 e Lc 22:14-20, onde Jesus
instituiu a ceia memorial, á qual indica que Jesus contemplava sua missão como
realizadora da expiação e de uma redenção sacramental.
Não se pode dizer, por conseguinte, que Paulo tenha criado essa
ideia, porquanto a sua passagem central sobre a questão — I Co 11:23-26 — é
apenas uma compilação ou sumário do mesmo material de ensino que se reflete nos
evangelhos. Portanto, a doutrina que alguns querem fazer-nos crer que foi
tomada de empréstimo de alguma forma de gnosticismo ou de judaísmo helenizado,
em realidade já estava presente nas palavras mesmas de Jesus.
A expiação subentende a ideia básica da justificação pela fé.
Essa doutrina não é claramente ensinada nos evangelhos; e poucos afirmam tal
coisa. Mas a expiação é o alicerce dessa doutrina, e de fato, todo o sistema
sacrificial dos judeus aponta para esse ensino. A expiação só se torna
necessária quando o indivíduo não é capaz de fazer tudo por si mesmo, ou seja,
quando a salvação, o «livramento» está fora de seus próprios recursos. O
judaísmo inteiro, pois, salientava essa verdade. É verdade que a doutrina
formal da justificação pela fé não é esboçada nos evangelhos, embora existam
ali as condições básicas que requeiram a sua delineação final. É verdade que
Paulo foi além do que se lê nas palavras de Jesus, nos evangelhos, mas isso não
significa, necessariamente, que ele tenha contradito o Senhor. Ninguém procura
ocultar o fato de que o cristianismo é um desenvolvimento dos pontos de vista
preliminares dos evangelhos, e, realmente, esse fato é confiantemente
proclamado, pois o próprio Paulo, ao mencionar as revelações que recebeu,
declara que as doutrinas da igreja lhe tinham sido dadas para serem expostas
por ele. Também ninguém afirma que os evangelhos fornecem uma clara
apresentação da igreja. A Paulo foi dado o privilégio de fazê-lo. Mas Jesus
antecipou e mesmo predisse que a sua igreja seria uma comunidade religiosa
separada do judaísmo. Por conseguinte, dificilmente alguém pode pensar em Jesus
tão-somente como um reformador do judaísmo. Háevidências de que Jesus se
alienou da corrente principal do judaísmo desde quase o princípio de seu
ministério. De fato, já no décimo sexto capítulo do evangelho de Mateus vê-se
que uma nova comunidade estava se formando. No décimo oitavo capítulo do mesmo
livro veem-se as regras básicas que os discípulos deveriam seguir em suas
relações mútuas no seio da igreja. A partir do décimo sexto capítulo do
evangelho de Mateus temos o arcabouço básico da «nova comunidade religiosa».
Portanto, o que Paulo fez foi adicionar estatura a esse arcabouço, e, através
das revelações que recebeu, indicou o destino da igreja, o qual, para sermos
verazes, se encontra só nos escritos paulinos. Paulo nos fornece dimensões
vastamente ampliadas acerca do destino do homem (que é descrito de modo breve
sobre a seção «e» deste mesmo artigo). Ninguém afirma que Jesus, nos
evangelhos, expôs qualquer coisa assim; mas as ideias não são contraditórias,
e, sim, suplementares.
Devemos dar atenção à declaração de Paulo, em Gl 2:2,6-8, onde
ele mostra que propositalmente visou aos demais apóstolos, a fim de verificar
se o seu evangelho não estava de acordo em alguma coisa com o que pregavam.
Assim, descobriu que não havia desacordo algum, e, além disso, que nada podiam
acrescentar ao que ele ensinava. Verificou que o evangelho de Pedro era igual
ao seu, embora as suas esferas de atividade fossem diferentes, pois Pedro fora
enviado aos judeus, ao passo que Paulo fora enviado aos gentios. Pedro confirma
o fato com suas próprias palavras, no segundo capítulo de Atos, ao falar sobre
a expiação. E em At15:10, lemos que Pedro disse: «E não estabeleceu distinção
alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé os corações. Agora, pois, por
que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos
pais puderam suportar, nem nós? Nessa oportunidade, como é claro, Pedro
declarou a necessidade da «justificação mediante a fé». O ponto disso é que
Paulo, quanto aos pontos básicos — sem pensarmos por enquanto sobre os grandes
suplementos com que ele contribuiu para a mensagem cristã total, ou seja, as
revelações especiais que recebeu — em coisa alguma estava em desacordo com os
outros apóstolos quanto a essa doutrina.
Certamente os outros apóstolos, que andaram com Jesus durante
três anos, conheciam perfeitamente a sua doutrina e as suas intenções, e não se
teriam deixado enganar por Paulo, se seus ensinos estivessem equivocados. É
verdade que os ensinamentos de Jesus, conforme os encontramos registrados, eram
principalmente éticos, mas essa ética não é contrária ao cristianismo paulino.
Também é verdade que muitas das ideias de Paulo não se encontram nos registros
sobre as palavras de Jesus, isto é, o silêncio reina nesses particulares; mas o
próprio Paulo foi o primeiro a admitir tal fenômeno, ao dizer que as revelações
lhe confiaram explicações novas quanto ao destino da humanidade. Nada mais se
pode fazer, no sentido de pesquisar o Jesus histórico, do que aceitar o
testemunho daqueles que foram seus íntimos, que o viram e que o imitaram. Os
outros apóstolos também declaram-no Senhor da glória, personagem de
elevadíssima estatura metafísica. O evangelho de João é uma declaração
expandida dessa verdade. E um pequeno fragmento desse evangelho intitulado
P(52), definidamente escrito em cerca de 100 D.C., mostra que esse evangelho
provavelmente foi escrito antes do ano 100 D.C. Assim sendo, temos no evangelho
de João uma das primeiras interpretações apostólicas da pessoa de Jesus. Pedro
declarou, no primeiro capítulo de sua primeira epístola, que aguardamos do céu
o SENHOR, o aparecimento de Jesus Cristo (ver I Pe 1:7), e que, através de sua
morte e ressurreição, chega até nós a redenção e a expiação dos pecados (I Pe
1:18-20). A passagem de II Pe 1:17,18 menciona a glória da transfiguração que
foi contemplada pelos apóstolos originais (conforme é descrita no décimo sétimo
capítulo de Mateus), e isso faz parte da descrição de Jesus como personagem
metafísico altamente exaltado, o Senhor da glória, conforme Paulo o denomina em
I Co 2:8. No trecho de I Pe 4:11 nos é ensinado o domínio eterno de Jesus.
Portanto, concluímos que o «Jesus teológico» se destaca com grande evidência
nos escritos dos apóstolos primitivos de Jesus, como Pedro. Se Pedro não era
capaz de interpretar corretamente a pessoa de Jesus, após tão longa e intensa
associação que teve com ele (e o livro de Atos reflete o alto conceito que os
apóstolos tinham de Jesus como personagem metafísico), então resta-nos
conjecturar para descobrir quem era realmente Jesus. É importante notar que
também nessa particularidade, Pedro e Paulo estavam de pleno acordo. Pode-se
dizer, pois, que não pode ser comprovada qualquer contradição entre Jesus e
Paulo. O que permanece de pé, e ninguém se aventuraria a negá-lo, é que estava
reservado a Paulo revelar, através do Espírito Santo, as doutrinas mais
profundas sobre a natureza do mundo dos espíritos, e o chamamento e o alto
destino da igreja, conforme o judaísmo jamais pudera imaginar, e que Jesus
meramente indicou de passagem.
7. Como Paulo comprovou seu apostolado.
Uma multiplicidade de maneiras:
a. Ele foi diretamente comissionado por Cristo, o Senhor
ressurreto, para esse elevado ofício, o que fica implícito na sua pergunta,
«...não vi a Jesus, nosso Senhor?...» Essa mesma ideia é expandida em Gl 1:11 e
ss.
b. Seu poderoso ministério é salientado como uma prova do
caráter genuíno de seu ministério, prova de sua comissão divina. E isso é
declarado através da seguinte pergunta: «...acaso não sois fruto do meu
trabalho no Senhor?...» Essa ideia é desenvolvida em várias outras passagens,
como no segundo capítulo da epístola aosGálatas, embora o seja mais
particularmente ainda nos capítulos décimo a décimo segundo da segunda
epístola aos Coríntios. Por essa razão é que Paulo pode asseverar:
«...trabalhei muito mais do que todos eles...» (I Co 15:10). E isso não
constitui uma reivindicação de pouca monta, proveniente como foi do contexto do
cristianismo do primeiro século, quando foram realizados labores realmente
extraordinários.
c. O trecho dos capítulos décimo a décimo segundo da segunda
epístola aos Coríntios nos fornece outras provas do apostolado de Paulo,
incluindo suas experiências místicas e visões, que foram dadas a Cristo para
confirmar o seu ministério e autoridade, bem como para aumentar a sua eficácia.
(Ver especialmente o décimo segundo capítulo da citada epístola).
d. Os sofrimentos especiais pelos quais Paulo passou também são
apresentados como provas de seu ofício apostólico. (Ver II Cor. 11:23 e ss).
e. Operações miraculosas, levadas a efeito por meio de dons
especiais do Espírito Santo, também tiveram por propósito servir de prova dos
verdadeiros apóstolos de Cristo. Os trechos de II Co 12:12 e o nono capítulo do
livro de Atos em diante fornecem provas tanto das grandes realizações como dos
extraordinários sinais operados por Paulo, tudo o que fazia parte integrante de
seu ministério apostólico. Grande porção do livro de Atos serve de
demonstração desses fatos, embora esse livro do N.T. não tenha sido escrito
diretamente com essa finalidade, visto que, para Lucas, não havia necessidade
alguma de apresentar defesa do apostolado de Paulo, já que o próprio Espírito de
Deus lhe autenticava o ministério.
f. O elevadíssimo conhecimento espiritual de Paulo, bem como o
fato de que ele atuava como instrumento para revelar à igreja cristã o seu
exaltado destino, no que Paulo se destacou acima de qualquer outro homem da
história, também serve de prova de seu apostolado. Todas as suas epístolas, bem
como os sublimes ensinamentos ali contidos, ilustram esse ponto (ver II Co 11:6
e Gl 2:2 e ss).
g. Paulo foi um instrumento especial no avanço do evangelho de
Cristo, tendo sido escolhido para essa tarefa desde o berço, tendo sido
preservado para a mesma, até mesmo durante seus anos de rebeldia (ver Gl
1:13-24). A leitura dos trechos dos capítulos primeiro e segundo da epístola
aos Gálatas e dos capítulos décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios,
fornece-nos várias outras provas menos decisivas, como aquelas aqui
mencionadas, em defesa do apostolado de Paulo.
Fonte:
http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda10.htm
A Igreja em Antioquia 11:19-30
Atividades de Paulo e Barnabé
Esta seção parece dar prosseguimento ao trecho de Atos 8:4,
porquanto temos aqui a reiteração da declaração que a igreja foi dispersa, em
face das perseguições que começavam a ficar mais severas. O autor sagrado, mui
provavelmente, se alicerçou em alguma fonte informativa da igreja cristã de
Antioquia e ele teria interrompido para falar-nos sobre a conversão de Saulo de
Tarso (baseado em uma fonte informativa paulina), bem como sobre as atividades
de Simão Pedro, que deram inicio, oficialmente, à igreja cristã gentílica,
narrativas essas quase certamente fundamentadas em uma fonte informativa
derivada de Jerusalém-Cesaréia. (Ver At 8:5 - 11:18).
O livro de Atos, a partir deste ponto, começa a expandir a
narrativa sobre as várias atividades que constituíram a missão da igreja cristã
entre os gentios, através das quais o cristianismo se tornou instituição
verdadeiramente universal, para jamais retornar ao provincialismo do judaísmo.
Da mesma forma que as atividades do apóstolo Pedro foram aprovadas pela
igreja-mãe, em Jerusalém, embora houvesse ainda alguma oposição, assim também,
na presente seção, a missão da igreja de Antioquia, entre os gentios, foi
abençoada por Barnabé. Presumivelmente, pois, também foi afirmada pela igreja
de Jerusalém, visto que Barnabé era representante da mesma. O autor sagrado,
por conseguinte, esforça-se aqui por mostrar-nos que a igreja cristã dera um
passo avante em unidade, e não de modo faccioso, dividido.
A história de Cornélio e seus familiares, bem como dos
primórdios da igreja cristã em Cesaréia, foi apresentada de maneira dramática;
mas, neste ponto, os inícios igualmente importantes do cristianismo, em
Antioquia, são expostos como fatos consumados.
Paulo já estava agindo, levantando congregações cristãs na Síria
e na Cilícia (ver Gl 1:21), tendo sido o verdadeiro originador da missão cristã
entre os gentios, embora o livro de Atos não nos dê essa impressão, posto que a
história de Cornélio e Pedro representa o início oficial da missão
evangelizadora entre os povos gentílicos, provavelmente porque foi através
desse incidente que a igreja-mãe, em Jerusalém, deu sanção oficial à mesma. Ou
talvez tenha ocorrido simplesmente que Lucas não estava informado sobre os
muitos anos de labor de Paulo, na Síria e na Cilícia, antes desse incidente em
Cesaréia.
O inicio da igreja cristã de Antioquia não se deveu aos esforços
de Paulo, mas antes, de algum irmão cujo nome não é dado, que fora forçado a
fugir de Jerusalém, o qual, tendo chegado à região de Antioquia mui
naturalmente continuou falando a respeito do Senhor Jesus, não tendo seguido a
norma de falar exclusivamente aos judeus (ver o vs. 19). O vigésimo versículo
não deixa perfeitamente claro se esses discípulos, cujo nome não nos é dado,
eram judeus helenistas, de Jerusalém, que haviam sido forçados a fugir por
causa das perseguições, ou eram nativos de Chipre e Cirene, provavelmente
judeus helenistas que haviam estabelecido ali residência permanente. Esta
última possibilidade parece mais provável.
A passagem de Atos 13:1 parece indicar, de forma bem definida,
que se tratava de judeus cristãos, residentes permanentes em áreas ocupadas por
gentios, aqueles que foram os responsáveis pela evangelização de Antioquia e
redondezas. Por conseguinte, o apóstolo Paulo não foi o único fundador do
cristianismo gentílico; a despeito do que, o grande espaço que Lucas dedica a
ele, nessa história, demonstra, acima de qualquer dúvida, que Paulo era
considerado a força mais poderosa do evangelismo entre os gentios. Não se há de
duvidar que importante parte das atividades do apóstolo Paulo, em alguns
territórios, se alicerçava em igrejas cristãs já fundadas, não sendo um
trabalho inteiramente pioneiro.
11:19 Aqueles, pois, que
foram dispersos pela tributação suscitado por causa de Estêvão, passaram até a
Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente
aos judeus,
Neste ponto tem continuação a narrativa interrompida no trecho
de Atos 8:4, a fim de que fossem feitas as inserções do material concernente à
conversão de Saulo de Tarso e do material concernente ao início oficial da
missão cristã entre os gentios, por parte de Simão Pedro. (Ver a lição 10).
Fenícia. O território que ficava nas costas orientais do mar
Mediterrâneo, e cobria cerca de duzentos e quarenta quilômetros entre os rios
Litani e Arvade (modernamente Líbano Latáquia do Sul). Esse lugar é mencionado
exclusivamente no N.T. como lugar de refúgio para os cristãos perseguidos, os
quais fugiram de Jerusalém por causa da perseguição que rebentou logo após o
assassínio de Estêvão (ver At 11:19). Foi também o território através do qual
passaram Paulo e Silas, em sua jornada de Samaria a Antioquia. (Ver At 15:3).
Posteriormente, o apóstolo Paulo aportou na costa da Fenícia, perto de Tiro, em
sua viagem a Jerusalém. (Ver At 21:2,3). Nos tempos do Senhor Jesus, a Fenícia
era reputada como a região costeira em redor de Tiro e Sidom. (Ver Mt 15:21 e
Lc 6:17). E os habitantes da região, que incluíam gregos, eram considerados
«sírios-fenícios» (ver Mc 7:26).
Nos tempos do A.T., esse território era denominado, pelos
hebreus, «Canaã» (ver Is 23:11). A palavra «cananeu» significa comerciante, e
mui provavelmente esse foi o nome que os habitantes do lugar aplicaram a si mesmos.
(Ver Gn 10:15). A origem dessas populações tão dadas às coisas do mar é
extremamente obscura; mas sabemos, com base nos escritos de Heródoto (1.1.
11.89), que eles ali chegaram provenientes da área do golfo persa, através do
mar Vermelho e primeiramente erigiram a cidade de Sidom. As principais cidades
desse território eram Trípolis, Biblis, Sidom, Tiro e Berito. A área é fértil,
a começar pelas terras altas no sopé do monte Líbano e descendo lentamente para
o mar. Ocupava um lugar muito cobiçado para o comércio, desde os tempos mais
remotos que se conhecem. Diz Plínio (L. 5, cap. 12) que a Fenícia se tornara
famosa pela invenção das letras, das constelações e das artes navais e da
guerra.
O território era conhecido por sua religião idolatra, o que foi
condenado por Elias (ver I Rs 18-19) e por Isaías (ver Is 65:11). A
arqueologia, quando do descobrimento dos textos de Ras Shamra, demonstrou que
ali imperava o politeísmo, bem como uma mitologia natural centralizada ao redor
de Baal, que também era conhecido pelo nome de Moloque (que significa «rei»),
do deus-sol Sapis e deQuesepe, uma divindade pertencente ao submundo. Cultos
surgidos posteriormente misturaram diversas ideias pertencentes a outras
culturas, mas, de maneira geral, a área era estritamente pagã. Foi em um lugar
assim, pois, que agora chegava o cristianismo.
Chipre. Trata-se da terceira maior ilha do mar Mediterrâneo, com
238 quilômetros de comprimento e 24 a 64 quilômetros de largura.Ali nasceu
Barnabé. A história registrada menciona Chipre desde 1500 A.C. Diversos povos,
entre os quais os egípcios, os fenícios, os gregos e os romanos, nela habitaram
em estágios vários de sua história. Os missionários cristãos nela penetraram,
pela primeira vez, através de uma de suas mais excelentes cidades portuárias,
Salamina. Ainda existe um grande aqueduto nesse local, o qual era suficiente
para suprir de água uma cidade com cerca de cem mil habitantes. Ali medrava
grande população judaica, nos dias de Paulo, o que fica demonstrado pelo fato de
haver bom número de sinagogas na cidade. O cristianismo lançou ali raízes
firmes. Acredita-se que Barnabé foi martirizado na ilha de Chipre, em Salamina.
Quando do concilio de Nicéia (325 D.C.), três bispos vieram de Chipre como
representantes das igrejas dali, o que nos mostra até que ponto o cristianismo
já se desenvolvera na ilha. Chipre parece nunca ter sido densamente povoada,
pois Plínio alistou apenas quinze centros populacionais.
Antioquia. Essa cidade, localizada às margens do rio Orontes,
foi o berço das missões cristãs. Era conhecida como Antioquia da Síria, a fim
de ser distinguida de Antioquia da Pisídia. (Ver At 13:14). Antioquia da Síria
foi fundada em cerca de 300 a.C. e cresceu a ponto de contar com numerosa
população nos tempos de Paulo, incluindo muitos judeus, os quais, desde tempos
remotos haviam obtido o direito de cidadania. Durante o período das guerras dos
Macabeus, muitas famílias judaicas se estabeleceram em Antioquia. Na época de
Paulo, era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância
numérica apenas para Roma e Alexandria. Os romanos fizeram-na capital da
província romana da Síria.
Paulo começou e terminou ali a sua segunda viagem missionária.
Não sabemos exatamente quão grande era a cidade nos dias de Paulo, mas, à base
da informação dada por Crisóstomo, deve ter contado com uma população de cerca
de oitocentos mil habitantes, em 300d.C. A atual Antikiyeh assinala o local da
cidade antiga, mas é comparativamente pequena, cobrindo apenas pequena parte da
área original. As escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do
passado, algumas das quais anteriores à era cristã. O circo, um dos maiores dos
tempos romanos, a acrópole, numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos, têm
sido descobertos. Belos pisos de mosaico, que datam do período apostólico até o
século VI D.C., também têm sido descobertos. O Caronion (busto de Caron, deus
grego mitológico, que transportava as almas para o outro lado do rio Estige),
de cerca de 170 A.C, com cinco metros e pouco de altura, entalhado em uma
penedia de pedra calcária, a nordeste da cidade, continua visível, embora
bastante estragada pelas intempéries. Nos dias de Paulo certamente ainda era um
marco notável. Mais de uma vintena de edifícios cristãos tem sido ali
descoberta, embora nenhuma dessas construções date dos dias apostólicos. O
famoso Cálice de Antioquia foi descoberto ali por alguns trabalhadores que
cavavam um poço, em 1910. No início foi declarado pertencente à última parte do
século I D.C, e alguns chegaram a imaginar que fosse o cálice original em que
Cristo serviu a Ceia. Há nele gravadas efígies que representam Cristo e os
apóstolos. A maioria das autoridades concorda que se trata de um produto da
primitiva arte cristã, datando entre os séculos II e VI de nossa era.
Antioquia sobre o Orontes era sede do legado imperial da
província romana da Síria e Cilícia, e aparecia como a capital do oriente.
Josefo, o historiador judeu do tempo dos apóstolos, diz-nos que era a terceira
maior cidade do império romano, perdendo em importância somente para Roma e
Alexandria. A grande maioria da população era síria, embora houvesse numerosa
colônia judaica. Sua cultura era tipicamente greco-helenista. Seu porto era
Selêucia (At l3:4), a qual era reputada cidade comercial e centro marítimo. Não
muito distante dali ficava Dafné, quartel-general do culto de Apolo e Artêmisa,
culto esse que se tornou famoso por sua degradação. Isso era tanto verdade que
Juvenal, ao queixar-se da degradação moral que invadia Roma, disse que «...o
Orontes sírio desaguou no Tibre» (Sátiras III. 62). O centro da igreja cristã
passou de Jerusalém, seu berço original, para Antioquia da Síria, seu centro
gentílico, pois a igreja cristã, cada vez mais, se foi tornando uma instituição
gentílica. A tradição associa o apóstolo Pedro a essa cidade, considerando-o
primeiro de seus bispos. Nomes ilustres posteriores, associados a essa cidade,
foram Inácio e João Crisóstomo,ambos chamados bispos de Antioquia. Crisóstomo
foi grande escritor de comentários bíblicos e exerceu notável influência sobre
o desenvolvimento doutrinário da igreja cristã.
A cidade de Antioquia foi fundada por Seleuco Nicator, um dos
generais de Alexandre, em 300 A.C, que lhe deu nome em honra a seu pai,
Antíoco. Antíoco havia devastado e poluído a cidade de Jerusalém, mas os seus
sucessores, de conformidade com o que diz Josefo («Guerras dos Judeus» 1.7,
cap. 3, seção 3), foram mais liberais, tendo criado uma boa atmosfera para o
desenvolvimento do judaísmo naquele lugar; e isso teria atraído a muitos
judeus, até que, finalmente, Antioquia se tornou grande centro da erudição
judaica, bem como cidade onde havia numerosa colônia judaica. (Ver Talmude Hieros.
Kiddishin, foi. 64.4). Com base nessa circunstância, o caminho ficou preparado
para a entrada e o crescimento do cristianismo em Antioquia.
«...não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos
judeus...» «...tão pouco compreendida foi a comissão de Cristo, para que se
pregasse o evangelho a todas as nações, embora ela fosse tão clara; ou então
assim foi ordenado pela providência divina, que embora devesse primeiramente
ser pregado o evangelho a eles, isso perdurasse por pouco tempo apenas...» (John
Gill, in loc). Tal tipo de atividade era apenas de esperar-se da parte de quem
abandonara Jerusalém, porquanto o incidente de Cesaréia, que envolveu o
apóstolo Pedro e a família de Cornélio, que assinalou o início da missão cristã
entre os gentios, ainda não se tornara suficientemente conhecido ao redor.
11:20 Havia, porém, entre
eles alguns cíprios e cirenenses, os quais, entrando em Antioquia, falaram
também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus.
«...Cirene...» Trata-se de um porto no norte da África, fundado
pelos dórios, rico em várias mercadorias, como trigo, lã e tâmaras. Tornou-se
parte integrante do império ptolemaico no século III A.C. Em cerca de 96 A.C.
foi doado a Roma, tendo-se tornado província romana em 74 A.C. Josefo, tomando
por empréstimo uma informação de Estrabão, diz-nos que a colônia judaica era
ali encorajada e que a população judaica foi crescendo até constituir um dos
quatro principais grupos étnicos da cidade. (Ver Antiq. xiv. 7.2). Simão, que
levou a cruz do Senhor Jesus, era nativo desse lugar, segundo lemos em Mc 15:21
e seus paralelos, nos demais evangelhos. Houvesse representantes dessa cidade
na multidão no dia de Pentecoste (ver At 2:10), e, evidentemente, em Jerusalém,
antigos habitantes deCirene tinham a sua própria sinagoga (ver At 6:9).
«...falavam também aos gregos...» Talvez não tenham sabido
acerca da obra de Paulo na Síria e na Cilícia e nem acerca das atividades de
Pedro em Cesaréia, mas sentiam o mesmo impulso evangelístico, que os proibia
falar exclusivamente aos judeus. O entendimento que possuíam sobre o caráter
universal da mensagem de Cristo, sobre o fato de que não havia mais distinções
entre judeus e gentios, e sobre a verdade de que as leis cerimoniais haviam
sido abolidas na igreja cristã, talvez ainda fosse muito fraco; mas o amor de
Cristo os compelia a não limitarem a sua mensagem. Pode-se observar o trecho de
At 13:1, onde Lúcio de Cirene é mencionado juntamente com Barnabé, que era de
Chipre, como um dos líderes da igreja cristã de Antioquia. Lúcio, pois, mui
provavelmente, foi um dos homens que assim pregou, conforme está registrado
aqui. Barnabé, conhecendo pessoalmente o lugar, foi posteriormente comissionado
para investigar os acontecimentos dali e confirmar os resultados. (Ver os vss.
22 e ss.).
11:21 E a mão do Senhor
era com eles, e grande número creu e se converteu ao Senhor.
Pregavam ao Senhor Jesus, ou talvez «Jesus como Senhor» (ver o
vs. 20), conforme a frase pode ser interpretada; pois o evangelho, que
pregavam, na realidade anuncia a todos os homens o senhorio de Cristo, sendo
ele o alvo de toda a existência, o ponto central em torno do qual gira o plano
do evangelho (ver Ef 1:10), e a imagem em que os remidos estão sendo
transformados, sempre crescendo na obediência a ele, ou seja, participando de
sua natureza moral, que os transforma em seres que compartilham de sua própria
essência.
Por causa dessa mensagem, «...a mão do Senhor estava com
eles...», o que quer dizer que o poder e a presença de Deus se manifestavam
entre eles. Ora, isso é «teísmo», em contraste com o «deísmo». O teísmo ensina
que Deus não somente criou todas as coisas, mas igualmente se faz presente em
sua criação, recompensando e punindo aos homens, tendo ou não comunhão com
eles. O deísmo, por sua vez, ensina que apesar de talvez existir uma força
superior, esse poder, que pode ser pessoal ou não, abandonou de vez a sua
criação, e nada acontece, de positivo ou de negativo, por motivo da ação de sua
vontade. Esse «deus» deísta nem pune e nem galardoa aos homens.
A expressão «...mão do Senhor...» é uma expressão hebraica comum
para dar a ideia da assistência de Deus aos homens, fortalecendo-os em sua
vida. (Ver Êx 9:3 e Is 59:1). Podem-se ver outros usos dessa expressão nos
trechos de Lc 1:66; At 4:28,30 e 13:11. Deve-se observar que a palavra
«...Senhor...» torna-se aqui, uma alusão ao Senhor, pois ele é quem é o
«Senhor» dos crentes, para quem todos eles se voltam. Voltar-se para Deus ou
para o Senhor, pois, significa expressar arrependimento e propósito de vida,
centralizados na mensagem do evangelho, o que, naturalmente, conduz os homens a
Deus. Essa expressão também é empregada em outros trechos bíblicos. (Ver At
14:15; 15:3,19; 26:18,20 e I Ts 1:9).
«Sem essa influência acompanhadora, nem mesmo um apóstolo
poderia fazer grande bem; e poderiam homens inferiores esperar serem capazes de
convencer e de converter os pecadores, sem a mesma?» (Adam Clarke, in loc.),
«A 'mão', conforme se sabe bem, significa poder e força.
Portanto, o que Lucas queria dizer é que Deus testificava com a sua ajuda
presente, sobre o fato de que os gentios estavam sendo chamados juntamente com
os judeus, através de sua orientação, para que se tornassem participantes da
graça de Cristo». (Calvino, in loc).
«Através de manifestações visíveis que não podiam ser postas em
dúvida, o Senhor mostrou que era com sua aprovação que deveriam prosseguir
nessa predica...aos gentios». (Alford, in loc).
11:22 Chegou a noticia
destas coisas aos ouvidos da igreja em Jerusalém; e enviaram Barnabé a
Antioquia;
A igreja-mãe, em Jerusalém, atuava como uma espécie de diretora
do movimento cristão inteiro, até esse ponto da narrativa, embora assim não
tenha continuado a ser, após a destruição de Jerusalém, em 70 D.C., quando
parece que Antioquia da Síria e Éfeso se tornaram os novos centros
eclesiásticos principais, apesar de não terem jamais exercido aquela autoridade
moral que evidentemente residira em Jerusalém. Lembremo-nos que os apóstolos
habitavam em Jerusalém, tendo sido comissionados a coordenar a expansão do
ministério cristão. Os apóstolos, pois, sentiam-se responsáveis por todo o
avanço e o desenvolvimento da igreja, e ansiavam para que isso fosse feito
conforme era mister, de maneira aprovada pelo Senhor.
O problema legalista havia causado consternação na igreja-mãe; e
essa quiçá tenha sido uma das razões pelas quais os apóstolos viram ser
necessário enviar Barnabé a Antioquia, a fim de que inspecionasse o trabalho
que ali vinha sendo feito. Essa inspeção e o relatório subsequente seriam então
considerados pelos oficiais da igreja de Jerusalém, e o selo resultante de
aprovação da obra então a «oficializaria». Lembremo-nos que Pedro esteve em
Samaria (oitavo capítulo do livro de Atos) a fim de realizar missão semelhante.
Parece que todas as variegadas expressões da igreja cristã estavam sujeitas a
uma aprovação apostólica direta ou indireta. Essa foi anatureza da missão de
Barnabé, que lhe foi dada pelos apóstolos. Barnabé não figurava entre os doze
apóstolos, mas, quanto à atividade e ao poder, parece ter excedido a maioria
deles; e, a despeito da falta de designação oficial de um deles, parece ter
funcionado na igreja primitiva como apóstolo. Foi a ele, pois, que se confiou
essa missão. E foi uma escolha apropriada, de qualquer maneira, posto ter sido um
judeu helenista, que compreendia o tipo de ministério levado a efeito fora de
Jerusalém e em territórios gentílicos, melhor do que um apóstolo típico. O
poder da influência de Barnabé, e a importância da obra em Antioquia, embora
apresentados de forma um tanto casual aqui, eram evidentes pelo fato de que,
através de sua liderança e labores em Antioquia é que resultará a transferência
do centro da igreja de Jerusalém para Antioquia.
Barnabé parece ter exercido considerável influência sobre Paulo,
e desde o princípio tiveram várias associações, tendo viajado juntos em
jornadas missionárias. Paulo não demorou, entretanto, a ultrapassar a Barnabé
em poder e autoridade, pois ele era, verdadeiramente, o apóstolo dos gentios.
No entanto, Barnabé participou da formação de Paulo, pois é com frequência que
um personagem de menor envergadura se mostra importantíssimo na formação de um
homem verdadeiramente grande. Barnabé, tal como Pedro e a maioria dos oficiais
da igreja de Jerusalém, tinha seus preconceitos judaicos pois era um «levita»
(At 4:36), estando, presumivelmente, intimamente associado à corrente principal
do pensamento judaico; mas foi capaz, a exemplo de Paulo e Pedro, de
desligar-se desses preconceitos, tendo-se feito poderoso ministro do evangelho
entre os gentios. Contudo, à semelhança de Pedro, em ocasião posterior, fez
algumas concessões desnecessárias às pressões dos judaizantes, e,
temporariamente pelo menos, negou o seu conhecimento recém-adquirido sobre como
Deus não faz acepção de pessoas. Por causa desse retrocesso, tanto Barnabé como
Pedro foram severamente criticados por Paulo. (Ver Gl 2:13).
A igreja-mãe de Jerusalém agia como coordenadora e inspetora da
obra inteira do cristianismo. Alguns intérpretes têm considerado a questão da
necessidade de inspeção por parte dos apóstolos, direta ou indireta, sobre a
obra entre os gentios, pensando que isso teria sido um tema «artificial» de
Lucas, isto é, contradito por tudo quanto se sabe acerca da autoridade
apostólica, acerca de como se expandiu a igreja, antes da destruição de
Jerusalém. O poder da igreja-mãe, entretanto, era perfeitamente real, embora a
autoridade dos apóstolos em nada se assemelhasse à autoridade dos «bispos»,
como se vê hoje em dia. Pois os apóstolos agiam muito mais como uma força
orientadora, aconselhadora. O trecho de Gl 2:11-13 e os decretos apostólicos,
do décimo quinto capítulo do livro de Atos, deixam claro que a igreja de
Jerusalém realmente reivindicava possuir autoridade sobre as igrejas de outras
regiões, incluindo a Síria e a Cilícia.
«Realmente não há nenhuma dificuldade em supormos que Barnabé,
que já era figura proeminente da igreja de Jerusalém, tenha sido enviado para
investigar as atividades de seus compatriotas cipriotas». (G.H.C. Macgregor, in
loc).
A seleção de Barnabé, para levar a efeito essa obra, mostra-nos
bem claramente que a igreja de Jerusalém não queria usar de severidade, mas
antes, de gentileza e de cautela, para com os labores cristãos entre os
gentios.
11:23 o qual, quando
chegou e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortava a todos a perseverarem no
Senhor com firmeza de coração;
«A astuciosa voluntariedade de Satanás é bem conhecida. Por
isso, assim que ele percebe alguma porta aberta para o evangelho, esforça-se,
por todos os meios, por corromper ali o que é sincero... Barnabé foi enviado a
fim de fazer os crentes avançarem nos princípios da fé, para colocar em ordem
certas coisas, para dar alguma forma ao edifício que fora iniciado, a fim de que
houvesse um estado ordeiro na igreja».
«...Barnabé nada queria se não a glória de Cristo. Pois, ao
dizer que viu a graça de Deus e que os exortou a avançarem, depreendemos que
haviam sido bem ensinados 'aqueles crentes'. O regozijo foi um testemunho de
sincera piedade. A ambição sempre se mostrará invejosa e maliciosa; e é por
isso que muitos buscam ser louvados ao reprovarem a outros, posto que almejam
mais a própria glória do que a glória de Cristo. Porém, os servos fiéis de
Cristo devem regozijar-se (a exemplo de Barnabé) ao virem o progresso do
evangelho, sem importar através de quem Deus queira que o seu nome se torne
conhecido». (Calvino, in loc).
Importância do ensino cristão. Uma das importantes lições que
nos dá este versículo é que, inerente ao tipo de ministério que Barnabé efetuou
ali, havia a preocupação de instruir. Não se contentou ele em deixá-los onde os
encontrara. A aura do reavivamento sempre diminui, e então chega a importante
obra do ensino e do arraigamento, ou seja, da instrução sobre «todas as coisas»
que o Senhor Jesus ensinara, para serem praticadas. É deveras estranho que
alguns ministros do evangelho pensem ser tão importante e urgente a pregação do
evangelho simples, mas, infelizmente, sem jamais mencionarem a questão da
transformação do crente segundo a imagem do Senhor, quando isso é o coração
mesmo do evangelho, sendo uma verdade de alcance muito maior do que já pudemos
imaginar, por mais que refletíssemos, ignorando, dessa maneira, o ministério do
ensino.
A salvação não consiste meramente em alguém vir a crer e fazer
publicamente uma declaração de fé. Mas consiste em tudo quanto acontece a essa
pessoa, até que ela chegue ao nível da perfeição que há em Cristo Jesus.
Barnabé, entretanto, ensinou que aqueles convertidos precisavam
apegar-se à mensagem com «...firmeza de coração...» «O pregador vira a graça de
Deus, e se regozijara com ela; mas sabia, conforme o sabem todos os verdadeiros
mestres, que é possível à vontade de um indivíduo frustrar essa graça, pelo que
a cooperação do crente, manifesta em uma resolução deliberada e firme, é
necessária para que a boa obra seja levada a bom termo». (E.H. Plumptre, in
loc).
11:24 porque era homem de
bem, e cheio do Espirito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao Senhor.
Deve-se observar, nesta altura do comentário, que as
propriedades especiais de bondade, possuídas por Barnabé, bem como o seu
excelente caráter cristão, são atribuídos ao ministério do Espírito Santo, tal
como fora a eloquência de Estêvão. (Ver At 6:10). Neste ponto aprendemos o que
já sabíamos, isto é, que em qualquer coisa em que um homem se pareça com
Cristo, é porque o seu «alterego», o Espírito Santo, está operando em seu
íntimo, produzindo os diversos aspectos do fruto do Espírito Santo, de acordo com
a lista de suas virtudes, em Gl 5:22,23. Essas são as virtudes positivas da
natureza moral de Cristo, a qual todos os crentes finalmente possuirão em sua
perfeição, porque a perfeição moral, que as Escrituras nos ordenam possuirmos
(ver Mt 5:48), não consiste em mera ausência do pecado. Pelo contrário, é uma
participação ativa e positiva em todas as facetas da natureza de Cristo - o seu
amor, a sua compaixão, a sua bondade, a sua longanimidade, a sua graça, a sua
alegria, a sua paz, etc. Somente o Espírito de Deus pode assim transformar um
homem, de modo a vir ele a participar, plena e verdadeiramente, dessas
virtudes. O desígnio de Deus é que, eventualmente, todos os crentes venham a
participar da completa imagem de Cristo, quando as suas virtudes tornar-se-ão
verdadeiramente completas em cada crente. O processo será eterno.
«Ele é santo porque o Espírito de Santidade habita nele: não
conta apenas com algumas visitas ou retiradas transitórias do Espírito; mas
este reside em sua alma e enche o seu coração. O Espírito Santo é a luz do
entendimento; é a 'discriminação' do juízo. É o propósito fixo e a
'determinação' da 'vontade' reta. É a 'pureza', seu amor, alegria, paz,
gentileza, bondade, mansidão, controle próprio e fidelidade em suas afeições e
paixões. Em suma, era o controle soberano sobre o seu coração; governa todas as
paixões e é o motivo e o princípio de toda a ação justa. Ele é cheio de fé.
Implicitamente dava crédito a seu Senhor: sabia que ele não pode mentir que a
sua palavra não falha jamais; esperava não somente o cumprimento de todas as
promessas, mas também todo grau de ajuda, de luz, de vida e deconsolo, que
Deus, em qualquer ocasião, julgasse ser necessário para a sua igreja. Orava
pela bênção divina e confiava que não estava orando em vão. Sua fé jamais
fracassou, porque se apegava no Deus que não pode mudar. Contemplai ainda,
pregadores do evangelho!um ministro original de Cristo. Emulai a sua piedade, a
sua fé e a sua utilidade». (Adam Clarke, in loc).
A menção do importante papel desempenhado por Barnabé, na igreja
cristã primitiva, é feita por Clemente, em sua obra RedactorAntijudaicus, pág.
109, onde se percebe como a sua reputação perdurou além de sua vida terrena,
tendo sido famoso mesmo em séculos posteriores, inteiramente à parte dos
registros do N.T.
Barnabé era «...homem bom...», no sentido de possuir «coração
amplo», «mente liberal», «generosidade», e não meramente como quem obedecia a
certo conjunto de regras. Ele se avantajava acima do estreito sectarismo
judaico, de sua santidade meramente legalista. Não era apenas «justo», conforme
eram considerados os estritos observadores da lei mosaica, mas era «bom» na
manifestação pessoal e fervorosa das graças espirituais. «Sua benevolência
impedia-o, eficazmente, de censurar qualquer coisa que fosse nova ou estranha
entre aqueles pregadores aos gentios. levando-o a regozijar-se no sucesso
deles». (Gloag, in loc).
«...muita gente...» Uma grande multidão foi acrescentada à
igreja cristã, evidentemente para indicar esse aumento, além da menção do
vigésimo primeiro versículo, como resultado direto da presença e do ministério
de Barnabé. Esse tipo de ministério florescente e harmonizador, despido de
inveja, gradualmente foi fazendo de Antioquia o grande centro do cristianismo.
A glória da igreja cristã de Jerusalém foi diminuindo, pois a sua estrela já se
apagava. Mas a estrela da graça de Deus subia sobre Antioquia, e ali o Espírito
de Deus tomou residência. Que tantas pessoas tenham sido adicionadas à igreja,
não é para admirar, posto contarem com ministros como aqueles, ouvindo elas o
evangelho de Cristo, pregado e recebido pelo poder do Espírito Santo.
11:25 Partiu, pois,
Barnabé para Tarso, em busca de Saulo;
Paulo chega a Antioquia; vss. 25 e 26: Desde a sua conversão
Paulo estivera atarefado nas regiões da Síria e Cilícia, e não se há de duvidar
que se mostrara ativo especialmente ao redor de sua cidade natal de Tarso,
pregando o evangelho e estabelecendo igrejas. Por conseguinte, foi ele o
verdadeiro pioneiro da igreja cristã entre os gentios, e o seu ministério
marcou o início real da missão cristã entre os povos gentílicos, embora,
«oficialmente» falando, segundo está registrado por Lucas em seu livro de Atos,
essa distinção tenha sido conferida a Pedro, em sua atividade em Cesaréia,
junto à família de Cornélio.
Desde sua conversão, até sua chegada em Antioquia, cerca de
catorze anos se tinham passado na vida de Paulo, pois diz ele que fora«...para
as regiões da Síria e da Cilícia» (Gl 1:21). E então, apos catorze anos, ele
visitou novamente Jerusalém. A maior parte desse tempo ele passou, mui
provavelmente, em Tarso, para o qual lugar, segundo diz Lucas, ele foi
imediatamente, depois de sua primeira visita a Jerusalém. (Ver At 9:30). Em
Atos 15:41 encontramos a menção à igreja na Síria e na Cilícia, que já estava
estabelecida quando Paulo e Silas ali chegaram, embora não nos seja dito como
tal igreja fora iniciada. Por conseguinte, parece que a narrativa do livro de
Atos deixa em branco um período de catorze anos no ministério do apóstolo
Paulo. Esse hiato se reveste de alguma importância, posto que foi então que
realmente se estabeleceu a missão de evangelização cristã entre os gentios.
Essa omissão, da parte de Lucas, tem deixado os intérpretes
perplexos, embora a maioria usualmente resolva que é melhor seguirmos a
informação que nos é dada pelas epístolas paulinas, e não os informes do livro
de Atos, havendo algumas diferenças nesses relatos. Alguns estudiosos têm
conjeturado que os «catorze» anos de Gl 2:1 deveriam ser «quatro» anos, e que
algum erro primitivo foi feito aqui, ou pelo próprio Paulo ou por algum escriba
primitivo. Contudo, nenhum manuscrito contem o número quatro, pelo que também
esse tipo de interpretação se alicerça inteiramente em conjeturas. Seja como
for, apesar da suposição de que seriam «quatro anos» para fazer á Omissão de
Lucas tornar-se cronologicamente menor, materialmente falando, isso não faz
diferença alguma, porquanto Lucas continuaria não nos fornecendo qualquer
informe sobre o ministério de Paulo durante esse tempo —ou quatro ou catorze
anos. E assim, permanece de pé a principal dificuldade.
A fim de ser preenchido esse período de catorze anos, alguns
estudiosos sugerem que a—a longa lista—sofrimentos, pelos quais Paulopassou,
segundo o registro de II Co 11:23-27, deve ser encaixada dentro desse período,
pelo menos parcialmente. Mas isso, infelizmente, tem de permanecer dentro das
interpretações especulativas. Não sabemos dizer por que Lucas omitiu esse
período do ministério de Paulo; mas o mais provável é que ele simplesmente não
tenha contado com qualquer informe histórico a respeito. Por qual motivo ele
não conversara com Paulo, acerca desse período, ao formular suas anotações,
também não sabemos dizê-lo, posto que, como companheiro de viagens daquele
apóstolo, teria tido fácil acesso a esse material informativo. Alguns talvez
encarem isso como prova que Lucas não foi o autor dessa narrativa histórica, e
isso deve ser considerado como um problema sério. Entretanto, os pontos em
favor da autoria de Lucas em muito contrabalançam essa objeção.
A omissão acerca desse importante período da vida de Paulo, na
história do livro de Atos, pode ter uma implicação positiva, ou seja, que Lucas
não fabricou suas narrativas, meramente pelo uso de certas epístolas paulinas;
antes, se utilizou de outras fontes informativas, ainda que estas fossem
incompletas, em certos casos. Por exemplo, a simples leitura do primeiro
capítulo da epístola aos Gálatas poderia ter levado Lucas a inventar muitas
histórias sobre o ministério «siro-ciliciano» de Paulo. Ao invés disso, no
livro de Atos, o primeiro ministério significativo de Paulo é a sua primeira
viagem «missionária», e At 13:1-14:28. A verdade é que Lucas, valendo-se dos
informes de que dispunha, relatou histórias verídicas, e, embora não completas,
pelo menos têm o mérito de cativar a nossa confiança.
Weiss, seguindo essa linha de raciocínio, apresenta a seguinte
observação: «...um fenômeno da mais elevada importância, em conexão com a
origem das narrativas do livro de Atos. Se porventura fossem fictícias, talvez
baseadas na epístola de Gálatas, certamente encontraríamos algumas histórias
sobre esse período». (Ver History of Primitive Christianity, Macmillan and Co.,
Nova Iorque, I, pág.205).
Embora não possuamos a mais leve informação sobre como Paulo se
manteve ocupado durante esse período, pelo menos sabemos que o seu trabalho foi
significativo, e que, ao lançar-se em sua primeira viagem «missionária», já era
um missionário veterano. «Não podemos insistir demasiadamente sobre o fato de
que o real desenvolvimento de Paulo, tanto como cristão quanto como teólogo, já
estava completo nesse período que é tão obscuro para nos, e que, em suas
epístolas estamos tratando com um homem plenamente amadurecido». (Ibid., I,
pág. 206).
Os dois estiveram juntos em Antioquia pelo espaço de um ano (ver
o próximo versículo). Sobre esse tempo o próprio Paulo nada diz, provavelmente
porque no primeiro e no segundo capítulos de sua epístola aos Gálatas ele se
tenha preocupado mais em narrar os seus contatos com os demais apóstolos, o que
dizia respeito à sua afirmação que ele não obteve sua doutrina em consulta com
eles, mas antes, independentemente, tendo-a recebido diretamente do Senhor
Jesus; por isso mesmo, qualquer menção do fato de que estivera trabalhando com
Barnabé seria incidental para o seu propósito. Com base em Gl 2:11-13 ficamos
sabendo que quatro anos mais tarde Paulo e Barnabé estavam novamente
trabalhando juntos em Antioquia, cidade à qual retornaram depois de terem
completado a primeira viagem missionária (ver At 14:26). Por quanto tempo Paulo
e Barnabé labutaram em Antioquia, antes de se lançarem em sua primeira jornada
missionária, não sabemos precisar; mas a circunstância de que ambos esses
ministros estiveram ali por algum tempo, produziu o fenômeno de grande
desenvolvimento daquela igreja cristã do mundo gentílico, em que Antioquia foi
elevada à posição de nova capital da igreja de Cristo.
«A primeira coisa que Barnabé fez, quando chegou a Antioquia,
foi lembrar-se de Paulo. Sabia que precisava de ajuda, se tivesse de aproveitar
ao máximo as oportunidades que a cidade de Antioquia oferecia à igreja cristã».
(Theodore P. Ferris, in loc).
«Barnabé mui provavelmente sabia que Saulo era vaso escolhido
por Deus (ver At 9:15) para o trabalho entre os gentios. Naturalmente que sabia
do trabalho efetuado por Saulo entre os helenistas de Jerusalém (ver At 9:29),
bem como já recebera notícias de sua obra na Cilícia e na Síria. E, assim
sendo, foi a Tarso ao perceber que precisava de ajuda. 'Não tinha ele coisa
alguma daquela baixeza que não pode tolerar a presença de um possível rival'
(Furneaux). Barnabé reconhecia suas próprias limitações e sabia onde se
encontrava o homem do destino, para aquela crise, o homem que já recebera o
selo aprovador de Deus. O momento e o homem certo se encontraram, quando
Barnabé trouxe Saulo para Antioquia. A porta estava aberta, e o homem estava
preparado, muito mais do que quando o Senhor Jesus o chamara na estrada de
Damasco. Os anos passados na Cilícia e na Síria não haviam sido em vão, pois
ele não estivera indolente... Deus sempre tem um homem preparado para qualquer
grande emergência em seu reino. O convite feito por Barnabé foi simplesmente a
repetição do chamamento de Cristo. Por isso Saulo atendeu ao mesmo».
(Robertson, in loc).
11:26 e, tendo-o achado,
o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e
instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram
chamados cristãos.
CRISTÃOS: grego, «christianós», seguidores de Cristo.
A cunhagem desse vocábulo—cristão—segue a ordem de termos como
«herodianos» (ver Mt 22:16; no grego, «herodianoi», isto é, seguidores de
Herodes) ou «cesarianos» (seguidores de César). Deissman, em sua obra Light
from the Ancient East, pág. 377, dá exemplos do genitivo kaisaros, que também
significa «pertencente a César», tal como o adjetivo comum «cesariano».
A palavra «...chamados...» (no grego, «chrematisai») denota
«obter o nome». O termo «cristão» (no grego, «christianous») se compõe da
palavra grega que significa «Messias» ou «Cristo» (ungido), mais a terminação
latina usual que significa «partidário de». Por conseguinte, em Antioquia,
alguém inventou uma nova palavra, que agora é usada entre nós há quase vinte
séculos. Não é muito provável que os judeus tenham cunhado o termo, pois jamais
teriam elevado a nova seita aplicando-lhe qualquer forma ou derivado da palavra
hebraica «messiah» (ungido). Também é perfeitamente evidente que os próprios
discípulos de Cristo não inventaram essa designação. O mais provável é que
tenha sido criação dos gentios de Antioquia, familiarizados como estavam tanto
com o latim como com o grego, sabendo que os discípulos de Jesus chamavam-no
pelo título de «Cristo». Usaram tal palavra, pois, e latinizaram-na um tanto, a
fim de dar-lhe o sentido de «partidários de», «seguidores de», «aderentes de»
Cristo. Os judeus costumavam chamar os cristãos pelo apelido de «nazarenos», o
que, para eles, era termo depreciativo, porquanto Nazaré era uma aldeia de
ínfima significação. Nada de bom se esperava que procedesse dali (ver Jo 1:46),
quanto menos a maior de todas as figuras humanas, o próprio Messias... Assim,
pois, os judeus usavam esse apelido por derrisão, sarcasticamente. Os próprios
crentes se chamavam de aprendizes (discípulos) ou «seguidores» de Cristo.
Existem três empregos diferentes dessa palavra, nas páginas do
N.T. a fim de indicar os seguidores de Cristo. O primeiro emprego é o que aqui
encontramos, utilizado pelos gentios hostis, a fim de designarem os seguidores
da nova religião. Em At 26:28 encontramos o segundo emprego, evidentemente como
termo depreciativo, usado por Agripa. E a passagem de I Pe 4:16 emprega essa
palavra, referindo-se à comunidade cristã. Mui provavelmente, quando essa
epístola petrina foi escrita, os crentes já usavam livremente a designação
cristãos para indicarem a si mesmos, embora a perseguição de que Pedro fala,
contra os cristãos, provavelmente subentende que Roma perseguia os «cristãos»
como indivíduos desprezíveis, usando a palavra em sentido pejorativo. Pedro,
pois, escreveu que se alguém viesse a sofrer como «...cristão...», não deveria
encarar com alarme tal perseguição, pois isso era, na realidade, sinal de que
estava sendo elevadamente favorecido pelo Senhor. Pois, por essa altura
primitiva de sua história, era motivo de ufania para os crentes o fato de serem
chamados «cristãos».
Portanto, foi em Antioquia que esse honroso título de «cristão»
passou a ser usado para designar os crentes em Jesus. O famoso Inácio foi bispo
de Antioquia, e mais tarde sofreu martírio em Roma. E em Antioquia João
Crisóstomo pregava seus poderosíssimos sermões, tendo escrito os seus notáveis
comentários naquela cidade. Antioquia, pois, se tornou famosa dentro da
tradição cristã, tendo servido de capital do movimento cristão quando se apagou
a estrela de Jerusalém.
Como curiosidade histórica, é possível que muitos pagãos tenham
chamado os crentes de «crestãos», e não de «cristãos», não estando bem
familiarizados com o conceito hebreu de «Cristo» ou «Messias», mas antes,
confundindo essa palavra com termo similar, «chrestus»,que é nome próprio até
hoje bastante comum na Grécia e significa «bom». Alguns pagãos provavelmente
pensavam que os discípulos eram os «bons» («chrestianos») e não «cristãos» ou
«seguidores de Cristo». Esse parece ter sido o ponto de vista de Suetônio
(historiador romano), quando disse que os judeus haviam feito perturbações em
Roma, sob a «instigação de Cresto» (ver Cláudio, 25). Ver também Tertuliano,
Apologia, cap. 3, que exibe esse uso do termo).
«Cristão, por conseguinte, é a mais elevada designação que um
ser humano qualquer pode ter à face da terra; e recebê-la da parte de Deus,
como prece que sucedeu, torna-a um título gloriosíssimo!» (Adam Clarke, in
loc).
Nos escritos dos pais da igreja cristã há diversos usos
primitivos desse vocábulo, o que mostra como tal título veio a tornar-se, desde
quase o princípio, uma designação honrosa, ainda que originalmente tivesse sido
palavra cunhada pelos pagãos de Antioquia. (Ver Inácio, Epístolas, Rm 3:3; Mgn.
iv; Ef 11:2; Mart. Plvc. x e xii: 1,2). Nos escritos de Gregório (Naz. Orat. iv
(sobre Jul. 1 86, par. 114), ficamos sabendo que os judeus costumavam fazer
objeção a esse nome como designação para indicar os seguidores de Jesus, e
preferiam chamá-los «galileus».
«...Cristo deixou surgir esse nome... como um pendão, mediante o
que se viesse a conhecer, por todo o mundo, que havia um povo cujo capitão era
Cristo, o qual glorificava ao seu nome». (Calvino, in loc).
11:27 Naqueles dias
desceram profetas de Jerusalém para Antioquia;
11:27 - Vss. 27-30 - A visita a Jerusalém, ao tempo da fome.
Esta breve seção tem produzido toda sorte de problemas
históricos e de interpretação. Parece-nos que se por essa altura a igreja
cristã de Antioquia enviava bens materiais a Jerusalém, a fim de ajudar a
aliviar a situação de pobreza a de fome que ali imperava, que já se dera a
mudança de poder, de Jerusalém para Antioquia, ou, pelo menos, que estava
ocorrendo então essa transferência do poder central de Jerusalém para aquela
cidade. Alguns eruditos, entretanto, têm duvidado da autenticidade de toda essa
seção, com base nos seguintes argumentos:
1. Nenhuma profecia, segundo lemos aqui, teria sido feita, tudo
não passando de uma reiteração da narrativa de At 21:10,11, onde encontramos o
mesmo profeta, Ágabo, em operação. Essa narrativa, pois, no presente texto,
teria sido criação do autor sagrado, que simplesmente duplicou eventos com
relação a Ágabo. Observe-se que naquela seção há certa similaridade de
conteúdo, o que tem dado origem a esta sugestão.
2. Alguns estudiosos duvidam da autenticidade histórica desta
seção, visto que evidentemente ela não é aludida na epístola aos Gálatas, e nem
em qualquer das demais epístolas paulinas, como parte das atividades de Paulo.
A visita descrita por esse apóstolo, no trecho de Gl 1:18-24, corresponde ao
que se lê em At 9:26-29, ao passo que o informe de Gl 2:1-10 corresponde ao que
está registrado em At 15:2-29, visita essa que, ordinariamente, e chamada de
«visita ao concilio».
3. A visita aqui historiada —At 11:27-30 —aparentemente teria
ocorrido entre as duas outras visitas ali mencionadas; mas quanto a isso não
contamos com qualquer registro nas epístolas paulinas. Os intérpretes que assim
dizem pensam que é fatal, para esta seção que ora comentamos, a observação de
que a epístola aos Gálatas certamente teria algum registro sobre essa visita, se
realmente ela houvesse ocorrido, posto que o apóstolo Paulo ansiava por
registrar todas as suas atividades relacionadas a Jerusalém, porquanto queria
demonstrar que recebera o evangelho independentemente dos outros apóstolos, e,
sim, diretamente da parte do Senhor Jesus, o que o qualificava a ser um
apóstolo, tal como aqueles outros, devido ao fato de que o Senhor tratara
diretamente com ele, aparecendo-lhe pessoalmente, do mesmo modo que fizera com
os demais apóstolos. Ora, dizem ainda os mesmos intérpretes, que se tivesse
havido alguma outra visita a Jerusalém, que não foi mencionada, poder-se-ia
imaginar que, nessa oportunidade, Paulo poderia ter-se consultado com os
apóstolos, e que o seu evangelho era uma mensagem emprestada de outros.
Certo número de soluções tem sido oferecido para dar solução a
essas dificuldades, a saber:
1. Alguns estudiosos supõem que o incidente aqui registrado é
historicamente autêntico, mas que tenha chegado ao conhecimento de Lucas como
vaga reminiscência, tendo sido escrito fora de sua devida posição cronológica,
pois sua posição certa seria após a narrativa do décimo quinto capítulo de
Atos. Isso faria do registro uma reiteração histórica de sua ultima visita,
posta ali por antecipação. Poderia ter sido uma visita posterior ao tempo que
parece ser sugerido pela sua posição dentro do livro de Atos, e como resultado
da admoestação feita pelos apóstolos, quando do concilio de Jerusalém, para que
Paulo e seus colegas de ministério entre os gentios, segundo ele mesmo diz,
«...nos lembrássemos dos pobres...» (Gl 2:10).
2. Alguns outros estudiosos pensam que essa anterior viagem e
missão realmente teria ocorrido, e que Paulo tivera a intenção de ir também.
Mas, por alguma razão, para nós desconhecida, somente Barnabé pôde fazê-lo.
Lucas, tendo encontrado em seu material informativo, a ideia de que Paulo
também fora escolhido para fazer essa viagem, mui naturalmente teria concluído
que Paulo também participara da viagem, e assim escreveu, embora esse apóstolo,
realmente, não tenha feito a citada viagem.
3. A narração sobre essa visita da fome e a narração sobre a
«visita ao concilio», na realidade, seriam uma reiteração, isto é, descrições
sobre o mesmo acontecimento, embora baseadas em fontes informativas diferentes,
narradas de diferentes pontos de vista. Uma dessas fontes informativas
salientaria a generosidade da igreja de Antioquia (a que está por detrás da
«visita da fome», ao passo que a outra frisaria o debate havido, em Jerusalém,
sobre a legitimidade do cristianismo gentílico, o qual, incidentalmente,
incluiu eventos similares àqueles aqui historiados. A primeira fonte
informativa estaria na igreja de Antioquia, e a localidade da segunda (ver o
décimo quinto capítulo do livro de Atos) seria a igreja de Jerusalém. Um bom
número de críticos modernos aceita essa explicação para o problema, mas as
explicações seguintes podem ter também alguma dose de verdade, contrárias ao
ponto de vista aqui exposto.
Essa posição acima faz o trecho de Gl 2:1-10 e o décimo quinto
capítulo do livro de Atos exporem a mesma questão, e, portanto, deixa sem
explicação as sérias discrepâncias existentes entre esses dois textos. Por isso
mesmo tem sido oferecida ainda uma outra solução: A passagem de Gl 2:1-10
deveria ser identificada com a «visita da fome», e não com a visita ao
concilio. As duas ocorrências, portanto,seriam distintas, tal como Lucas
registrou. Deve-se observar, na epístola aos Gálatas, que Paulo assevera que
subiu a Jerusalém por revelação (ver Gl 2:2), e isso poderia ser uma referência
à inspirada advertência dada ao profeta Ágabo, em At 11:28, concernente à fome
que haveria de prevalecer. As ações de Paulo e Barnabé, por conseguinte, também
estariam conforme a injunção que lhes recomendava se lembrarem dos pobres (ver
Gl 2:10). A visita da fome, feita por Paulo, pois, teria sido feita em
antecipação à posterior e maior «coleta para os santos», o que, pelo menos em
parte, resultou das decisões tomadas pelo concilio de Jerusalém. Outrossim, a
conduta duvidosa de Pedro em Antioquia, ao recusar-se a comer em companhia de
gentios, por causa das pressões que sofria da parte dos judaizantes, torna-se
muito mais compreensível, se isso teve lugar antes do concilio formal de
Jerusalém, que tratou exatamente da posição dos irmãos gentios. (Ver G 2:11 e
s.). Assim, pois, fica uma vez mais comprovado que o trecho de Gl 2:1-10 mais
provavelmente descreve a «visita da fome», e não a «visita ao concilio».
Essa posição é assumida por Turner, em Chronology of the New
Testament, (Dictionary of the Bible), James Hastings, Nova Iorque, 1900; e por
Sir William M. Ramsay (evidentemente o primeiro erudito de fama a sugerir essa
ideia), como também por C. W. Emmet, em um ensaio intitulado The Beginnings of
Christianity, II, págs. 277 e s. Assim sendo, o segundo capítulo da epístola
aos Gálatas descreveria, se essa posição está certa, um debate de natureza
particular e informal, e não um debate publico, que teria a natureza da
ocorrência descrita no décimo quinto capítulo do livro de Atos.
Mas ainda existem outros problemas de cronologia, a saber:
Josefo (ver Antig. xx.5,2) informa-nos que houve uma fome em
cerca de 46 d.C. Isso dataria a «visita da fome», feita por Paulo a Jerusalém.
A visita a Jerusalém, conforme aparece mencionada no trecho de Gl 2:1, teria
ocorrido «catorze anos» antes, de acordo com o cômputo inclusivo, que era o
método antigo de contar uma série qualquer, situaria a data em 33 d.C. E a
conversão de Paulo teria sido três anos antes (ver Gl 1:18), ou seja, em 31
d.C., segundo ainda o mesmo método de cômputo inclusivo. A crucificação teria
ocorrido em cerca de 29 d.C. Talvez, entretanto, os «catorze anos» aludidos em
Gl 2:1 sejam «quatro anos», segundo alguns estudiosos conjecturam, em que um
erro primitivo teria sido preservado em todos os manuscritos bem conhecidos da
epístola aos Gálatas, em qual caso a cronologia seria a seguinte:
1. A crucificação 29 D.C.
2. A conversão de Saulo 31 ou 39 D.C.
3. Primeira visita, após três anos 33 ou 42 D.C.
4. «Visita da fome», após catorze anos 46(?) D.C.
5. «Visita ao concilio» 49 D.C.
A primeira viagem missionária de Paulo (em cerca de 47 ou 48
d.C), que é descrita no décimo terceiro capítulo do livro de Atos, mui
provavelmente teria ocorrido entre a segunda e a terceira visitas. Foi durante
esse mesmo tempo que, mui provavelmente, foi escrita aepístola aos Gálatas.
Posto que nem Lucas e nem Paulo resolveram dar uma narrativa cronológica
completa, e posto que talvez haja alguma deslocação de material, isto é, que
nem sempre tenha sido seguida uma ordem estritamente cronológica na
apresentação das narrativas, a nós foi dado conhecer apenas alguns dentre
muitos acontecimentos. Questões como sequências exatas permanecem em dúvida,
não havendo forma totalmente adequada e Isenta de dúvidas para examinarmos
essas questões agora, passados mais de mil e novecentos anos.
Levando-se em conta todas as considerações, entretanto, parece
melhor identificarmos a «visita da fome» com a narrativa do segundo capítulo da
epístola aos Gálatas, ao passo que a visita ao concilio como algo realizado em
data posterior. A «visita da fome», pois, é assim corretamente distinguida por
Lucas da visita de Paulo ao concilio de Jerusalém, registrado no décimo quinto
capítulo do livro de Atos. A «visita da fome», por conseguinte, assinalou uma
crise real na carreira de Paulo como apóstolo, visto que foi então que tiveram
lugar as acerbas disputas, com os irmãos de tendências legalistas, em
Jerusalém. Mas a ação de Paulo foi posteriormente justificada, quando do
concilio de Jerusalém, conforme o registro do décimo quinto capítulo do livro
de Atos. Nessa oportunidade, contudo, Paulo se tornou realmente bem conhecido,
e o seu ministério entre os gentios foi amplamente reconhecido por todos, como
merecedor de aprovação.
Os «...profetas...», na igreja cristã primitiva, evidentemente
eram homens dotados de considerável aptidão psíquica, conhecidos por suas
declarações inspiradas, pelo que também eram distinguidos dos pregadores
ordinários das igrejas. Eram reputados, quanto à categoria espiritual,
imediatamente depois dos apóstolos, no exercício dos dons espirituais, segundo
se depreende de trechos como I Co 12:28; Ef2:20; 3:5; 4:11 e Ap 22:9, No livro
de Atos os profetas são aludidos em At 13:1; 15:32; 21:9,10 e nesta seção. Os
profetas exerciam os seu ofício mais em virtude de seus dons carismáticos do
que por qualquer sanção oficial ou nomeação por parte da igreja, porquanto não
há evidências de que a posição deles existia através de qualquer forma de ato
consagratório.
O trecho de I Co 14:29-39 mostra-nos, todavia, que algumas vezes
os profetas se deixavam arrebatar em seu entusiasmo, ao ponto de haver desordem
nos cultos das igrejas; e isso Paulo censurou severamente. É óbvio que até
mesmo naqueles primeiros dias surgiram dúvidas sobre a autenticidade dos dons
de alguns desses «profetas», o que se depreende pelo fato de que alguns deles
eram suspeitos de receberem o seu poder da parte maligna, e não de alguma fonte
boa. (Ver I Jo 4:1 e I Ts 5:20,21). Os poderes que chegam de fontes
sobrenaturais, que manifestamente estão acima do que se poderia esperar da
capacidade humana normal, sempre serão difíceis de aquilatar quanto à sua
origem; e, nesses casos, podemos tão-somente aplicar o que disse o Senhor
Jesus: «Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis» (Mt 7:20). Infelizmente,
o moderno critério para julgar tais pessoas tem degenerado ao teste que diz:
«Por suas denominações os conhecereis». Mas essa atitude resulta do sectarismo,
e certamente não agrada a Deus.
Judas e Silas eram profetas, conforme são chamados (ver At 14:4
e 15:32). Tinham uma inspiração superior àquela dos que falavam em línguas (ver
I Co 14:3). João Batista também foi chamado de profeta (ver Lc 7:26). Profetas
autênticos são extremamente necessários na igreja cristã moderna; mas o quadro
geralmente é tão confuso e contraditório que é dificílimo distinguirmos o falso
do verdadeiro.
É bem provável que certo número desses «profetas» primitivos
fizesse parte original dos setenta discípulos, cuja missão é descrita no décimo
capítulo do evangelho de Lucas; mas não há razão para limitá-los à esfera dos
profetas. O dom da profecia com frequência incluía a predição de
acontecimentos; mas era mais especificamente caracterizado por um exaltado e
sobre-humano ensino. Isso novamente, enfatiza a importância do ensino, posto que
essa função era favorecida pela dispensação de um dom espiritual todo especial.
11:28 e levantando-se um deles, de nome Ágabo, dava a entender
pelo Espirito, que haveria uma grande fome por todo o mundo, a qual ocorreu no
tempo de Cláudio.
A derivação do nome «...Âgabo...» é incerta; mas é possível que
seja idêntico ao apelativo Hagabe ou Hagabá, que aparece no A.T. Sabemos
pouquíssimo sobre esse homem, porquanto há tão-somente duas referências a ele
em todo o N.T., isto é, aquela que encontramos aqui, onde ele predisse a fome
que realmente ocorreu quando do reinado de Cláudio, e a sua predição sobre a
sorte que esperava Paulo em Jerusalém, em profecia feita em Cesaréia. (Ver At
21:10,11). Segundo as tradições posteriores, Ágabo aparece como um dos
«setenta» discípulos (descritos no décimo capítulo do evangelho de Lucas), até
que, finalmente, foi martirizado por sua fé. Embora, em alguns escritos
antigos, seja dito que ele era nativo de Antioquia, parece antes, por este
texto, que ele era da Judéia, talvez de Jerusalém. Diz-se que ele morreu em
Antioquia, e o martirológio romano o venera a 3 de fevereiro.
«...grande fome...» Não há razão para supormos que homens,
ajudados ou não pelo Espírito Santo, possam com frequência predizer eventos
futuros, pois, afinal de contas, o homem é um ser espiritual, que
temporariamente está cativo a um corpo físico. A predição do futuro não é,
necessariamente, uma característica «divina» ou demoníaca. Os estudos feitos
quanto ao fenômeno dos sonhos mostram que todos os seres humanos, no estágio do
sono, combinam acontecimentos passados, presentes e futuros no conteúdo de seus
sonhos, na tentativa de encontrar solução para os seus problemas. Todos os
homens, simplesmente por serem homens, até certo ponto são «profetas», se
limitarmos o sentido desse vocábulo para que indique somente a predição do
futuro. Naturalmente um profeta, no sentido bíblico, é muito mais do que um
indivíduo que prediz o futuro; é igualmente um homem espiritualmente dotado,
que exerce um dom de ensino; e quando prediz o futuro, fá-lo por alguma razão
espiritual, e não meramente como curiosidade de informação. Naturalmente
aqueles que são dotados de algum dom espiritual são pessoas capazes de predizer
o futuro com muito maior significação do que os homens ordinários podem
fazê-lo.
Cada indivíduo é um instrumento sem-par. É interessante
observarmos que Ágabo evidentemente se especializou em conhecer o futuro e em
maior extensão até mesmo que alguns dos apóstolos. Pois aqui estava alguém que
fez tal predição, enquanto que Paulo, apesar de apóstolo, nada sabia a
respeito. Além disso, no vigésimo primeiro capítulo do livro de Atos, quando
Ágabo adverte sobre as consequências da visita de Paulo a Jerusalém, porquanto
ali seria feito prisioneiro, novamente foi ele quem reconheceu o futuro, e não
Paulo ou qualquer outro ministro da igreja. Trata-se de um fenômeno assaz
interessante, pois, considerando-se o quadro total, Paulo e os demais apóstolos
supostamente eram mais bem-dotados na diversidade dos dons inspirados pelo
Espírito Santo do que Ágabo; mas o seu dom era especialmente adaptado para
predizer o futuro. Assim, pois, cada indivíduo recebe o seu próprio dom, e,
sendo isso dirigido para propósitos específicos, torna cada crente individual
uma criatura sem igual. Por conseguinte, apesar de todos os remidos estarem
sendo transformados segundo a imagem moral e metafísica de Cristo,
compartilhando de sua santidade e de suas perfeições, cada indivíduo é um
instrumento especial para a glória de Deus.
A «...fome...» predita por Ágabo também ficou registrada na
história. Tácito (Anais xii.43) e Suetônio (Claudio, 18) se referem a diversos
períodos de fome durante o reinado de Cláudio (41 - 54 D.C.). Josefo menciona
uma fome especialmente severa na Judéia, que ocorreu em 46 D.C., a qual, sem a
menor sombra de dúvida, é a escassez aqui referida por Lucas. Diom Cássio (lib.
lx) menciona severa fome, que ocorreu no primeiro e no segundo anos do reinado
de Cláudio, a qual foi sentida pesadamente até mesmo na longínqua Roma. Essa
fome foi que evidentemente induziu o imperador Cláudio a construir um porto
marítimo em Óstia, para que a cidade de Roma pudesse ser mais regularmente
suprida de víveres, que geralmente lhe chegavam por via marítima.
Um segundo período de fome ocorreu no quarto ano de seu reinado,
escassez essa que prosseguiu por diversos anos e afligiu grandemente a Judéia.
(Ver Josefo, Antiq. xx.5, seção 2). Mui provavelmente essa é a fome mencionada
no vigésimo oitavo capítulo do livro de Atos, quando ela foi predita.
Uma terceira fome foi mencionada por Eusébio (An. Abrahami), que
teve começo em outubro de 48 D.C. que atingiu severamente grande parte do mundo
civilizado de então.
Um quarto período de fome teve lugar no décimo primeiro ano do
reinado de Cláudio, fome essa mencionada por Tácito (ver Anais, xii.,seção 43).
Essa fome foi tão severa, nessa ocasião, que se pensou ser um julgamento
divino. Tácito revela que em todas as vendas de Roma não havia provisões para
mais de quinze dias, e que se o inverno não tivesse vindo extraordinariamente
suave, teria havido aflição e miséria espantosas.
É muito provável que a fome, mencionada neste livro de Atos, no
segundo ano do reinado do imperador Cláudio, tenha perdurado por diversos anos,
de conformidade com as fontes históricas de que dispomos, ou seja, de 45 a 47
D.C. Quando a predição da fome foi feita por Ágabo, deveria estar a apenas
meses de distância, ou talvez já estivesse em seus estágios iniciais.
«...Cláudio...» Cláudio foi imperador romano de 41 a 54 D.C.
Suetônio (ver Cláudio, 29), um dos historiadores romanos, diz-nos que esse
imperador expulsou os judeus da cidade de Roma, por haverem feito levantes
instigados por Cresto (presumivelmente o incidente registrado em At 18:2). Se
isso é verdade, então «chrestus» (nome esse que se deriva de um substantivo
próprio que, no grego, significabom) mui provavelmente foi confundido por
Suetônio com a palavra «christos» (no grego, ungido). E, assim sendo, a causa
da agitação entre os judeus teria sido sua oposição e conflito contra os
cristãos.
Um decreto, provavelmente baixado por Cláudio, punia um furto
feito em um túmulo, e têm sido encontradas evidências arqueológicas em
confirmação a isso, na Galiléia. Alguns estudiosos têm suposto que essa ação
foi parcialmente provocada pela história da «ressurreição» de Jesus; porém, se
esse decreto foi baixado por Cláudio, parece ter sido muito posterior para que
tivesse qualquer coisa a ver com a ressurreição do Senhor. A menos,
naturalmente, que tenha dito respeito à pregação da igreja cristã primitiva,
predica essa que incluía a ressurreição de Cristo (em vinculação à acusação,
assacada pelos judeus, de que o corpo de Jesus fora furtado pelos seus
discípulos, e não que ele realmente ressuscitara). Ora, a agitação que isso
facilmente poderia ter provocado, bem poderia ter sido o motivo do decreto
imperial, até mesmo nos tempos posteriores de Cláudio. Essa particularidade,
entretanto, até hoje não pôde ser determinada com exatidão, e, no presente, não
há como dar solução ao problema. Cláudio morreu envenenado pela sua quarta
esposa,Agripina, mãe de Nero (54 D.C), após ter feito um reinado fraco, durante
o qual, no dizer de Suetônio, ele «...mostrou-se não um príncipe, mas um
servo», pois se deixava guiar pelos outros.
Variante Textual_Os versículos vinte e seis e vinte e oito são
expandidos
no chamado texto «ocidental», para que digam: «...e naqueles
dias vieram profetas de Jerusalém a Antioquia, e houve muita alegria. E quando
estávamos reunidos, um deles, de nome Ágabo, falou, querendo dizer...» Assim
diz o códex D, bem como as versões latinas p e w. O texto ocidental
(manuscritos que nos vieram das igrejas cristãs do ocidente, isto é, da Itália
e de certas regiões do norte da África) conta com tão numerosas variantes que
sugere que o livro de Atos circulou, na igreja cristã primitiva, em duas
edições separadas. A maior parte dessas variantes consiste em expansões e
ornamentações feitas no texto; porém, os trechos que dizem respeito à Ásia
Menor encerram interessantes e significativas variantes, do ponto de vista
histórico e geográfico. Esse texto mais longo, o «ocidental» não é reputado,
todavia, como texto original do livro de Atos.
Trechos do livro de Atos chamados de seções nós. A variante
particular, que hora consideramos, não teria grande importância, não fora o
fato de que se trata da primeira das chamadas «seções nós» deste livro.
Supõe-se que, nessas passagens, Lucas ter-se-ia reunido a Paulo e aos outros
obreiros cristãos mencionados, nas quais o livro se torna uma espécie de
autobiografia, como também uma narrativa histórica. Ordinariamente, as «seções
nós» são consideradas como as seguintes: At 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e
27:1-28:16. Assim sendo, o ponto em que Lucas se juntou ao grupo evangelístico
em viagem teria sido na altura do décimo sexto capítulo. Mui provavelmente isso
é correto, do ponto de vista histórico, pois o versículo que ora consideramos,
fazendo parte apenas do chamado texto «ocidental», não deve ser reputado
representante do livro original de Atos.
11:29 E os discípulos
resolveram mondar, cada um conforme suas posses, socorro aos irmãos que
habitavam na Judéia;
Podemos apreciar aqui a generosidade da igreja cristã de
Antioquia. Havia muitos irmãos de tendências legalistas, em Jerusalém, que
dificilmente teriam prestado socorro semelhante, se a situação fosse inversa,
isto é, se em Antioquia é que os cristãos estivessem sofrendo. Os preconceitos
aleijam e tolhem os instintos humanitários naturais, mas aqueles cristãos
gentios primitivos não se preocupavam com fronteiras nacionais.
Importância da caridade.
«Um homem pode ser famoso, bem-sucedido, rico, realizador de
grandes feitos, mas, se não cultivou e nem refinou esse instinto natural para
ajudar aos outros, que sofrem aflição, até que esse instinto se eleve acima de
todos os outros e os domine, qual soberano, então esse homem, como homem, é um
fracasso. Essa é a escola onde nós, os crentes, estamos sendo treinados; e
embora reconheçamos o fato de que, com frequência, temos falhado no teste,
permitindo que outros instintos, inferiores e mais aviltados, dominem sobre
aquele sentimento supremo, não obstante existem sinais de que temos feito algum
progresso, tendo crescido em nossa capacidade de amar.»(Theodore P. Ferris, in
loc).
De acordo com a filosofia extremamente pessimista do filósofo
alemão Schopenhauer, em que a própria existência é considerada como um mal e em
que o maior pecado de um homem consiste no fato de que «nasceu», a simpatia,
entretanto, é aceita como uma das virtudes e emoções positivas, que são
possíveis e permissíveis. Portanto, até mesmo no ambiente melancólico daquela
posição filosófica, a simpatia humana natural se eleva como uma qualidade digna
e necessária, porque todos estamos juntos nesse batel da miséria humana, e, de
alguma forma ou de outra, precisamos ser guardadores de nossos irmãos. Jesus
Cristo foi o supremo exemplo de como alguém deve cuidar de seus irmãos. O livro
de Tiago toca no âmago dessa verdade quando declara: «A religião pura e sem
mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo» (Tg 1:27).
Essa visita aos órfãos e às viúvas significa procurar aliviar as
suas necessidades, contribuindo para o seu bem-estar, e não apenas fazer-lhes
visitas ou servir-lhes de companhia, embora isso também seja um aspecto
importante.
No que concerne à situação específica descrita por este texto,
salienta Calvino (in loc): «E essa gratidão não merecia pequeno louvor, pois os
crentes de Antioquia pensavam que deveriam ajudar a irmãos necessitados, de
quem haviam recebido o evangelho. Porquanto nada existe de mais acertado do que
aqueles que têm semeado as realidades espirituais, colham também coisas
terrenas. Visto que qualquer um de nós se inclina demasiadamente por prover
para as suas próprias necessidades, todos aqueles homens poderiam ter objetado:
Por que não cuido antes de mim mesmo? Porém, ao relembrarem-se eles de quão
grandemente estavam endividados para com os irmãos (da Judéia), omitindo essa
preocupação pessoal, voltaram-se para ajudá-los».
Há necessidade de dar, para que alguém seja liberal. «Foi
prometido, àqueles que consideram as necessidades dos pobres, que Deus os
preservaria em vida, e que seriam bem-aventurados na terra (ver Sl 41:1,2).
Muitos dão aos pobres pela razão de que têm muito, de sobra; mas as Escrituras
nos fornecem uma razão pela qual deveríamos ser liberais, (é bom dar) a sete e
a oito, porquanto não sabemos que mal sobrevirá à terra. (Ver Ec 11:2)».
(Matthew Henry, in loc).
Como deveriam ser feitas as contribuições aos pobres? Assim
lemos nas Escrituras: «...cada um conforme as suas posses...» Essa instrução
segue-se à injunção de Paulo, em I Co 16:2, que determina que cada um deve
contribuir «...conforme qualquer um deles houver prosperado...» O verbo
«prosperar» é tradução de uma palavra grega, «euporos», que indica o sentido de
«passar facilmente».Assim é transmitida a ideia de prosperidade, mediante a
figura simbólica de uma jornada fácil e favorável. Aqueles, pois, que estão
passando por uma viagem fácil e favorável, nesta vida, deveriam interessar-se
por tornar um pouco mais fácil essa jornada, para outros, especialmente no caso
de serem irmãos na fé.
Neste ponto encontramos o começo da coleta para os «santos
pobres de Jerusalém», o que, posteriormente, ocupou parte tão proeminente nos
labores do apóstolo Paulo. (Ver At 24:17; Rm 15:25,26; I Co 16:1; II Co 9:1-15
e Gl 2:10). Essa prática Paulo reputou como um vínculo de união entre a seção
judaica e a seção gentílica da igreja cristã. Muitos comentadores bíblicos
acreditam que a generosidade demonstrada pela igreja cristã de Jerusalém, ou
sua vida de tipo comunal, no princípio de sua história, segundo vemos no
registro dos capítulos segundo, quarto e quinto do livro de Atos, deixou aquela
igreja com uma estrutura econômica débil. Mui provavelmente isso expressa uma
verdade, mas a principal razão para essa crise foi a perseguição movida contra
os judeus crentes, porquanto muitos deles perderam suas propriedades e seus
recursos pecuniários, quando não perderam a própria vida. Os reiterados
períodos de escassez e fome vieram agravar enormemente a situação inteira,
piorando a situação de uma igreja que já se achava empobrecida.
11:30 o que eles com
efeito fizeram, enviando-o aos anciãos por mão de Barnabé e de Saulo.
Não se há de duvidar que Barnabé e Saulo desempenharam papel
preponderante no levantamento de fundos para socorro aos irmãos pobres de
Jerusalém, e providenciaram para que fosse atingida uma soma suficiente para
ser de real ajuda aos crentes daquela cidade. Posteriormente Paulo expandiu
grandemente essa obra de beneficência, conforme vemos nas referências bíblicas
oferecidas no último parágrafo dos comentários sobre o versículo anterior. Tudo
isso, pois, mostra-nos quão importante era, para o cristianismo primitivo, a
prática das esmolas. Essa ideia fora importada diretamente do judaísmo.
«...presbíteros...» Em todo o N.T., esta é a primeira ocorrência
desse vocábulo para indicar os líderes cristãos, como pregadores, pastores e
oficiais. Originalmente esses líderes é que tomavam conta das igrejas de
Jerusalém que se reuniam em casas particulares, conforme era costumeiro na
igreja cristã primitiva, antes que se iniciasse a ereção de templos para o
culto cristão. Na passagem de At 15:6,23, os «presbíteros» figuram, juntamente
com os apóstolos, numa espécie de concilio eclesiástico. É bem possível que, a
princípio, os presbíteros tivessem as mesmas funções que cabiam aos presidentes
das sinagogas judaicas, os quais eram os principais elementos daquela estrutura
eclesiástica antiga, embora, mui provavelmente, não fossem originalmente
consagrados por qualquer cerimônia específica para ocuparem suas funções. Entretanto,
não tardou muito para que se generalizasse a ordenação ou consagração de tais
ministros, porque até mesmo em At 14:23 vemos que já estava estabelecido o
costume de consagrar tais ministros. Essa ordenação, outrossim, sem dúvida era
efetuada através do rito da imposição de mãos, novamente em imitação à prática
judaica, quando da consagração de seus oficiais eclesiásticos.
No trecho de At 20:17, os termos «anciãos» e «bispos» são usados
alternadamente, o que também se pode verificar na passagem de Tt 1:5,7.
Originalmente, sem dúvida alguma não havia qualquer ofício distinto entre os
«anciãos» e os «diáconos». Mas gradualmente foi surgindo certa diferença, em
que os «diáconos» passaram a ocupar uma posição um tanto ou quanto inferior à
dos «anciãos» ou «pastores», e muito provavelmente ficaram encarregados de
cuidar mais das necessidades materiais das igrejas locais, ao passo que os
anciões se fizeram os principais líderes espirituais das mesmas. (Ver a
totalidade do terceiro capítulo da primeira epístola a Timóteo).
Os diáconos do sexto capítulo do livro de Atos, apesar de terem
sido um grupo distinto de homens e receberem distintas responsabilidades, não
equivalentes aos deveres dos «anciãos», ou «bispos» e dos «diáconos» da
organização eclesiástica cristã posterior, foram exemplos antecipatórios da
existência de oficiais que não fossem apóstolos, dentro do organismo cristão.
As qualificações para quaisquer oficiais eclesiásticos subordinados eram mais
ou menos idênticas para todos, como também eram idênticas muitas de suas
funções. Portanto, apesar do fato de que o ofício dos «diáconos», no sexto
capítulo do livro de Atos, não ser tecnicamente igual à função dos «diáconos»,
na igreja cristã mais bem organizada, suas qualificações e funções eram
similares. E o ofício mais antigo, assim sendo, antecipou o estabelecimento do
ofício posterior, para todos os efeitos práticos.
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